Por Ronaldo Faria
A tarde, que tantos alguéns já juntou e deles se desfez, dá um até logo ao bêbado da esquina, ao prólogo do amor, ao surgir que urge cheio de esperança no primeiro beijo. Diz aos descrentes dementes da ilusão dessa tal felicidade que voltará renovada quando o bem-te-vi retornar às flores e as abelhas perderem o medo de morrer. Simplória, faz história de si mesma.
À tarde cantam os poetas que pouco a viram, aqueles que se chamam Porfírio, os estetas das cores do quase anoitecer, estafetas da fé. Choram amantes errantes, as crianças sem parque, o baque de mais um dia se perder. Proseiam os velhos nos bancos de praças, gorjeiam os que sabem gorjear e esquentam seus futuros jantares os solitários de noites sem promiscuidades.
À tarde também se entregam sem tréguas a nova amante que se atira na noite chegada com as chagas nunca fechadas, as fachadas que agora se iluminarão de neons, os casais causais que se miram nos pontos de ônibus e nas mesas de bares. Na quase blasfêmia daquilo que se fez, o poeta emerge de si e se afoga na saudade do dia em que teve qualquer mero e simples prazer.
Mas a tarde, a vociferar angústia às feras que acordarão aprisionadas ao nada que a esbórnia da madrugada traz, não quer nem saber. Fez-se, veio, viu, desfez, refez e findou. Agora, como o sorvete de amora que cai no chão, apenas escorre no esgoto do tempo. Ausente de vento, morta em lamento e unguento, apenas ressonará as próximas horas a achar que viveu até demais.

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