terça-feira, 19 de março de 2024

Barata, Halloween e Rita

 Por Ronaldo Faria


De repente, uma barata imensa surge do nada, em plena noite de Halloween. No som, Rita Lee. Na junção, a filha de quatro patas. Rápida, a sola do chinelo bate firme. Na primeira porrada, a barata cai no chão. Vem a segunda, mais forte e certeira. Foi-se. Ficou, porém, a gosma no subwoffer. Toalha de papel molhada para limpar. A mesma que cata os restos mortais da Periplaneta americana. Descubro então dos riscos de esmagar este ser. Mas, já Elvis. Esmagada está. E desceu a latrina quieta e calada. O mundo? Esse permanece para quem tiver seu barato de poder em si mesmo viajar.


sexta-feira, 15 de março de 2024

Baiano novo e velho

 Por Ronaldo Faria

 


Mística imodéstia, dessa que parece não querer holofotes ou xotes nunca dançados, faça-se história e retórica. Estoico a escrever nova palavra que vocabulário nenhum aceita, retórico na verborragia e na magia de não saber de onde vem a inspiração, faço-me astro e pusilânime coadjuvante. Na mira daquele que enxerga além do mirante, o ausente e perpétuo, delirante e claudicante escriba que nada sabe. Aos sábios que se esfalfam de pronomes e nomes, antônimos e sinônimos, regras mil de saber escrever, minhas loas eternas. Afinal, sei que algum colou por aqui para procrastinar a grande mentira que há décadas estamos a contar.
 
II
 
Severino, que não é nordestino qualquer, segue na subida da rua a brincar de alguém ser. Ri e branqueia a lua com seus dentes de dentadura de porcelana. Pagou a última parcela no mês que já se foi. E agora, na brisa quieta e branda que corre as esquinas, sobe a ladeira para parar no seu único lugar: um barraco simulacro de vida e largar. Logo, irá se largar no sofá que não há. Irá dormir, talvez, a sonhar com a tez da amada, mesmo sem saber se ela existe. Talvez, num momento inerte no seu mundo e inexistente na mente, far-se-á pródigo e biltre. Frágil em suas dúvidas e forte nas suas andanças nunca feitas. A driblar desapegos e criar chamegos (mesmo longínquos), Severino sobe no seu caminhão cheio de paus e araras e rima felicidade com saudade. A espantar mosquitos proscritos à vela que queima, vai a marchar feito fosse um marechal. E brinca de bola jogada num pasto ressecado, transita claudicante nas trilhas findas, passeia como quem anseia a última ceia. Ele sabe que a morte se aproxima e, ensimesmado, naufragado e prostrado na varanda que não existe, apenas anseia um seio para dormir neste dia.
 
III
 
De repente a ausente bate a porta para perguntar se há incenso para cheirar. Nessa hora se pensa: porque não pode se viver em outro lugar? Afinal, como o som repete, “besta é tu”.

quarta-feira, 13 de março de 2024

Caetenado e antenado

 Por Ronaldo Faria

 


Voltar ao passado, já tão antepassado que parece ter sido assado na fogueira, mistura de crença de vida e esmero, é revirar lençóis e tropéis de bar em bar à busca da insalubre beira-mar. Dessas que se anda na molhada chuva e vagueia num tempo imemorial, sem correr, enxergar e parar.
Voltar ao passado, carcomido de lembranças atávicas e mágicas, dessas que levam a gente a lugar nenhum, na batida de um atabaque circunscrito a um quadrado místico. De pratos comidos entre paixões e prantos. Nos imemoriais e tradicionais pontos hoje mortos e notívagos do suar.
Voltar ao passado, intrínseco e seco rio que levou o avô para depois da vida que há, é correr na areia fina e infinda, branca e branda feito ultimato de um mundo sequer. O cheiro do cavalo a suar e o sonoro silenciar de um vento que traz a troça queimada para a lembrança intrínseca e sem nenhum luar.
Voltar ao passado, travestido de pensares mil, mulheres livres e entregues às trevas que amanhecem o amor, junta a imensidão da poesia e a heresia da solidão. Intrínseca seca que é uma tempestade de letras e frases. Vozes diáfanas que sopram o verso final. Sentença oral e quase marginal.
Voltar ao passado, revisitar o teatro da vida que morre no próprio tablado. Ser ator, autor e diretor da pantomima que se desenrolará décadas após. Cortar cenas, reescrever finais, cobrar ingressos a cada peça nunca estreada, responder às críticas insuspeitas com a frase do palco vazio: “Merda!”
Voltar ao passado, brincar de solitário cavaleiro num cavalo branco que o derrubará logo depois. E cheiro de bosta de boi, lenha queimada no fogão, milho debulhado, da flor que não há na roça esturricada. Mistérios que nós e a própria vida desconhecem no emaranhado que é a nostalgia.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Itamar eterno Assumpção

