-- Mesmo a alma não sendo
pequena, acho que vale a pena.
A frase de Alcebíades soou
profética, hermética, digna de uma hemeroteca. Dessas que a tinta da impressora
não se perdeu em vão. Em desvão, a ouvir Paulinho Pedra Azul, mandar voar, cantar,
sofrer e sobreviver, se entrega às falácias que mostram que a vida corrói. A
relembrar a sordidez que a vida dá quando os anos destrói, sabe apenas que os
pássaros sem penas nunca poderão revoar.
-- Daqui, desta distância equânime
e tântrica do bem-querer, vale-me apenas escrever. E valha-me Deus se algo mais
quiser viver. Para tal ser, hoje já é muito sobreviver.
Entre os poucos dentes, ardentes
de tanto querer e perder, Alcebíades vai a beber a si próprio no imbróglio de
sobreviver. E transita nos pesadelos e desmazelos que cada noite traz entre
temor e azia. Onde ele nunca saberá onde estar, com quem forjará fugas, rusgas,
atropelos, trôpegos zelos, infaustos termos, desmazelos, singelos e frugais jograis.
Mero peão num jogo de xadrez que o xeque-mate há décadas já matou o coração que
sangra sem parar esperando apenas a hora de estagnar, se desmazela na inglória
paz.
II
-- Mais outra?
-- Fazer o quê, Livânio? Seria
leviano abrir mão do desejo de um copo vazio a pedir para descer e nos fazer
encontrar.
O dedo em riste, como um chiste,
chama o garçom.
-- Meu irmão, traz pra nós
aquela que você estava guardando pra levar embora.
Num jardim que qualquer fantasia
criaria, a ternura de um bem-te-vi voa à busca da certeza de que não há para onde
voltar. O tempo expropriou emoções, forjou sensações, aquiesceu sordidez. Nele mesmo
não se fez. Brincou de ser extemporâneo, caminhou em ruas escuras, lambeu
corpos em turras, regozijou-se de ainda crer. Foi na incongruente e inglória
glória de uma roupa a voar no varal que se esconde da tempestade que quer
chegar.
-- Por que perdemos a noção de
antemão da pouca lucidez que ainda nos resta? Pra que viramos festa de nós mesmos,
embriagados de folguedos que sabemos no amanhã serão algo a profanar, xingar e
execrar?
-- Boa pergunta, Livânio. Essa
eu deixo sem resposta posta. Nem tudo nesse mundo saberemos profetizar. Vivamos
o momento somente. Quem sabe será este nosso derradeiro tormento?
Na rua que vira avenida de repente
a noite já se faz, sobremaneira, onde casais se misturam em beijos e toques,
vilipêndios mil. Se fazem boiadeiro a levar as reses que desconhecem seu inexistente
céu, viram luz de lampião no querosene a queimar. No lugar, certamente, em sangue
a cair no chão de cimento branco, irão se largar. Afinal, como papagaio de
papel, não conseguirão sequer voar.
-- Sabe, Livânio, seria bom se
pudéssemos o tempo voltar. Enlouquecer e não prever o futuro que o presente nos
trouxe. Que conseguíssemos reescrever erros, normatizar desesperos, somatizar ensejos,
esperar e implorar aos deuses inexistentes que beijos sob escadas nunca deixem
de lamber lábios e se fazer nunca mais.
-- Aí você está querendo
demais. Menos, menos. Fique aqui na mesa, pois dependo de você pra rachar essa
conta que se antevê logo mais.
Nos devaneios de Livânio, o estrupício
de um ser solitário, errante, segregado de si. Mas, naquilo que o pífio vazio
traz, o garçom, amigo, chefia ou irmão, diz que o bar vai fechar. Uma água corre
entre os pés e a conta brota no lugar. Os amigos se despedem e, apiedados de si
mesmos, seguem seus rumos no prumo de um Uber. Do alto, a lua pede tempo ao sol
para não desdizer o que o poeta infante pensou escrever.