sábado, 6 de setembro de 2025

Enluarada na claridade infinda

 Por Ronaldo Faria



Lua luzidia e frígida, vulgar no céu. A se mostrar inteira e nua de branco na espera do casório com o sol. A brincar com a cabeça dos loucos e se redescobrir acima de todos, dormindo no sono insone que cobre de beijos quem tem saudade sem fim. Cheia de mistérios etéreos que nem a sonda lunar saberá desvendar. Inquieta e largada em qualquer quintal ou lugar. A iluminar beijos de amantes relutantes e roupas que quaram à espera da brancura final.
Lua na perfídia da antítese proibida e restante no tanto que não sabe se morre ou se brilha. Se vai se jogar no asfalto como o bêbado que despenca na derrocada do fim ou percorre lençóis catatônicos e atônitos por servirem de ninho de amor a dois corpos que nada têm de asas para voar. Galopante em cada rompante que se esmera por um lugar pra derrear e chegar onde as chagas da vida se esquecem que o tempo cura as feridas e as lágrimas.
Lua incandescente e cercada de cinzas lunares como fogueiras que se queimam em esteiras forjadas de restos de capins e plantios mortos de secar sem rio ou chuva de sertão. Poesia sem rima ou rumo, plantio abortado sem semente e mão para jogá-la no chão. Cria de cada um de nós entre paixões, versos malfadados, fadas desnudas a voar. Canções ultramarinas e cheiros de rosas a entrarem nas narinas que desvendam risos e corpos em cópulas no fim.
Lua que corre nas trilhas de terra batida e encardida de pés sujos que não têm o que calçar. Que ilumina tanto o rico que dorme entre notas e pepitas de ouro e o pobre que se faz andarilho na busca de ao menos saber o que é viver e estar. Unidade que delimita olhares apaixonados e ilusões do nunca amar. Casa dos poetas e falsos profetas, ascetas de tanto pelejar chegar, grudados no rincão, no mar que desemboca além do além-mar.
Lua que se torna cigana e se entorna fatal sobre o corpo desnudo da amante que se desdobra ao som de um bandolim e do homem que pensa ser a hóstia que oscula os seios entumecidos e voláteis a se enrolarem na cama proibida de ser o fim de tudo. Sobretudo, restam a calma do derradeiro amor, o ardor que só quem sabe o que é a dor haverá de ter e o insólito praguejo que surge em soluços e gargarejos para amenizar a brincadeira do senão.
 
(Com Xangai a cantar e catar restos de luar)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Na viagem

Por Ronaldo Faria Viajante de suas loucuras diuturnas, quase equidistante entre a vida e a morte, Januário persegue qualquer polis que vire ...