 Por Ronaldo Faria


O poeta manda a mulher esquecer seus cotovelos, que devem estar prostrados (creio) sobre a mesa. Na luminária que brinca de sombrear retinas, rotundos e redondos homens a desejam, mas têm medo de decifrar seus medos diante dos seios que sobressaem do vestido vermelho, revestido de tafetá. Era para ser uma noite a mais, dessas que bronzeiam o sol de tanto luar e torneiam corpos despojados e despejados nas camas traquitanas e infinitas. Nos sonhos hediondos e irrisórios não há lugar para tardes vazias ou poesias. Talvez um navio perdido no mar que seca a cada paixão. Senão, a mágica farsa de sobrevoar o deserto de cada ilusão. Antropofagia diária rumo à morte que fica mais perto a cada minuto diminuto no cuco que há muito deixou de cantar ou contar novas e priscas eras. Na mesa, um manjar quieto e quente a derreter vira sobremesa nenhuma. No espanto de quem se esconde em cada canto ou pranto, a noite fria se esparrama na fórmica da cozinha. Na gélida saudade forjada em feridas, a certeza incerta de que muito há que chegar para depois se perder. Sob a volúpia da bebida mais barata para sobreviver no mês que se fará seguinte na sequência entre a fuga e a demência, o poeta perpetua sua presença, furtiva de si e amiga maior. Em tom de dó, mas sem dó daquilo que se foi, o cantor traça o andor sobrevivente e vivente da própria desgraça pouca. Rouca, a voz interior vocifera. Feito rima, a sentença brinca de ser eterna. Mas falta a perna que se alisa e se aperta quando quilômetros correm rumo ao prazer.

-- Senhor que inexiste, esteja em riste na porta do paraíso para conter o encontro do homem e da filha/cadela antes de, juntos, se unirem em cinzas. Conto com esse mistério etéreo para que a treta que hoje existe frutifique.


sábado, 9 de março de 2024

João Gilberto em canção

 Por Ronaldo Faria


Desatino entre os amantes deixa o contrabaixo solitário a tocar. Nas mesas ao redor, na rotativa retórica da vida, um astrolábio ou uma bússola teriam enlouquecido no frenesi sem cessar. Talvez o revés que há na contradição do amor e da dor, uma gargalhada hilária que sobrevive plúmbea na efêmera felicidade que, já dizia o poeta, é uma pluma. Senão, a rotina hedionda que faz dois corpos viverem ao longe, entre cópulas postergadas e copos vazios. Na ânsia demasiada da fala que cala, o sorver de trôpegos beijos, benfazejos, quiçá. O tocar de peles, no alisar da penugem que se agarra entre o limiar e o prazer. A discrepante nostalgia tardia que existe quando o sonho de juntar é somente um inseto a brincar na semente que brota. E ele sabe, no seu voar desandado e desvairado, irá morrer antes mesmo da flor brotar. O fruto, este perecerá sem o gosto que a língua molhada traz e refaz a cada beijo. Mas, no desatino cretino que traz o choro para regar de lágrimas a despedida nunca finda, o poema se renova e dá sombra àquele que, na ilusão derradeira e fagueira, ainda crê que viver requer ser feliz. Na esquina escondida pela luz queimada do poste, uma prostituta acena de volta...


