quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Com Rolando Boldrin

Por Ronaldo Faria


Devagar, a divagar atônito e perdido em si, Adamastor segue seu caminho sem admoestar a si mesmo. A esmo, na mesmice de um cavalo a correr a estrada seca, segue no caminho de quem só quer aninho. O lugar final: os braços em abraços gostosos, o riso sereno e pleno e os lábios carnudos de Maria, filha de Zé e Madalena da Luz. Debaixo de um pé de laranja lima, para o alazão comer o mínimo de capim que esqueceu de morrer, se põe a relembrar o desejo benfazejo de algum Santo Antônio que em alegria ri da vida. Curado da alergia que a algibeira traz no seu couro curtido da morte do gado que deixou de mugir, Adamastor cura a dor com o olhar para o sol que morre distante, equidistante do peito ao coração. Na igreja perto uma carola reza a derradeira oração.
Sem causos para contar além da própria vida, cheia de bocados que poderiam virar fados fosse essa história em Portugal, nos brocados e trocados que faltam, Adamastor chora em louvor ao Boi Fubá, morto para sua família alimentar. Ser entregue às feiras cheias de carnes dependuradas num gancho cercado de moscas toscas que revoam e pousam deveras a vera, caminhante de tempos outrora, nos alforjes e roupas de couro curtido, ele vislumbra o alumbre de viagens de tropeiro e boiadeiro. Feito carcará certeiro, mira os olhos de caramelo da amada para não descrer de que vale a pena viver. Em novo estrado o corpo daquela desejada desde o primeiro olhar abaixo de uma escada irá de novo vicejar. Na frente, no defronte das frontes, um pastel irá encher de cheiros o amor dos dois.
Assim, feito a açucena que tem gosto de beijo, Adamastor busca no passado o futuro de si. Caótico, ciclópico, morto no presente e ausente nas barcas que empacam no rio seco, a correr a areia branca onde antes corria água cristalina, guarda no sentimento a falácia de ser o mesmo. Nas brincadeiras que o relento lembra com o cheiro de lampiões brotando luz em querosene queimado, sombras voltam e perfazem desejos tristes onde os morcegos em desaconchego voam na busca de jugulares e saudades. Quiçá uma fruta ainda dependurada no pé de pau brilha na lua cheia. Para ele, pasmado e trôpego diante de tudo que se diz e traduz, a luz viceja amanhecer que trará plenitude. Alguém, nalgum lugar, tracejará trilha onde uma erva irá curar seu lumbago. E assim, refeito feito o amante que foi outrora, irá sentir a cama a correr no quarto, se deitar no mato e andar entre ondas frias que margeiam o ensejo do desejo de amar. E só aí a chegada, por fim, far-se-á.

Com Rolando Boldrin

Por Ronaldo Faria Devagar, a divagar atônito e perdido em si, Adamastor segue seu caminho sem admoestar a si mesmo. A esmo, na mesmice de ...