Por Ronaldo Faria
(Ao menino imberbe que viveu um Nordeste de rádio galena, na bateria,
sem luz elétrica ou tevê, sob a escuridão do lampião e da noite que nada mostra
mas a tudo vê)
Nas ondas do rádio arredo todo o meu carma, redescubro minhas camas, atordoo meus dramas. E tudo voa como fossem só meras filigranas.
Nelas não há pouco mais do que
Luiz Gonzaga a cantarolar. Um cheiro de lenha a crepitar no fogão e o mugir do
gado guardado para morrer.
Nas ondas do rádio, mesmo para
quem no sertão nunca viu uma onda de mar, é possível se embarcar e nunca mais
voltar. Mil portos hão.
Nelas existem barcos e velas.
Avião também há. Se quiser e longe pensar, até espaçonave vai encontrar. Tem
sertão seco e longínquo mar.
Nas ondas do rádio eu ondeio e
permeio vozes e odes. Nessas caixas de madeira, acreditem, não existe apenas
artroses. Há mel, flor e glotes.
Nelas vagueiam às marés todos mil
tresloucados e insanos senhores, incansáveis jogadores perdedores, voluptuosos
e incrédulos desamores.
Nas ondas do rádio tem
náufrago e cavalo marinho, piratas sem tesouro, sereias sem rabo. Todos num
ligar e desligar do que findo, no fundo, brinca de derrear.
Em rádios quase iguais, ouvi minhas primeiras músicas, os primeiros versos de rima, a primeira saudade latente e a certeza de que a voz sempre haverá de mais alto falar.
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