quinta-feira, 7 de março de 2024

Entre Dominguinhos e Ferragutti

 Por Ronaldo Faria

A vida é uma brincadeira efêmera e etérea como a fêmea a parir seu inferno que jorrou em sangue e placenta na urgência que a chegada da nova vida dá. E voou, revoou, fez revoada e louvor. Passeou entre trilhas, caminhou em andrajos, fez-se pedaço de terra esturricada e inclemente, trouxe cheiros rotineiros e bem-vindos, todos ouvintes de um mistério que nem nós mesmos sabemos qual ser ou mesmo o que será.
Na mesa que nunca foi farta, a fátua certeza que o universo de versos não dá. Na solidão que a imensidão faz parecer finitude em inócuo desamor, uma estrada de pássaros que não cantam, cigarras mudas, mútuas brincadeiras sem meninos e meninas, num mundo onde as cores esqueceram o que é primário ou secundário. Na sanfona, o antônimo que o anônimo tresloucado e apaixonado não sabe se faz ou refaz.
Ter que fechar a janela ínfima do cheiro da noite para que o inseto de asas e corpo imensos não se bata e morra à luz artificial, uma fantasia que luta contra a insanidade que a idade traz. Voltar, nada volta, mesmo que em volteios e sortilégios egrégios que a loucura traz. Agora é fugir do mau agouro que na lucidez sempre se faz.
Raízes do Nordeste que o pior cabra da peste perfaz. Apenas a saudade de um menino que, em desatino, descobriu no sertão que o senão é melhor do que o portão eletrônico e afônico a anteceder a ilusão. No carro carregado por bois que deixaram de morrer para sofrer, cancelas e selas a esquentar o corpo de cheiro bom suado.
A brincar de sobreviver, a parca felicidade que a idade deixa transparecer. Quem sabe um ser se fará. No lugar que a mandioca vira farinha que se come sem dó, o tacho está cheio de esperanças nunca chegadas. A chegança da realidade é apenas mera mentira. Não caberá a nós, meros e mortais, saber a verdade de nada ser.
 
II
 
Incrédula célula que um dia irá se transmutar e matar a pouca vida que há, quem te mandou nesses corpos viajar? Quem te fez refém de outro mundo que sempre foi infindo e surdo às maldades do mundo? Quem te introduziu e te omitiu da saudade sem maldade que o louco sonhava ser verdade? Na ilusão de nada saber sobre este ser que nunca fomos, dicotômicos e encefálicos (fálicos quiçá), viramos espelhos de nós mesmos à espera de um dia morrer. Na essência do nada nadaremos no oceano que inexiste por tão seco de emoções ser. 


III
 
Boa noite à noite. Essa coisa dúbia e inútil, fértil e cristalina. Criadora de amores e dores.  Cheia de canções e unções. Cancioneiro próprio de quem só escreve pra si. Na artimanha de um convite da melhor estirpe, a certeza de que o jornalista sobrevive. A gente é cabaço e bobo, mas tem décimo sentido...

terça-feira, 5 de março de 2024

À música de raiz enraizada na gente

 Por Ronaldo Faria


O rio parece seco. E está. Suas areias, alvas e em pequenos grãos, se espraiam no canto onde raízes de árvores viram lugar pra apenas se deitar. Numa dessas raízes um avô de pele morena e terno branco descansou para o sempre. No sempre que nesse mundo pode haver, um cão morreu de fome e sede a lhe esperar. No sertão carcomido de seca e esperança, a anca da mulher mostra que outra cria está para chegar e se aconchegar ou no berço de madeira barata ou no chão de terra que cobre o caixão tão pequeno que até uma criança pode levar. No solstício da lua, a fogueira brilha nas fagulhas que se espremem para no céu chegar. Mas qual, morre antes mesmo de esfriar o pouco de fogo que a fez surgir na morte do graveto púbere e cortado, roçado a foice afiada. Feito tocar de sanfona e alumiar breve e quente, desses que fazem dois corpos acasalar. Que une beijos e braços, acalanta no acalento o que só o acalanto dá. E esquenta na junção de carne molhada e requentada no calor que somente os corpos dão. Senão, que venha o espocar de fogos de artifício, no seu ofício de iluminar e clamar paixões. Daqui do chão, enfurnado em si, o poeta profetiza seu fim. No afim de um menino que se atira às tiras que são cortadas no carneiro que geme a morte vinda e jogada na gamela, o ruminar de um tempo envolto de cheiros e choros, gozos e afoitos poemas sem rima e fonemas. Todos famintos de retintos textos, escritos de sangue e saudade infinda. Na cacimba que faz o burro urrar de dor, a infértil poesia. A brincadeira declarada e descarada, descartada e arrotada de perfídias e pútridas flores que deixaram de nascer e ver o sol ungir de vida a mais escondida erva de esquina. Talvez no futuro, esse que não há, o choro das letras derramadas na tela que brilha far-se-ão meras feridas. Ganidos de cães e lágrimas de seus pais, na espera das cinzas se juntarem para o sempre que nada mais é do que um nunca mais.
 
