sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Paris, Paris

Por Edmilson Siqueira 

Sabe quando você sente um impulso para comprar um CD apenas pela capa? Pois foi assim que Paris, Paris veio parar na minha coleção. Não sei que ano foi, mas me lembro que estava eu batendo um ótimo papo com o Osny lá na saudosa Hully Gully Discos, que se resumia a música, futebol e mulheres quando, passando os olhos pelas estantes, um me chamou atenção pelo título já mencionado. Não bastasse a alusão à cidade que me enchia (e enche ainda) de saudade – uma foto noturna do Sena – com alguns barcos, bem ali na Ilha de La Cité, com a Catedral de Notre Dame ao fundo, me fez chegar mais perto, pegá-lo, examinar rapidamente o repertório e colocá-lo no balcão para, quando fosse a hora de ir embora, pagar, botar num saquinho plástico e levar pra casa. 


Paris, Paris, o disco que acabou me acompanhando, tem grandes músicas e muitas delas trarão grandes recordações para os mais velhos. São umas seis ou sete que dão aquele prazer misturado com saudade.  


Charles Aznavour, por exemplo, que abre o disco, tem coisas melhores que "She" (dele próprio e de H. Kretzmer) mas sua voz, impregnada de nostalgia e da boêmia francesa melhora qualquer música. A inevitável "La Vie En Rose" até que tem uma interpretação honesta de Dálida, embora a gente sempre se lembre de Louis Armstrong ou Madeleine Peyroux.  

Há um clássico da minha geração que a produção fez bem em manter o fonograma original, mesmo porque ninguém soube cantar "Je T’Aime... Moi Non Plus" melhor que seu autor Serge Gainsbourg e sua mulher à época Jane Birkin. Proibida pela censura na idiota ditadura brasileira, o disco ganhou mais fama ainda e incendiou a imaginação de todos nós. Eu consegui comprar um compacto simples antes da proibição e ele fez o maior sucesso no bairro. Andou de mão em mão até se perder por aí.  


"La Mer", outra inevitável vem com Mireille Mathieu. Já "Chanson D’Amour" ganhou roupa nova com o excelente Manhattan Transfer. "F...Comme Femme" é na versão discoteca ou algo parecido, com uma tal de Marysa Alfaia. Ficou “moderninha”, mas o lirismo irônico da versão original se perdeu.  


"New York, New York" em francês com Mireille Mathieu se salva porque ela canta com certa garra e os arranjos ficaram mais para Manhattan que para Paris.  Fechando o CD, "Cherchez La Femme", com uma tal de Banda do Doutor Buzzard.

 

Trata-se, obviamente, de um disco para quem viveu o lançamento dessas músicas ou quem andou por Paris algumas vezes e se encantou com tudo por lá. Comigo aconteceram as duas coisas, por isso, ouvir Paris Paris, por mais que algumas músicas não mereçam estar num disco com esse nome, dá um enorme prazer. 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Lunário Perpétuo

 Por Ronaldo Faria

“Diz-se que no Lunário Perpétuo, que correu por décadas o Nordeste do passado, se oferecia conselhos e orientações sobre os mais variados aspectos da vida, incluindo tabelas das fases da lua, dos eclipses do sol e festas móveis, previsões do tempo, horóscopo, elementos do Direito, navegação, Teologia, saúde, agricultura, dicas culinárias, feitiços, maneiras de interpretar o comportamento dos animais, biografias de santos e papas, e outros muitos dados de interesse geral. Era como que uma enciclopédia popular.”

Vai senhor dos horizontes tardios, num caminho pelas terras que secaram de tanto sol e chuvas que nunca chegaram. Segue nesta estrada que há muito não vê formosura. Trilha rios que mostram a terra onde antes água havia, olha no fundo do poço o esqueleto da jia. Seu coaxar não ouvirás. Talvez um barulho que fluirá entre os pequenos ossos nas noites que o vento pouca paz trará. Talvez, ainda quem sabe, irás enxergar uma nau catarineta no horizonte à imensidão da solidão singrar. Ávido de marés e fés, grumete ou pivete desandará a buscar um carrossel do destino.

Mas segue senhor das brincadeiras tardias e vadias na curva turva que termina onde começa o mar. Vai de espada em punho a enfrentar os monstros da madrugada. Aprenderás, se o Lunário Perpétuo ler, magias mil para todo o mal poder vencer. Senão, saberás quão difícil é ter a amada deitada em seu castelo de areia no meio da montanha altaneira. Mas não desiste. Resiste em riste. Se cicatrizes descobrir no rosto, faça-se louco e torto. A esse o inimigo poupa por sabê-lo morto e roto. Mas, depois, quando te pensarem enterrado, foge das cova no desterro de um sonho calado.

