Por Ronaldo Faria
-- De verdade ou só filosofia?
-- De verdade, driblar a morte ou a excrecência da senilidade.
-- Não sei. Parece ser antinatural. Fomos feitos para nascer e morrer.
-- Será?
-- Acho que sim, como numa história, há início, meio e fim.
-- Mas porque há de ser essa a história de vida de cada um de nós?
-- Sei lá, porque assim fomos criados. Ensinados.
-- Adestrados, talvez...
-- Talvez. Nunca saberemos que não e nem que sim.
-- E se chutarmos o balde e continuarmos vivos a brindar a vida?
-- Brindar o quê? Brochas, senis, com a pele encarquilhada e velha?
-- É verdade. Ser eterno já velho deve ser uma merda...
-- Portanto, melhor é seguir o ciclo vital e morrer.
-- É, acho que você tem razão. Afinal, para humanidade ainda seremos velhos a tentar ser.
-- Logo, possamos pedir mais uma e viver o tempo que nos resta nessa conversa.
-- Seu José, desce outra depressa antes que o infarto ou o câncer nos dê o fim.
-- E aí, Amaro, vamos beber?
-- Pra quê?
-- Pra desanuviar dessa vida, falar besteira e viajar na maionese.
-- Não, obrigado. Prefiro ver a tristeza chorar de forma solitária.
Os amigos, bem poucos e desses que se conta em um dedo das mãos, já tinham esquecido dele. Por dó ou por descobrirem que não há porque buscá-lo no seu emaranhado de fugas e solidão. Na navegança de mar aberto, seja a costa longe ou perto, ele preferia estar desperto no seu mundo próprio. E se sirenas ou sereias estivessem a disputar com baleias e monstros marinhos cada légua marítima, pouco importava. Bêbado, estropiado e perdido, virava náufrago de si mesmo, a se agarrar na única boia que ainda restava na popa ou na proa do navio a submergir. Agora, só lhe restara Basílio.
-- Então, boa noite naquilo que ainda resta de noite...
-- Tudo bem e obrigado por tudo.
A caminharem em direções divergentes, lá se vão dois corpos ausentes, sementes largadas em chãos diferentes. No céu, uma ou outra estrela surge entre nuvens de chuva e frio real. Para o mundo, tanto faz como tanto fez... Na cama, com lençol de cambraia branco e cheiroso, Virgínia dorme mais uma noite vazia.
A tarde infinita na finitude que escapa nos grãos de areia alva, entre pés e corpos prostrados em decúbito dorsal para facilitar a penetração, se prostra famélica e tardia nas sombras que surgem detrás das montanhas que se vestem de pedra e verdes. Num ou noutro espaço, de forma branda ou enlouquecida, a perfídia carcomida que de nada vale estar morto ou vivo. Em momentos de rebentos, sedentos de algo a prever no momento do depois, ambos, homem e mulher ou sejam eles de que sexo forem, apenas esperam os escombros que as cinzas do futuro dão ou darão.
Na tarde cadavérica e feérica, meio formicida e homicida, cariocas e paulistanos se juntam feito água e óleo. E aos poucos chega a referida noite, notívaga em si mesma, cheia de dramalhões e fastios, fatal para cada negror que ilumina o restante de vida de calendário. Nunca mais será a mesma. Viverá somente na lembrança, sem semente ou drama. E irá rir ou rirá dos absurdos que apenas a incerteza da certeza inexistente dá. E tudo ficará bem. Porque não há nada mais além.
-- Cerveja, um meia-lua e poder bater um tambor com o Ding Dong quando não houver mais ninguém aqui no Natural. Pode ser?
-- Quanto a cerveja e o meia-lua tudo bem. Já o batuque, vou ver...
Esse diálogo existiu? Certamente não ou sim. Se quem viveu não sabe cravar a veracidade, imagina quem sequer viveu um segundo do autor da lembrança da lambança. Mas que rolaram batuques com o Ding Dong, isso rolou. Em alguns dias pude ser músico (certamente horrendo no ritmo) da noite, nas noitadas que já não existem no Cambuí. Mas isso eu fui. E ninguém tira isso de mim.

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