quinta-feira, 13 de abril de 2023

Zequeando nas balas...

 Por Ronaldo Faria


Brejeira, a mulher se despe de rancheira veste e se joga na cama a sorrir com um desejo incomum, desses que o mundo torce para servir de semente e se espalhar em cada amor desgarrado, em cada espelhar frente à fronte que se une em línguas transversas a invadirem céus da boca e do mundo. À volta, ínguas que doem a cada movimento torpe que entorpece os amantes em prece para que nada acabe antes do fim previsto na parafernália que invade a genitália. No absurdo do surdo que ouve além dos sons, a sonífera amante voa entre colchas e lençóis, na perfídia a brincar de inseto que infesta o salão de festa para estragar as lembranças do amanhã.

Altaneira, a amante infante e arfante sobe e desce entre músculos e ósculos. Beija, boceja, se basta por ser alguém que subjuga a fera do outro, rompe minúsculas entranhas e se faz, entrevada, parte do tronco, cabeça e membros. Faz-se inteira, interagindo em cada sensação, na próxima ação, na procrastinação quando tudo for somente passado, passeio entre praias e paisagens, pesadelos e miragens. Deitado no arfar do beijo que o tédio faz se perder derradeiro e formal, o homem nada se parece. Apenas, solitário, faz um prece com um ser normal. No universo que se perfaz de verso, o bêbado canta o lirismo que apenas emite o surrado jogral.

(Pro Zeca Baleiro)


terça-feira, 11 de abril de 2023

Zecando num baleiro

 Por Ronaldo Faria


 

Metamorfose de borboleta a borboletear por aí, a ir e voltar, voar e revoar feito vento de soleira de janela, que para no vidro que tudo vê e nada deixa entrar. Feito trejeito da performance de bailarina que se despe de purpurina. Um pouco de angina malfadada e deformada em pruridos. Passeios e anseios de ter um corpo à cama e postergar por medos e ensejos o último e derradeiro momento isento de culpa e degredos. Desejos jogados na estrada que nunca volta e teme a beira que se esgueira na curva que mostra um infinito derrear. No fundo do coração saber-se-á que espaço não há. Não há lugar para retornar, roubar de beijos extraviados, revirar gavetas carcomidas pelos cupins que cheiram a jasmim. No mundo de universos paralelos os versos não têm início ou fim. Não se transmutam na Babilônia com odor de amônia e nem acordam de um sono perpetrado pela insônia. Simplesmente viajam em andrajos de alma como almanaques escritos para vender a ilusão que se perfaz acabrunhada como a voz esganiçada de qualquer cunhada acanhada. Nas vísceras que vicejam um dia desgarrarem do corpo, acalantos de prantos partidos e jogados a léu numa lenda esquecida nas páginas do livro nunca escrito, proscrito nas entranhas da estranha senhora a gemer e gritar. “Venha, vida! Venha me matar!” Do alto da igreja, o padre vocifera feito boi-fera a ferir o silêncio que procrastina a derradeira sina. E o lugar adormece e padece feito o menino que corre pelas ruas empoeiradas que um dia viram os passos da inocência trilhar...

(Pro Zeca Baleiro)

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Poder

 Por Ronaldo Faria


Poder escrever, se reescrever, descrever nova esperança, crível anca, soluções e ilusões em camadas de porções e dialética. Mais dias a ultimar um interregno de mar, um discreto e incerto incesto, um indigesto sabor de fica pra depois, num após que o apocalipse já pressupôs cálido e calado. Contudo, rever o oculto é poder sintetizar pecados e afagos, pródigos olhares, alhures solitários. Coisa de fastio e fábulas, verborragia e azia, anchos tormentos entremeados em pensamentos e prazeres. Tudo como a carcomida emoção que voa da canção para soar em sentimento... No coração o lamento se contorciona para não morrer.