Assim, não desiste senhor dos luares que de tão cheios se esparramam no sombreado da mangueira que dorme entre sabores e cheiros. Descobre na enciclopédia popular que podes ser fidalgo ou jagunço. Virgem senhora ou entregue Marília de um Dirceu que não há. Se ler com calma o Lunário, verá que a família toda está lá. Se não houver, erro na caligrafia haverá. E segue sob o sol intermitente que queima a cabeça da gente. Viaja no tempo se como montasse uma nuvem ao vento. Descobre chuvas, tormentas, trovoadas e unguentos. Para toda lágrima sempre terá um lenço.

Logo, nobre senhor, dono da própria alegria e sublime torpor, vai a seguir entre curvas turvas que terminam Deus sabe no que se fará. Certamente, nas páginas do livreto, descobrirás que podes ter o poder de tudo saber e mudar. Ao longe, no mais longínquo pairar, algo mais do que uma cova rasa irá te esperar. Dono de tanto conhecer em tantas lições de ser, não passarás pelo purgatório, notório espaço de o limbo lamber. Lunário Perpétuo nas mãos, creia, entrarás por um portal que em alguma página estará descrito como ilusão. Ao destino, um cancioneiro de eterno menino.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Uma coletânea essencial

Por Edmilson Siqueira 

A série Easy Living tem pelo menos dois discos essenciais (aliás "Essential" é outro nome da série): um de jazz e outro de bossa nova. Não conheço outros da série e não encontrei em breve pesquisa no Google. O de bossa nova eu não tenho, mas o de jazz foi - e continua sendo - um campeão de audiência no meu cd player. 


O disco ainda se refere a "Ballads", o que significa um jazz soft, contido, sem grandes arroubos de improvisos, solos de bateria, mas sim com aquele talento todo peculiar dos jazzistas de, dada a melodia, partirem para uma aventura sonora que só a sensibilidade e a destreza podem proporcionar. 


O disco está recheado de clássicos e a primeira faixa não deixa por menos: Harry Allen e seu sax tenor nos dão "Somewhere Over The Rainbow", de Harold Aleen e E. Harburg, em uma gravação de 1996, realizada no Nola Recording Studios, em Nova York. O desfile continua, desta vez no sax alto de Jesse Davis, com a deliciosa "Smoke Gets In Your Eyes" (Otto Harbach e Jerome Kern), em gravação de 1994, na mesma Nova York, só que no Clinton Recording Studios. 


A terceira faixa está nas mãos, no sopro e no talento de Chet Baker: "Round Midnight" (Charles Cootie e Bernard Hanighen) nos leva a uma viagem der 10 minutos e 16 segundos entre os meandros da famosa balada. A gravação é de 1986 , feita no Studio 44, na Holanda.  


"Autumn Leaves", outro mega sucesso por aí, com o Super Jazz Trio, formado por Tommy Flanagan ao piano, Reggie Workman no baixo e Joe Chambers na bateria, em gravação de 1980, no Power Station Studios, de Nova York.  


A quinta faixa começa com um chiado que permanece em toda música. Não é defeito, é antiguidade: trata-se de "Tears", gravada em Paris, em 1938, pela lenda do violão jazzístico, Django Reinhardt. E com ninguém menos que Stephane Grapelli no violino. A autoria da música, aliás, é dos dois. Uma gravação histórica.

 

Voltando aos tempos mais atuais, sem bem que nem tanto, pois a música seguinte foi gravada em 1962, nos estúdios da RCA em Nova York, mas já com "high quality", temos "Where Are You?" (Jimmy McHugh e Harold Adamson) no ótimo sax tenor de Sony Rollins. 


A sétima faixa é a homeanagem que Benny Golson fez ao amigo Clifford Brown ao compor "I Remember Clifford". A gravação aqui é do grupo The Jazz Networks, com destaque para Roy Hargrove ao trumpete, mesmo instrumento de Clifford.  


Outra volta ao passado, desta vez sem chiado, está em "Body and Soul" (Edward Heyman, Johnny Green, Robert Sour e Frank Eyton), numa gravação remasterizada de 1939, dos Estúdios da RCA em Nova York. Coleman Hawkins, que popularizou o sax tenor, é quem interpreta mais esse clássico do jazz.   


O passeio musical volta ao presente com "You Don't Know What Love Is (Gene DePaul e Don Raye) que nos é apresentada por uma bela performance ao piano de Kenny Drew, em uma gravação feita em Tokyo, em 1983.  


