Mel, melaço, cana moída sob a
árvore frondosa que resistiu à seca do sertão. No meio do nada, onde nem estrada
há, a fugaz sensação de que a felicidade tem lugar. Mas não nos perguntemos
onde ele está. Pode estar longe, na lonjura que nem os olhos conseguem enxergar
no mapa-múndi, ou colada logo ali no colo da amada que se embriaga de
alcaloides. Afinal, no contexto sem texto que sequer sabemos antecipar o final,
como descrever estampas de sabonete no funesto lembrar abissal? Foi, existiu ou
apenas é um louco e sombrio lembrar? Morreremos sem saber o que falar...
Tobias corria as estradas cheias
de secura e morte feito consorte da veleidade que nos foge a cada dia. Cravava
as esporas no dorso do cavalo cansado para mais cedo chegar. O sangue do animal
escorria na terra esturricada e se derramava junto com o suor que cobria os pelos
molhados de dor. Sem dó, Tobias batia com o chicote feito de couro de um bicho
que morreu para depois fazer sofrer o dorso de outro igual. A muitas léguas de
uma saudade sem tréguas, dessa que não se mede nem com mil réguas, apenas queria
chegar e se achegar nos braços de Maria. Ao animal espancado restaria quem sabe uma
ou outra égua. Se esta no cio estiver.
Na fazenda, cantilena na cantoria
irreal, o homem roda as madeiras que moem a cana cortada que logo será
aguardente ou garapa. Envolvido em si mesmo, envolto na penumbra das folhas que
sobreviveram à secura do tempo, o homem da fantasia é apenas o mote de alguma poesia
de cordel que virá e se perderá ao léu do rentista do mundo que crê ser artista.
No alpendre o menino brinca
com seus bois em sabugo de milho. No mundo findo aonde os olhos enxergam e é infindo
na saudade do poeta cantador, Tobias ainda trilha suas mil trilhas que nunca
terminarão. O animal que o carrega, trôpego e sôfrego, cai desfalecido e morto perto
de duas cruzes onde abutres tentam comer os restos de anjinhos enterrados. Sem mais
como ter de chegar ao colo e seios de Maria, Tobias senta no chão de poeira e
chora. A aurora logo vingará no céu sem nuvens pra pingar. Se um boiadeiro
passar na busca da burrega desgarrada, verá apenas um homem enlouquecido que
achou que tinha encontrado o Senhor no paraíso do já descortinado luar. E como o
destino é repentino, tal boiadeiro complacente se compadecerá com a cena.
-- Meu alforje está cheio de
água. Quer um gole daquela que eu peguei sob uma gameleira?
A pensar em Maria, Tobias dá o
último suspiro para a vida. Seu corpo, tosco como o do cavalo que tombou, é
enterrado na estrada. Resta-lhe uma cruz de galho cortado num descampado perto.
Na fazenda, Maria bebe o líquido que a cana cortada deixou escorrer quando era
esmagada para algo ser.
(Com
Elomar, Vital Farias, Geraldo Azevedo e Xangai)

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