quinta-feira, 13 de novembro de 2025

A cabeça começa a falhar

Por Ronaldo Faria


-- Desculpe a sinceridade, mas acho que você está ficando gagá!
As palavras de Josué bateram forte em Rosivaldo. Ele tinha marcado um bate-papo etílico com dois amigos, só que havia esquecido de avisar a um que o dia era o de amanhã. “Caralho, como assim?” Como a informação era tripartite, todos por essência saberiam hora e lugar. Mas qual... a um faltou uma palavra essencial: “amanhã”.
-- Você tem razão. Sobre o pré-gagá. Mas é foda deixar uma informação tão importante fora do texto. Não há nem pretexto. A não ser, como você deduziu, início de uma senilidade. Afinal, está chegando mesmo a tal idade avançada. Será que vou começar a esquecer geral? Dia, hora, obrigações, realidade, até a forma de comer, andar, cagar na hora certa, amar? Deus, ir tão cedo para um asilo ser cuidado por uma enfermeira, quiçá nem gostosa, é muito bosta...
Rosivaldo, que agora fazia parte de um grupo comemorativo de sexagenários avançados, na beira perto dos 70 e algo, achava que poderia chegar longe na idade com a lucidez intacta por mais uns míseros dez anos. Mas agora bateu um medo. Ou precisa, a partir de tal, ler, ver e rever qualquer informação escrita ou dada para garantir a sua verdade. Ou, no mínimo, sua veracidade com a realidade temporal e pedir ajuda de universitários ou os outros incluídos na informação. “O tal mundo paralelo não pode ser mais o meu elo com o mundo do calendário. Pois, todos sabem, camelo não é dromedário.”
-- E aí, ao menos o tal amigo entendeu a sua demência cerebral?
-- Sim. Entendeu. Até riu. Tá certo que eu lhe devo umas várias agora, mas tudo bem, vida e amizade não se medem em cifrões. O legal é ver que ainda há quem saiba que herrar é umano.
-- Ainda bem, mas vê se não erra outra vez.
-- E agora, vou à farmácia comprar qual: Lavitan memória, Memoriol B6, Pharmaton, Ômega-3, Gerovital, Tebonin ou Fisioton?
-- Sei lá. Foi a primeira vez que ouço as sinapses falharem antes da bebedeira...
-- Tem razão. Acho que está na hora de pedir outra. Seu Manoel, põe aquela que abre a cabeça. Gelada de rachar neurônios, por favor. Se é pra esquecer, que seja por um bom motivo.
 
(Com João Cavalcanti a cantar)

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