Em homenagem ao disco “Se é Pecado Sambar”, de Mariana de Moraes, que agora em abril completa 23 anos de gravado.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Ao poeta do amor

 Por Ronaldo Faria


Vinicius de Moraes, onde moras hoje?  No São João Batista? Na batuta daquele que frequenta a antiga Montenegro, que virou teu nome? Será que esse povo sabe o que era o Veloso? Será que o Rio de Janeiro ainda sabe o que foi, é ou será? Sabe-se lá... Saber-se-á. Na verdade de mentira o tempo e os tempos cobrem de exéquias e qualquer coisa aquilo que foi. O que foi, sabe-se lá será. Certamente não. A instantaneidade não permite lembrar, reviver, amar, chorar, sofrer... O tempo hoje pede uma velocidade que as teclas de uma máquina de escrever não permitem mais. Rascunhos, branquinhos, rasgar laudas e ideias não cabem mais. O lixo hoje é virtual, a lixeira se descarta num teclar. Bons tempos de um espaço de metal cheio de papel a esperar voltar a ser o que se desfaz...

sábado, 1 de abril de 2023

A Tropicália safada

 Por Ronaldo Faria


Na Tropicália o menino ouvia antes e cantava depois músicas para agregados de uma fazenda perdida no Nordeste aonde apenas Luiz Gonzaga (o grande e eterno Lua) chegava devagar. Sem luz, sem energia, ao cheiro de querosene, sem sinergia com o mundo além da vida de gado aboiado, queimadas de pasto, cruzes nas estradas de terra para os anjos, casas de farinha, rinhas de galos livres, carneiros retalhados vivos em gamelas, abelhas africanas a voar, um luar e cheiro de bosta que inebria o lugar. Milho debulhado na mão, carro de boi a seguir para a feira mais próxima, rios cheios e vazios, jegues que transportam vida e morte. Saudades de madrinhas e padrinhos, capucos e sabugos de milho a ganhar nomes, amaldiçoados raios e trovões a cobrirem espelhos e talheres de prata, cavalgadas e quedas que perfazem o que hoje há.

Na Tropicália, o começo da paixão pela música. O acústico ouvir do novo num tempo obscuro e trágico de baionetas e sonetos proibidos e jogados à vida em porões e prisões. A certeza de que a vida se transmuta em orações descabidas, madrugadas tragadas em teclas de uma máquina de escrever, bares na zona sul e subúrbio, medos e métricas que farão o novo homem, o vernáculo de escrever sem quase nada ler, os santos e orixás que surgem e dormem à espera de outra esfera. Místico sei lá do quê que seguirá por décadas na busca, como diz a música, do mistério do planeta. Proxeneta da própria existência ou o apocalipse do pouco tempo na Terra?  Plantio plenipotenciário de algo ou algoz de um nada que nada no oceano seco que transborda num copo a mais que verte de tempos em tempos para provar que tempo não há? 

Possamos, pois, nos tropicalizar para sobrevivermos às janelas do alto e o sangue sobre o chão...

quinta-feira, 30 de março de 2023

Vinicius Cantuária e Zeca Baleiro

 Por Ronaldo Faria


A última dança é um ultimato ao mato que o jardim se fará. Traz consigo um consignado entre a dor e o amor. Dissabor, quiçá. Como um embuste que o sentimento apraz, aprisiona alma, desejo e tanto mais. Transmuta imaginários cantares, se encanta de saudades, foge da realidade que não há. Afinal, somos apenas pretéritos mais do que imperfeitos de um futuro que já passou. Logo, nos deem penas para um voo imaginário. Ícaro haverá de nos trazer aos píncaros que destruirão asas, mas nos farão voar mesmo sob chuvas mil.

A última dança é aquela que entorpece, transcende, cria  milhares de  vozes, versos, versículos, homúnculos, poemas que vêm de um além que se saberá sequer. Brinquemos, pois, de videntes, mesmo sem dentes. Que os deméritos sejam alcoólicos, reminiscências de Bossa Nova, sinapses que ainda se ligam, ligações em diásporas e prosas. Assim, num crepúsculo malfadado, possamos postar prenúncios daquilo que não se basta, presunções de passos mal dados e maledicências que não surpreende quem sabe sequer pensar.


terça-feira, 28 de março de 2023

Equanimidade nos sons de fevereiro

 Por Ronaldo Faria

 

Equânime sentimento que lateja e pulsa, transpassa e repassa momentos e vidas. Que nos chama de volta como chama que nunca se acabou. Que fazer?

 Trêmulo, o homem segue em seus pesadelos e sonhos noturnos e soturnos a brincar de ilusão e tesão, como canções que envolvem o tempo que se perde no vento que corre as ruas num revolver como tantos luares tropicais. Em respeito aos peitos que surgem e ressurgem, o desequilibrado anda sobre uma faca cheia de navalhas e novas prosopopeias. Serpenteia nas teias de um simulacro onde o acaso e o ocaso se fazem transversos como versos perdidos e ardidos em qualquer tela de computador. Com uma puta dor a invadir o quadrado em que cada sílaba se faz frase qualquer, o monossilábico ser se expande em exangue sangue que teima em circular e ficar no mesmo lugar. A vagar faz-se impropérios e deletérios sofismas que nem ele mesmo saberá. Na voz de Belchior, a voz que vem entre o melhor e o pior. Vontade de retomar o mar do que já se foi, ser foz de si mesmo, recriar noites, sexos feitos e refeitos, dúvidas, dívidas com a felicidade e algo nunca mais.

