Por Ronaldo Faria

-- No more, Along...
A voz de José saiu tímida,
frígida, pensada em si mesmo, num sussurro rouco e calado. De certo, decerto,
nunca mais falaria com Marília, que fez questão de dizer que não conseguia com
ele conversar. Se assim fosse, fazer o quê? Se jogar na fossa de emoções que
toda a fossa mental traz? Esquecer que Londres, Montevidéu e o mundo próximo e próprio
não estão ali do lado? Aliado de seus versos, transfixados na glote que teima
em respirar, ele prefere entrar num pub e
ver o tempo passar até o sino que pede a saída de todos tocar.
-- Get me a beer. In fact,
several.
A tarde lá fora caía mais londrina
do que nunca: lúgubre, com uma névoa em penumbra cinza, uma chuva de poucos
pingos, dessa que vem só para compor quadro de pintor fractal. Na rua, uns e
outros, umas e outras, passavam rápido em direção ao metrô mais próximo. Um ou
outro ônibus dispara seus gases de metano na atmosfera. As cabines de telefone
que resistem ao tempo sequer serviam de abrigo para os desavisados da rotina
londrina. “Sorte - dizia um - tem a rainha, agora embalsamada e quentinha.”
José, perdido entre oceanos e dramas,
volátil nas chaminés que misturam fuligem e saudades, toma outra caneca e pede
a próxima.
-- Waiter, don't forget me.
I'm here to go staggering around.
O gringo, na verdade dono da
terra e da ilha desde há séculos atrás, lhe atende solícito. Talvez fosse
irlandês ou escocês e só quisesse acompanhar o delírio do exílio de um coitado
que veio fugitivo de outro mundo.
-- Just be careful not to fall
into the street. The dogs here don't just urinate on their faces.
José ri e agradece a dica.
-- I will remember this.
Mas, como estará Marília?
Algum Dirceu estaria a amá-la? Ter-se-ia largado às loucuras outra vez? Terá
resistido aos conluios que o desejo e a sorte trazem e dão? As cartas que lutam
contra correntezas e incertezas dos Correios certamente não responderão.
Afinal, ele sequer tem um lugar certo onde colocar o corpo para dormir. Vive de
casa em casa, quarto em quarto, subsolo em subsolo a se prostrar e ter seus
pesadelos e esmeros na busca de si. Na road
que não para de rodar em movimento lá fora, fórceps de paulatinas futuras
anginas e desejos de que logo depois da porta surgisse um sertão a queimar de
sol e seu gado a brotar modorrento do chão. Senão, uma praia com areia branca e
branda, com seus coqueirais a deixarem os corpos quentes a descobrirem que o
amor vai terminar numa rede ou no chão.
-- It's sad to know that our
desire will never be full and we will have to survive on an ultimate dream...
O garçom ouve José, faz um
sinal de OK e pergunta se ele quer outra cerveja. Daqui a dez minutos, na forma
mais britânica de expulsar as pessoas do lugar, irá acontecer o fechamento do bar.
-- A saideira!
Falou em português para crer
que os continentes pudessem num momento se juntar.
-- What did you say?
José, lembrando então que ali
não era pub de português, pede desculpas.
Diz que se fez marujo em terras distantes.
-- I'm sorry. I just wanted
the last one. I promise to drink quickly.
Promessa feita, promessa cumprida.
Saiu no horário marcado e determinado. Na rua, a se esconder do frio que qualquer
sertanejo viraria picolé de umbu, seguiu destino abaixo. Do outro lado da via,
uma moça da vida, seja essa vida aquela que fosse ter que ser, lhe dá um tchau.
Feliz, vê nela Marília. Atravessa a rua a sorrir.
-- What's your name?
-- Whoever you want it to be.
-- Marília, eu estou aqui...
Amaram-se num hotel barato, se
entregaram e se entrelaçaram, se fizeram um só corpo, integral e volátil num nó.
Pela janela o sol pálido e matinal os cobre de luz e realidade. Mas, no abrir da
porta a ranger o dono da pensão pede seus cobres de antemão;.
-- The time is over. Time to
go out and find your way!