sábado, 9 de março de 2024

João Gilberto em canção

 Por Ronaldo Faria


Desatino entre os amantes deixa o contrabaixo solitário a tocar. Nas mesas ao redor, na rotativa retórica da vida, um astrolábio ou uma bússola teriam enlouquecido no frenesi sem cessar. Talvez o revés que há na contradição do amor e da dor, uma gargalhada hilária que sobrevive plúmbea na efêmera felicidade que, já dizia o poeta, é uma pluma. Senão, a rotina hedionda que faz dois corpos viverem ao longe, entre cópulas postergadas e copos vazios. Na ânsia demasiada da fala que cala, o sorver de trôpegos beijos, benfazejos, quiçá. O tocar de peles, no alisar da penugem que se agarra entre o limiar e o prazer. A discrepante nostalgia tardia que existe quando o sonho de juntar é somente um inseto a brincar na semente que brota. E ele sabe, no seu voar desandado e desvairado, irá morrer antes mesmo da flor brotar. O fruto, este perecerá sem o gosto que a língua molhada traz e refaz a cada beijo. Mas, no desatino cretino que traz o choro para regar de lágrimas a despedida nunca finda, o poema se renova e dá sombra àquele que, na ilusão derradeira e fagueira, ainda crê que viver requer ser feliz. Na esquina escondida pela luz queimada do poste, uma prostituta acena de volta...


Nenhum comentário:

Postar um comentário

O enterro da Jacinta

 Por Ronaldo Faria - Você só pode estar de sacanagem querendo que eu vá ao enterro da Jacinta. Sinto muito, mas eu é que não vou! - Mas, C...