Incrédulo, o homem vaticina a sina a vir. Far-se-á ou não antônimo e pronome de si mesmo? Buscará outra vez o limite entre o reflexo e o plexo que morrem a cada ensejo ou sorverá cada gota de quase nada que cai feito solidão e sensação fugaz? No lado de fora, onde os olhos mal conseguem ver, o mundo se faz e refaz, vaticina futuros e passados, longe do presente que não pressente o trópico perdido há décadas decaídas em desfaçatez. Amanhã, bem provável e talvez, haverá um hiato entre a lucidez e o novo dia. Diásporas chegarão. Um chão entreaberto se abrirá a cada passo. Voltar a pouca lucidez e irá demorar, desmoronar horas, principiar e findar tormentas mil nos navios que eu sei nunca aportarão. As portas, decerto, estarão entreabertas, entrepostas como celeumas que vivem no nosso porão. Serão, logo, um entrave e o reminiscente morrer de quem ainda aprende a viver.

 (Ao Belchior)

sexta-feira, 24 de março de 2023

E vão-se as certezas

 Por Ronaldo Faria


Lembranças talvez de ancas, anchos seres com quem cruzamos, vestimentas de passado, utopias que resvalam em diáfanas realidades de um segundo qualquer. Talvez a mulher ao volante, infante na nova vida que espera e esmera, quem sabe um descalabro que vem e volta, mostra que um segundo vale a vida, desmedida vida... Desmentida vida.

Lembranças que logo serão cinzas, solidão infinda e eterna, mas ungidas de duas queimas ao fogo mais imenso, abrandado pelo avarandado que deve existir entre o início e o nada. Quem sabe nessa hora a saudade não bata quieta e vegete feito nesga de sol na noite fugidia. O dia nenhum do depois agradecerá tudo poder na finitude que se antevê letal.

Lembranças de sabe-se lá o quê. Talvez um jeito errado de escrever tantos quês, um espaço próprio na semiótica que nem a ótica mais nítida consiga ver. Uma idiossincrasia qualquer, das partes que se unem e se delimitam nos limítrofes restos de querer ser. Talvez um carro de boi do passado em que não se sabia sequer se haveria presente ou futuro.

Lembranças que destoam daquilo que se queria ser, se é que algo se quis. Que brincam de preto e branco em fotos que fazem aniversário tardio, remontam cenas, montam prosápias e acham que serão para o sempre. Não serão. Nada será. Apesar do novo amanhecer a cada sol que se deixa dormir e acordar, viajar entre luzes e algozes do renascer.

Lembranças de lágrimas. Mas haverá outras? A tal de saudade que nos invade a cada dia não é somente um mar de reminiscências e voltas cheias de desejos e ensejos, coisas desaparecidas e descabidas, como ver a cana virar mel. Senão, ouvir milhares de centenas de abelhas a voar e cobrirem de negror do Nordeste a zoarem no silêncio da tarde quente.

Lembranças de mulheres uivantes ou arfantes, que vêm e voltam nas tardes tardias de um passado que poderia ter sido e não o foi. De noites solitárias, de açoites perdidos, desses que  ninguém quer mas vêm quietos, prestos, passionais, coisa que aflora no repente de uma nota musical, de amor venal, de algo que mistura desejo e sabe-se lá o quê.

Lembranças de compor a sua história e trajetória, seja ela para aonde for, dos espinhos à flor de lis. Quem sabe o desejo guardado e resguardado, antecipado e ceifado, procrastinado por não ter certeza de que esse é o verso final. Assim, como alguém que canta e descobre no atropelo da vida que o universo é um verso transverso que carece de ser. 