II
 
O assovio que o vento traz, no pio da coruja enfurmada no seu toco que resiste à sana do homem devastador, rouba o silêncio que é excrecência da essência do milagre da vida. Quem sabe num canto qualquer o bêbado esteja agora a beber a infinda sede de nunca ser.
O cheiro que a madrugada denota, entre notas que flutuam ouvidos e vitrais abertos ao chegar, faz o fastio de uma fome intrínseca e seca secar. É certo que o amante irá beber sua sede de descobrir-se em mil copos que a cópula faz antever como o âmago do prazer.
O toque que o escuro denota perpétuo e obscuro é o descobrir que faz gozo e esperma escorrerem pela perna escondida no cobertor de um Opala de quase 50 anos atrás. Na pedra preciosa do sorriso da índia carioca, a oca do menino ainda só aprendiz e brejeiro.
O pensar de um além aquém de quem sabe ser algo que voa e avoa feito a vida diária e embriagada de inútil talvez e coração, foge de si. Afinal, sabe que só há passado entremeado de salpicos de presente dormente por saber que nunca será o futuro de si mesmo.
O ouvir de um porvir cansado de esperar seu chegar apenas brinca de parquinho. Do alto, um anjo chamado pelos poetas de anjinho bate as suas asas arquejadas do lumiar. Daqui, na vazia promessa que esquece a pressa, apenas verte um rio calado de ser real em versejar.


sexta-feira, 1 de março de 2024

Ao Quarteto Maogani

 Por Ronaldo Faria



 
Espera, esperança de que a esfera sem começo e fim eternize um dia o final enfim. Na beira da praia que se espraia feito conjunção de planetas e réquiens, homem e mulher se refazem de distância e inconstância terrena e extrema, coisa de poesia e paixão que não conjumina com a sina fatal. Nos acordes do violão, a canção altaneira prevê março de um 2024 que ainda não chegou. À chegança que a dissemelhança dá, balanço de ondas e o voar de areia fina se esgueiram feito peito nu ao vento nas falésias que veem de longe os peixes que se amam num reproduzir de barbatanas e guelras. As guerras, sem sentido, deixem para os ensandecidos de loucura a navegarem em portos extintos e retintos de sangue exangue de veias e vozes. Quem sabe um deles, bêbado de paixão, não se entregue à velha mulher de vestido abaixo dos pés que pede um dobrão para satisfazer o que marés e correntes marítimas não brindaram de rum e mezcal. Piratas de si mesmos, a esmo nas rotas que sereias e cobras imensas de um mar pequeno dão, a viajarem em pilhagens que nada mais são além de dobrões de prata e prantos de esposas e viúvas absortas nas luas que se esgueiram no céu e nas ruas que se desdobram feito véu negro e nenhum. Aqui, dois não é certeza de um mais um.
Espera, permanente hiato na sapiência que um algo chegará como interregno do amor maior, traz vazios inertes feito tesouros obscuros e soturnos, inenarráveis invólucros que anseiam apenas um seio para sorver e dormir sob a fronte saciada de prazer. A ver, a vastidão que nem mesmo os mapas mais corretos, feitos por astrolábios e sábios, podem delimitar fronteiras e continentes, entes surreais que brincam de forjar em si mesmos à mesmice da descrença crente e demente. “Nunca mintas para mim”, diz o navegador na dor de quem viajou continentes e nunca se encontrou nos cais que jogava as cordas de um barco há muito adernado. Com a luz das velas que morriam para dar luz à cena, a dançarina, quase menina em corpo de mulher, ria às gargalhadas a cada golfada que o poeta em festa da loucura dava. E revirava as pernas à mostra, arrumava descaradamente o vestido que teimava em cair e mostrar seus mamilos róseos e duros. No palco, na parcimônia que a amônia dá junto com o fumo de uma folha esverdeada queimada em delírios e rios de prazer, os músicos seguiam sua labuta. Na rima inconsequente que a poesia dá, alguns chamavam de bolero da p.... No exterior que o estertor da criação deixa, casais e maltrapilhos sem amor seguiam ladeira abaixo. Da plateia alguém grita: “Falta um baixista nessa baderna!”
 
