sábado, 20 de julho de 2024

Olho de Prata

 Por Edmilson Siqueira

 

Há quase dois anos, Ronaldo Faria escreveu aqui sobre o Olho de Prata, show que foi apresentado no Centro de Convivência Cultural em 1979, com Zeza Amaral, Alfredinho Soares e Celinha. O show era composto das músicas que Zeza e Alfredinho vinham fazendo pelas madrugadas, muitas delas aprendidas e cantadas pela Celinha nos próprios botecos que a turma frequentava, principalmente a Adega Florence lá na Vila Nova.
Estou voltando ao assunto por alguns motivos: o primeiro é que fui um dos produtores do show (éramos uns quatro ou cinco, todos trabalhando na base da amizade) e, como tal, posso dar alguns detalhes a mais do que o Ronaldo. O segundo é que ouvi novamente o CD do show - um CD que é resultado de uma gravação em fita k7 que o Osny passou para a nova mídia - para ver se estava tudo bem com ele. Ouvi novamente não apenas por gostar das músicas, mas porque eu ofereci uma cópia ao Danilo Fernandes, da Rádio Educativa, para, quem sabe, ilustrar alguns do seu ótimo programa sobre os artistas musicais de Campinas e região. Além disso, minha amiga Bete Ribeiro, que hoje é companheira do Zeza, me providenciou, rapidinho, uma cópia do folheto (hoje chama folder, né?) do show, com os nomes de todas as músicas - eu lembrava máximo de três - para abastecer a discoteca do Danilo de modo completo.
Trata-se, como já devem ter percebido, de um disco que não existe no mercado.
Por esse trabalho todo, me veio a vontade de escrever alguma coisa sobre o já lendário show que lotou por duas noites o teatro do Centro de Convivência, com ingressos extras suficientes para que o corredor central fosse todo tomado por gente sentada no chão.
E foi grande mesmo. Acompanhei muitos ensaios e vi tudo sendo montado sob a batuta de um profissional em vários ramos, o artista plástico, jornalista, escritor, fotógrafo, cronista e boêmio Jota Toledo. Toledo foi o coordenador geral e distribuiu magnificamente as tarefas. Para iluminar o espetáculo, convidou Amadeu Tilli; para o cenário, Geraldo Jurgensen, para a direção musical, Maninho, para a direção de cena Marcos Ghillardi e botou na produção alguns amigos que ele sabia que tudo fariam para que o negócio andasse da melhor maneira possível, inclusive este escriba.
A ideia era botar o pessoal no palco - violões (Zeza e Alfredinho), flauta e sax (Maninho), cavaquinho (João Luiz), contrabaixo (Serginho) e percussão (Paizão) - e fazê-los cantar suas músicas e, às vezes, contar histórias que os inspiraram como se num bar estivessem. E a ideia funcionou.
A grande maioria das músicas apresentadas teve como autores Zeza e Alfredinho, juntos ou formando dupla na composição, mas a abertura do show foi com "Homem de Papel" um poema de Raimundo Oswaldo Barroso que Zeza musicou. É uma letra forte com visíveis críticas sociais à ditadura que ainda entristecia o Brasil à época.
Em seguida, a presença delicada e firme de Celinha, com sua voz que lembra muito a de Maria Bethânia, (muitos diziam que Celinha sempre foi melhor...) apresenta "Sereia da Noite" (Zeza Amaral), que cria o clima ideal do boteco na madrugada para o show prosseguir.
"Prego" de Alfredinho, que vem a seguir. A triste separação é aqui, mais uma vez, retratada com primor pelo poeta que fica sozinho cantando suas mágoas. Músicas típicas de inspirados boêmios, como éramos todos à época.



Essas três músicas deram o tom do espetáculo: musica forte com crítica social, samba canção romântico e o samba tradicional, onde prevalecem as dores de amores e a sadia malandragem.
No palco, cantava um, cantava outro, ou os dois juntos e, de repente, Celinha deslumbrava a plateia transformando a música dos parceiros em algo nobre, pra ser aplaudido de pé, como foi quando ela cantou à capela.
E com direito a grand finale: o sambão composto pela dupla, "Verei Raiar", que, além de encerrar o show com um clima mais do que elevado, presta a devida homenagem à Adega Florence, dos irmãos italianos, que ficava na esquina da Carolina Florence com Primeiro de Março, na Vila Nova, e que foi, durante vários anos, o quartel-general dessa turma (eu mesmo a frequentei por algum tempo) que amava a noite e suas musas.
O show, como já disse, teve duas apresentações com lotação com ingressos extras. Depois, devido ao sucesso inicial, foram conseguidas mais três datas, mas o sucesso não se repetiu e sobraram apenas as lembranças de quem viu e ouviu e de quem, como eu, conseguiu uma fita K7, que virou CD, e pode ainda ouvir pra matar as saudades de um tempo que não volta mais. 
Pra encerrar, Zeza e Celinha ainda estão por aí (Zeza prepara novidades musicais inclusive), mas Alfredinho, infelizmente, nos deixou em abril de 2018.



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