(Ao Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho)

quarta-feira, 22 de março de 2023

Anos 70, de Caetano

Por Ronaldo Faria


Anos 70, de profícuas ideias e aneurismas iniciais, saber-se-ão fatais e letais na trajetória de cada um. Até que o embrião saia da vagina materna e se resguarde na angina que espera logo ali em frente, defronte do coração. Na ação o menino que canta Caetano para baianos que vivem entre lampiões e a seca do Nordeste que habita entre o oeste e o norte, à beira da morte, deflorado e lembrado no seu sincero amor. Se tiverem sorte terão sobrevivido ao azul de um mar nunca visto, antevisto no marrom das queimadas e da estiagem que leva a lugar nenhum. Quem sabe um telefone que se roda com os dedos à espera de um sinal – 2398515. Talvez a incerteza da Guanabara que inexiste há décadas, jogada ao léu entre a montanha e o céu, o mar e o véu da viúva que descansa nos arcos da Lapa sob a lupa que a lampreia vê no mar. Senão, o anão que percorre o corre que o morro dá para o asfalto seguir. No ensejo do poema, o fonema certo, o membro ereto, o desconcerto do deletério. Logo mais, no atroz desconcentrado e atávico desconectado da vida, o ávido desejo de querer ver o que a frente, fugidia da vida, ainda pode, como leviandade, dar

segunda-feira, 20 de março de 2023

Ao Ordinarius - https://www.facebook.com/ordinariusvocal

 Por Ronaldo Faria

Passadio frágil que percorre o passado feito coisa que pode voltar de onde se sabe lá meu Deus. Talvez numa cantiga antiga, num frouxo acorde que acorda memórias que mitigam por parecerem reais, mesmo esquecidas num canto qualquer que ninguém sabe onde está ou de onde vem. Um samba, um Verão que se faz chuva entre nuvens e águas que desaguam meninas e infindas, a refrescarem o mato que cresce e desvanece feito coisa qualquer, como fosse a vida apenas calor, torpor e algo sem fim.

Manhã passageira e fagueira, frágil e fátua, feito amor que se desmancha em beijos perdidos na mata que desabrocha línguas e lânguidas saudades frouxas e enfastiadas de ser. Talvez, num talvez sem vez, a volta de passos corridos num subúrbio distante, equidistante entre a realidade e o além. E lá se vão dias que nunca voltarão, sensações que se perderam em senão, sombrias orgias em estradas que se enredam de ilusões e tesões espremidos ente mantas e mantos nas mãos da amada que acariciam em vão.

Corridas da rua até a linha de trem, do trem para a avenida, da avenida para a vida entorpecida de medos e magias e tragédias mil, feito céu que se desbota ente o cinza e o anil. Igual imaginação que se perde entre os seios e o quadril, numa velocidade que em segundos vai de zero a mil. Coisa que brota às madrugadas e se desfaz num assento sem acento como se o vocabulário fosse banal. Como palavras enviesadas e fadadas ao fado que se arrasta numa rua de paralelepípedos e epítetos soltos ao tempo.

Mares e marés feito barco perdido nas torrentes e correntezas que jogam ondas e rios com trejeitos de cores e odores, adoradores de vestes jogadas ao chão nas peles desnudas e surdas para tudo que foi largado do lado de fora, afora e em aforismos. Quem sabe lá um pernoite entre os afagos e os afogados de saliva e línguas, aqueles que se misturam entre anzóis de braços jogados nos lençóis e abraços perdidos na partida que delimita o que há além do cais que a tantos assusta e a outros tantos apraz.

Num salão de baile, a rodar e bailar, o casal se esquece das luzes que brilham lá fora entre faróis e alforrias, sombras esguias de um sol que teima em se esgueirar nos quartos que escondem a condessa e o conde, condecorados pelo imperador que antevê a dor. Mas quem saberá o momento certo de antever aquilo que nem a vertente do vento denota às vórtices da voz que mente e desmente aquilo que vem à mente em letras e frases, prosopopeias e epopeias, finitas e derradeiras, à beira do caos.

sábado, 18 de março de 2023

Violões

 Por Ronaldo Faria


Um violão dedilha aos dedos do seu dono o dom de iluminar o silêncio com notas e acordes, a acordar quem denota existir a frágil incerteza de frigir ovos e forjar inebriantes casais a um beijo derradeiro, herdeiro do sentimento que precede o tormento. Feito cordas presas a um traste, vê-se o traste que cambaleia na rua deletéria e sombria iluminada por postes apagados em simetria. Não há luz, não há sequer uma cruz, não há a velha a vender seu cuscuz. Existe apenas a sombria pena que pranteia de lágrimas a infausta certeza que se esgueira na sombra do copo que descansa sobre a mesa. Talvez um sibilo de dó, de ré, de fá, sol, lá, em si. Quem sabe o limite limítrofe entre a saudade e o dizer não para reverberar o sim. Pouco importa. A porta entreaberta e incerta fecha a rua que invade a hora certa. Já não há ódio, poesia ou prosopopeia. Somente um querer ausente, uma plácida saudade carente, um insondável ouvir premente. Algo que se faz e desfaz feito o último segundo fecundo e primaz. A todos nós, que atamos e desatamos nossos próprios nós, a incerta certeza de que a vida não se põe à mesa.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Gilberteando