II
 
Uma ostra, já morta e taciturna em seu velório próprio, no invólucro apropriado, guardado entre a areia e os corais, não vê o vento que envolve a vulva e o toque ereto do amante, arfante por dar prazer à amada. Feito fada, a lua faz prosa com a prosopopeia que o escritor nem sabe do que se trata. Nalgum lugar, a tragédia de alguma volúpia tratante do amor, estará a rezar seus terços e deixar suas troças a descer a rua onde paralelepípedos se unem para ver pés em frevo e beijos em enlevo, desses que a primeira vista dá mas não avisa daquilo que, anos mais tarde virá. No vórtice de algo qualquer, a mulher volteia suas saias mil, seus pudores, detratores da canção em unção da ferida que nunca fecha, na espreita da incólume fresta, a festa de pernas e chamegos, abraços suados e aconchegos, o descrente que faz da incógnita o final da inglória batalha sem fim. Mas, para a ostra que no seu ostracismo plúmbeo da morte nada sabe ou antevê, apenas no sal do mar e um ou outro peixe a nadar seu começo do limiar vê, tudo já se foi. Talvez seja esse o mistério etéreo da existência: a crença de se saber dono do seu nariz...

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Vejam e vivam...

 Por Ronaldo Faria


Vale a pena ver... muito a pena. Que chegue março com a marcha na quinta, sexta, sétima vida. Como um bicho de sete cabeças. https://www.youtube.com/watch?v=UdIRka0arFQ

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Dica tardia....

Por Ronaldo Faria

Descobri agora (em 11/10/2023) que o Carnaval já passou. Logo, minha dica ficou velha, mas vale para os próximos dias loucos e de músicas mil. Se não quiserem quebrar copos de estimação, bebam direto da lata. Eu aprendi hoje, tarde. Mas nunca parece tarde para se aprender se eu ainda estiver por aqui....

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Um monte de canções

 Por Ronaldo Faria



 
No mar as ondas brincam de coração, a ir e vir como o sangue que bombeia sem parar. No que há de fátuo, o fato incontestável de um dia ser, nem que em sonhos múltiplos e mutilados, calados, castrados, cansados de andanças sem ruas a caminhar, sem danças a rodar nos salões.
Embriagado de si mesmo, a brincar de cavaleiro solitário, o homem tropica e cai diante da bica seca que enche as bocas aflitas. Sem rumo, sem prumo, no devaneio que lhe acolhe em cada noite o travesseiro e o leva a sonhos loucos e cadafalsos, se vê só e sem ter porque viver. Do seu lado, a filha de cinzas o espera a olhar quieta com os olhos de DNA. “Ao menos num lugar de carinho poderei aportar”, diz pensar.
No asfalto sem vasto devaneio a viajar, o calor sobe telúrico e condensa no seu corpo o que resta de ácido úrico. O copo, quente e seco, sem bolhas a traduzirem o seu torpor, se esquece de ser vidro ou algo mais. O único abrigo no antigo peito do amigo já não há. O sol expulso por aqui talvez agora brilhe em Bagdá. Num lugar próximo os pais tentam colocar a cria a nanar. Melhor não tê-los, descobrir-se-á mais tarde, quando for tarde demais para se descobrir. Na curva glicêmica, um lugar de morte e paz. No mais, loucuras que certamente incriminam o cardeal primaz. Nalgum lugar, de muito tempo atrás, os maltrapilhos do amor buscam apenas vestes para seus corpos em pó e andrajos.
 
II
 
O amor e Laurinha na praia. As duas e crianças mais, entre os raios que o sol balança nos ventos da brisa. Corpos a buscarem um tanto de areia para os pés pisarem na quentura que o universo mistura entre esperança e verso. Ao longe, o homem ouve Rashid e a batida do rap. Na esquina, o casal se arrepia com o pio da coruja que se fez despertar com a sirene do carro de polícia. Certamente, na mente que agoniza em além-mar, o ausente sente o redescobrir da imaginação que exorciza. Na vida que se abre defronte de duas ruas, a vazante que derreia num congá acima das cabeças. Do alto, um raio brinca de alumiar o céu e desce para a terra em eletricidade que adormecerá a cidade, sem luz. Numa viagem própria, apropriada de si mesma, a vocalizar e verbalizar o silêncio, a insignificante orgia que se acaba em desmazelo. No colo da moradora de rua, a criança recém-nascida espera um pouco de zelo.
 
