Por Ronaldo Faria
Amanhã promete ser de 26°C. Dia quente para um inverno que no passado fazia fumaça sair dos lábios e nariz. Dia a mais, ademais. No calendário sedentário, dromedário a caminhar num deserto que há muito acabou. Só falta o beduíno de uma Copacabana qualquer entender.
A voz escrita mostra que o que foi ficou para trás. As vozes na vitrola, em quarteto vocal, mostram apenas que a noite é a porta aberta para mais uma embriaguez, dessas que chegam depois de um tempo que nem mesa de bar acredita ter existido. No calçadão, o homem dá adeus à mulher e entende que o vaticínio daquilo que vai escorrer nas ondas do mar é a maior verdade. Com o destino não há como lutar.
-- Mas, por que Carmem?
-- Sei lá... a vida quis
assim. Talvez o destino também quisesse. Acho que nos faltou entender. Saber que
a vida é volátil. Acho que foi isso. O real se foi.
-- Mas que real? E o
sentimento, onde ele fica?
-- O sentimento é só poesia. A
realidade é que manda na vida. Quer saber: foda-se o sentimento! Se lamento?
Lamento. Mas tem uma realidade a seguir. E essa é o nosso porvir.
Antônio larga o chope na mesa,
paga a conta e sai na madrugada a pisar a areia da Zona Sul. À frente não vê o
Dois Irmãos, o Vidigal ou o que seja na escuridão do morro que cobre a subida
da Niemeyer. Anda sem destino, em pleno desatino de quem sabe que amanhã terá
uma ressaca que não virá do mar. As ondas continuam iguais no seu ir e vir desigual.
Espuma a mais ou não. Tanto faz.
Ao caminhar na sua própria
ilusão se dá ao absurdo de crer que a felicidade um dia virá. Mas, ao cair no
mínimo de lucidez, sabe que o fim de tudo será um caminho em descaminho, uma
inércia temporal que cabe em cada bonança que chegará após a chuva despencar em
violência na leniência final. Trôpego, Antônio chega até a ponta do Leblon. E
agora? Voltar até o Arpoador ou seguir até onde der? Sem resposta presta, deita
na areia e olha para a lua que brilha silenciosa no céu. E agradece o que
viveu, padece a ilusão que o tempo dá e se doa ao tempo que ainda resta. Num canto
da Delfim Moreira um louco de fumo dá um grito cenográfico: “Que o que sobra
não sejam sobras de um sombrio meio fio!” Depois, chapado, deita na calçada no
frio...