sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Derradeiro incenso

 Por Ronaldo Faria


Devagar ele traz divagar tardio e um ou outro cheiro de relva. Sobe no espaço em passo no descompasso que os olhos ainda sabem enxergar. Prazenteia em estrela perdida no céu um escarcéu que junta anjos, demônios, homens e mulheres, sinônimos de algo que em nada se parece com Deus. Brinca e brinda a brincadeira da cantoria imaginária e lúdica que trupica, mas não cai. No cais do mar revolto e distante, Anabela pragueja a ausência de Cassimiro, casmurro e ausente há tempos, desde que foi no barco de Altamiro na busca de lagosta e centavos minguados.
-- Amor, vai ser pouco tempo. É tudo por nós, pra buscar nosso canto de encanto onde vamos ter uma ruma de filhotes e pixotes.
-- Mas e se o barco virar e você afundar pra sempre na imensidão?
-- Isso não vai acontecer. Reza pra Nossa Senhora dos Bons Ventos. Ela há de nos guiar além-mar.
E assim ele zarpou, com Ferreira e Zaqueu. Singraram ondas e marés, ventanias e calmarias. Viram sereias, baleias e até Netuno, mesmo que esse tivesse aparecido soturno e noturno depois de duas garrafas de pinga cada um. Caminharam em ondas cheias de branco, oraram ao passado, tracejaram em bússolas e olhares para o Sol a melhor rota para voltar e descobriram cardumes no ardume que os olhos estavam com tanta secura. Amigos de infância, desses que juntam brincadeiras arteiras e lembranças, resistiram à falta de ventos e prosseguiram na busca do aconchego. Maria, Sebastiana e Mazé estavam em algum porto a esperar.
Assim, no fim que o porvir faz por fim despontar, conseguiram voltar. Cansados, queimados de um sol inclemente que os queimou mais do que queima toda gente, desembarcaram quase ausentes da missão que tiveram de cumprir. E lá estavam elas, suas amadas e famélicas de amor, mulheres por serem lembradas. Barbados, esturricados e sem vento para acarinhar, os três se jogam na brincadeira que chamam de amar.  No recôndito anacrônico de pau-a-pique, onde apenas dois corpos podem se juntar, o trio de pescadores de desejos se esmera em entregar seus corpos às cópulas do chegar. Naquilo que ainda carece de rimar, o marejar de olhos no choro do prazer envolve vozes quietas e prestas a vociferar o langor. Lá fora, bezerros berram pelas mães noutro pasto. O tempo agora é vasto.
 
(Com Paulo Matricó)

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