III
 
A regar um jardim seco e sem flores ou folhas mortas, sem plantas sequer, o homem sonha que a mulher que se esgueira em si mesma consiga romper seus grilhões e senões. Temporãos, os ínfimos toques de um dedilhar equânime de dois dedos se desvencilha da vida e encilha um cavalo para cavalgar por qualquer e ínfimo lugar. Nas patas que pranteiam os pântanos onde as sensações surgem num minuto atrás, o vento rompe a pele que foi feita para se beijar. Certamente no canto de um cântico milenar haverá um luar onde a esfera branca se tornará escuridão a tornear os corpos que se enroscam em desejos que esperam um único dia para rebrotar. A regar o jardim insólito e sórdido, o homem deixa se molhar. Quem sabe ele molhado não fará o único botão do lugar nascer? Camaleão na boca do leão do tempo, o resto que resta a se adequar na madrugada que pranteia a paixão afogada em oceanos de cada um.
 
IV
 
O bafo abafado, travestido e tragado se imiscui nas entranhas estranhas da solidão. E traz sonhos bisonhos, rostos risonhos, lábios famintos e famélicos, retintos à espera da saliva que reviverá o destino em pouca sina. De um lado, o sobrevivente. Do outro, a menina. Submissos aos signos, sexos e próprios tropeços. No horário marcado, tomar o remédio. Que tédio... Aos píncaros pródigos do nada, um oceano todo a se nadar. Seja o porto escondido aqui ou acolá. No cais, a prostituta, o marinheiro e o padre loquaz viram uma verborragia sem salamaleques ou frágeis perfumes a rolar na brisa que pernoita entre barcos afundados e barafundas do jamais... o adeus, como disse o poeta em nova geração, fica para nunca mais.
 
V
 
Retornar dias, meses e anos. Coisa difícil de rever. O tempo, saibam, não sai esbugalhado dos olhos cheios de lágrimas e louvor. Nem é oração que se diz ao alhures de alguém. O que se foi, mesmo logo ali na frente de nós, se foi. No momento que brinca de vento, que não se estoca nem no estoicismo do mais crente amante, o alento de que logo mais nada será. Nas galhardias vadias que se embaralham a cada dia, a soberania tardia do nunca mais se fará metonímia (seja lá o que isso for). Talvez um risco de lembrança que dança ainda criança nos últimos e ínfimos neurônios que permeiam doses alcoólicas e utópicas a crer se tornar dono do trono que há muito foi destronado. Calado, a colidir com o desejo e a ladeira abaixo, o poeta volta a Olinda, brinca em Caraíva, aporta em Porto de Galinhas, vislumbra um Itacaré no meio do Trancoso, retorna ao Rio que um janeiro qualquer joga as águas da Cascatinha para correr trilhos de trem quentes e cheios de medo. No bloco do recordar, sanfona bisonha se faz mistura de cuíca, pandeiro e ganzá. Méier, Madureira, Leblon que se esgueira. Desde menino misturado entre o Nordeste e a “cidade grande”, no cheiro do lampião de querosene e da luz que a eletricidade tudo tenta dar, vai-se o tempo, riscado de momentos, olhares, lamentos, unguentos, perdas e descobertas. Alguma fresta nas janelas, talvez. E se não houver, tanto faz. No cérebro que finda em si mesmo mil rimas e poesias métricas ou milimétricas, a mulher que surge e se insurge para arrancar a raiz nunca plantada. A emoção, púbere, fatiada. A tragédia que a comédia dá. A comédia que a tragédia faz. No ar, as notas e acordes acordam para, com certeza, não deixarem o tempo adormecer...
 