A música que dá título ao disco, "Easy Living" (Leo Robin e Ralph Rainger) chega com Paul Desmond também no sax alto, acompanhado de Jim Hall no violão, Eugene Wright no baixo e Connie Kay na bateria. A gravação é de 1964. 


O grupo The Jazz Networks reaparece na décima-primeira faixa, apresentando "My Ideal" (Newell Chase, Leo Robin e Richard Whiting), gravado em 1993, no Clinton Recording Studios, em Nova York.  


Encerrando a bela seleção, temos "In The Wee Small Hours (Bob Hilliard e David Mann) com o grande John Pizzarelli, aqui compondo seu trio com Martin Pizzarelli no baixo e Ray Kennedy ao piano. A gravação é de 1995, realizada no Nola Recording Studios, de Nova York.  


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube Music, em https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mzfsiK1HuVCT147E43SQEi0_7kuDU9msE e está à venda por aí, nos bons sites do ramo. 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Noel Rosa

 Por Ronaldo Faria

Nascente num renascer diário até quando a vida der. Talvez uma réstia de luz, um amanhecer com pouco a dizer, uma traição à esbórnia que a mixórdia traz. A Noel, uma rosa depois da buzina do carro. Daqui, vou a viver entre verso e reversos para você...

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Ouro puro

Por Edmilson Siqueira 

Sábado passado, 6 de agosto, fez 16 anos que Moacir Santos nos deixou. Tinha 86 anos. Sua obra foi pouco conhecida no Brasil, fez mais sucesso nos EUA, para onde se mudou em 1967, para Los Angeles, pois fora convidado para a estreia mundial do filme "Amor no Pacífico", do qual havia sido compositor da trilha sonora. Estabeleceu moradia fixa na região de Pasadena, na Califórnia, onde viveu compondo trilhas para o cinema e ministrando aulas de música.

 

Um CD duplo, gravado em fevereiro e maço de 2001, com uma excelente produção, um encarte perfeito e um recheio de dar água na boca resgata parte da sua obra, que recebeu o título mais que perfeito de "Ouro Negro".  


Moacir, pra quem não sabe, é o maestro que ficou eternizado no Samba da Bênção, de Vinicius e Baden, naquela passagem que o Poetinha fala “A bênção maestro Moacir Santos que não és um só, és tantos, mas tantos, tantos como o meu Brasil de todos os santos, inclusive o meu São Sebastião”. 

É quase certo que a maioria dos brasileiros, mesmo os que gostam da boa MPB, só conheçam o grande maestro pela poesia do Vinicius ou pela música "Nanã", que o próprio Moacir chamou de "Coisa nº 5", ele que tinha a mania de chamar quase todas suas composições de “Coisa”.  


Os dois CDs dão uma ótima amostra do que é a música de Moacir. Tem de tudo, o que prova que não foi à toa que Vinicius disse que “não és um só, és tantos”. Mas, tão importante quanto a qualidade da música (são 28 temas) foi o time reunido para tocá-la e cantá-la. Gilberto Gil, Milton Nascimento, Joyce, João Bosco, Mariza Adnet, Ed Motta e Djavan, isso para citar apenas os que emprestaram a voz às músicas de Moacir. Segura aí o time de instrumentistas: João Donato, Mário Adnet, Zé Nogueira, Armando Marçal, Nailor Proveta, Vitor Santos, Cristóvão Bastos, Bororó e vários outros cujos talentos são mais que reconhecidos. Detalhe: Mário Adnet e Zé Nogueira refizeram as partituras da série Coisas a partir de gravações antigas, pois as originais se extraviaram quando o selo Forma foi vendido para a Polygram – coisas do Brasil.  


Para um artista que, “aos 14 anos nem sabia ao certo sua idade e nem a grafia do seu nome”, vejam só que Ruy Castro diz dele no encarte do CD: “Tom Jobim dizia que, no Brasil, é proibido aborígine sair da taba. Moacir Santos foi um dos que saíram e o Brasil fez desabar sobre ele um manto de silêncio. Pois chega de silêncio. Nanã sabe das coisas e diz que chegou a hora de o Brasil saber de Moacir, reaprender Moacir, merecer Moacir”.  


Dos 28 temas do CD, dezenove deles podem ser vistos no YouTube, num memorável DVD, produzido por Mário Adnet e gravado no Sesc Pinheiros (https://www.youtube.com/watch?v=1z_rVH_e2bc). O CD completo pode ser ouvido também no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=eOtU13KvgY8 e está à venda nos bons sites do ramo. 

O enterro da Jacinta

 Por Ronaldo Faria - Você só pode estar de sacanagem querendo que eu vá ao enterro da Jacinta. Sinto muito, mas eu é que não vou! - Mas, C...