segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Volta no volteio

Por Ronaldo Faria



Volta à vida que quase se foi, enfastiada, tragada de performances sem nuances de epopeia e odisseias que possam se contar. Talvez um ou outro encontro ou desencontro, mil contos que foram contados e outros tantos milhares que nunca se contarão. Afinal, essa é vida: sopro fustigado de cataclismos e versos mudos e surdos em entrevero do último suspiro, o derradeiro.
Quiçá surgirá a inaudita canção que se descobre na ilusão do sempre virá, no ungir de talismãs impregnados de vozes em surdina e afagos. Em lânguidas lambidas no ventre da amada, gotas de saliva a salivarem nos lábios quentes e retintos de sangue e unções do amor que foge em cada gemido nunca soado. No dito e por não dito, no desdito do mentiroso cioso, a sentença do estradeiro.
Na estrada à frente, cheia de pedriscos e gente, o unguento que urge no lamento do boiadeiro no esmero de chegar. Afinal, ao final da trilha, está Maria, seja qual for seu prenome, a lhe esperar. No debulhar do milho verde dependurado no roçado, xaxado se mistura ao fado. A partir daí, qualquer ato tresloucado se torna comédia ou drama inacabado. Feito passarinho no seu revoar.
E no final, voltar é repetir o deixar e seguir estradão sem momento ou retidão. É fazer nova trilha aonde os pés já cansaram de brincar de pisar. Retomar a rotina nas crinas do cavalo que corre e escorre sob o céu que brinca de imensidão. Cravar pesadelos mil, loucuras de roteirista da vida. Paródias que nem o mais sagaz roteirista saberia criar ou decifrar quando deveríamos apenas sonhar.
Voltar. Pisar ainda em ossos que logo irão virar pó. Na prosopopeia da epopeia que não vale sequer uma ilíada, continuamos a respirar, fazer de translúcidas imagens o sarcasmo de não desejar e esperar. Esperar e respirar, esperar e ingerir ar, esperar e aspirar. Em volta, nas voltas da vida, um som de chegança e rimar. Falácias mil e o correr de imagens e desejos a proliferar.

(Com Renato Teixeira)

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