VI
 
Amigo, verbo fatídico. Tragicômico entre um ou outro trago. Canção de quatro. No amargo da cachaça ou do tremoço que o português vendeu estragado. Ao redor, um monte de gente que vomita aspargos e come grama pisada pelo gado. “Vai uma bagaceira aí?” A resposta na mente é “tome cuidado com essa caneta enlouquecida na conta”. Nas ruas que se aprumam perto, o desafeto descrê que o feto natimorto não fede igual ao chulé do Mané (não se leia aqui o Garrincha e suas pernas tortas). Isso é fato concreto. Há uma ladeira de eira e beira, janelas que não fecham nem com tramela, um quintal onde uma cabeça de boi se mistura a pichações e senões que batem de antemão num quem sabe e talvez. Nunca serão. Porque vidas não se escrevem com sonhos, não se entranham nas bucólicas saudades e, amiúde, viscerais e madrigais embustes, se enroscam nas roscas e rosas que desabrocham de quintais e padarias.
 
VII
 
Cantarolar e rodar, gargalhar feito doido, dedilhar sem dedos, cortados pela tristeza. Praguejar igual a um meliante arfante de um amor sem fim, entre o cheiro do jasmim e o vintém chinfrim. Percorrer e correr com medo do corrimão que se dá de antemão para quem ama demais. Frigir ovos de óvulos nunca fecundados, cacos de um copo dado pelo filho, fulgidos lumiares nunca vistos ou extintos. Com cortes na mão, melhor parar de delirar.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

O show, a mariposa e a morte

 Por Ronaldo Faria


Com espaços mil para cair, a mariposa resolveu se matar num copo de mexeriquinha. É muita sacanagem...

https://www.youtube.com/watch?v=mxGe-bH3ldw


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Cambadeando mineiramente

 Por Ronaldo Faria

 


Frases ditas e desditas, reconsideradas e caladas, em gritos passadas, embriagadas ou aflitas, tanto faz. Quem tem algo a dizer? Segundos são o melhor momento de devanear? No insano porvir do que nunca irá vir, a incerteza de ter feito o certo, se certo há no milagre da vida. E como nunca nada irá se ajeitar, que o tempo de cada um sobreviva ao seu etéreo e cansado lugar. Daqui, trôpego e louco, passo da eternidade ao lugar nunca agora... E que esse espaço seja logo ali, no nunca inexistente alvorecer.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Mais curto impossível

 Por Ronaldo Faria

 

Se ninguém vai ler, para que escrever? Saberemos lá... Saber-se-á. 

(No som da Cambada Mineira)


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Pra Pedro parar por aí, mesmo sendo João

 Por Ronaldo Faria


“Mas, João Piedade, vai economizar logo na dentadura?”
A voz do protético entra por um ouvido, faz meia volta e volta e meia e sai pelo outro canal auditivo.
João, homem de poucos centavos, sertanejo acostumado a ver seu povo banguela, faz um sinal afirmativo. E sai a correr em suas saudades, dos tempos em que as abelhas africanas voavam sobre a sua cabeça. “Ainda bem que meu padrinho me avisou quando visse o enxame me jogar no chão e ficar quieto”. Não fizesse isso no passado sequer teria provido na mulher prenha um feto.
E proveu um bando de dez, oito vivos e dois mortos ainda antes de gente virar. “Sorte deles de não verem esse mundo girar”.
Em sua volta a feira fervilha. Moscas voam entre carnes dependuradas. No chão, cachorros esperam um sebo cair.
-- Vem minha gente, oxente que hoje é dia de economizar!
Para João Piedade, maldade só na cabeça dos outros. Outrora quis ser gente, dessas que consegue em verve ser Carnaval o ano inteiro. Virou quarta-feira de cinzas. Mas, tudo bem, sempre enganou o mundo naquilo que dizia ser.
-- Seu Clemêncio, põe duas doses de pinga aí. Uma pra mim, outra pro santo.
Na querência que a demência traz, tomou uma, duas, três, dez. Até o santo de coração seguiu cambaleante nas ruas estreitas da comunidade.
-- Obrigado Seu Clemêncio. Eu, embriagado, te proclamo aos céus!
Daí para a frente, nem o frontispício que mais se jogasse na arquitetura contemporânea iria saber ser. Na cama do hospital, na sorte de quem consegue sair da recepção antes de moer a vida e morrer, João Piedade, aquele que tinha tudo, menos maldade, dormiu o sono dos justos, na injustiça que a felicidade para poucos se dá.

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...