 Por Ronaldo Faria

 


Imaginação em ação. De onde virão essas sílabas, essas palavras, essas frases parafraseadas num corpo que sabe sequer o que é? Entre perguntas e prenúncios ciosos de ter respostas óbvias, ficam a dúvida, a dívida com a eternidade, a eterna saudade de um voltar sem rever. Talvez uma vadia e tardia elegia dos cheiros de um mar ao sul, banal e fatal, quase fetal, a virar segundos infinitos e mortais, tais e quais.

Na celeuma que há entre o falso cadafalso e o falsete do cantor, o ator que há em si pede para a cortina nunca descortinar o que não se fará. Não esqueça também que uma lata treme de frio à espera de um corpo, internamente, para se fazer esquentar. Um dia isso não mais acontecerá. Se oriente, rapaz... a tal de paz pranteia mil desejos e ensejos, mas, creia, ela não sabe sequer em que porto poderá se aportar.

terça-feira, 14 de março de 2023

Senise toca Gil

Por Ronaldo Faria 

Permeia entre a vontade e o desejo um mistério de valer-se solitário, etário, segregado de si mesmo, a esmo. Como nada fosse, fossilizado entre a realidade e o amargo, na forma de um caule que encapsulou para nunca ser.

Semeia no fundo de um canto escondido, entre o peito e o coração, numa oração inconstante e vadia, a semente de um amor nunca acabado, encostado e tardio a esperar, quem sabe, a ilusória razão de crer-se num fátuo crer.

Vagueia soturno e solitário um errante senhor que perdeu o rumo e o sumo, que brota num chão seco. Que rega de versos e prosas as rosas que teimam em solapar de cores e odores o amanhecer cheio de ínfimas nuvens segregadas.

Anseia uma incrédula vaidade que sobrevive só por maldade de saber-se. Que é profícua e fica única e volátil a vadiar entre canções e unções. Quem sabe um amor maior, desse que pensa ser único e fugaz, uma linha tênue e tenaz.

Tudo a permear, semear, vagar, ansiar e crer no solstício que nunca se fará. Como brinquedo sem enredo, solidão sem medo, frevo somado de liberdade e degredo. No imbróglio de ser, o poeta descobre-se emir da solidão em si.



sexta-feira, 10 de março de 2023

Na noite com Silvério Pontes

 Por Ronaldo Faria



Coisa de antigamente, quase demente, como o bêbado que mente à vida e desmente seu próprio viver. Uma retreta no coreto, uma treta a travestir de cores e odores as dores dormentes que pedem apenas para dormir. Feito amores ausentes de dois que plantam a semente de amar. Defronte, um mar que margeia o que pode ficar ou estar apenas para se fazer passar. Enfim, o fio cortado e jogado à tesoura voadora que se mexe à frente do espelho. Antes dele, alguns vários no desvario de brilhar sob os óculos maltratados pelos olhos cansados de enxergar.

Entre tantos metais num assoprar, respirar, soltar e prender o ar, dedos a correr o frio instrumento de intento, vem o cheiro do vento que rompe e irrompe à noite numa magia de lembranças e devassidão. Talvez umas pernas se abram logo ali neste instante, quem sabe uma língua se fartará de prazer a fazer em si mesma num desaguar de saudades e madrugadas nunca vividas ou chegadas. Um recital de prazeres e vendetas a vender ilusões e paixões, sermões e senões. Cantilenas para falenas que esvoaçam entre flores nunca vivas e vozes em desditas finitas, mil.

Assim, ao som do instrumento vil, feito comensal que se farta de temperos mil e sais, o silêncio se faz. Na suntuosa orgia que vagueia entre dias passados, passeios de degredados, demências de rastros perdidos, vai-se o que resta, presto, daquilo que se presta, em festa, à escuridão que é servidão do desejo de se desejar. Por fim, no reencontro do chorinho que une paisagens passageiras, como meeiras de um louco a vagar nas vagas que o oceano dá, espera-se a vida, que não tardará. Do lado de fora, a escuridão borbulha de faróis que correm na esperança de um dia poder chegar.

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...