Por Ronaldo Faria
No som rola lamento astral.
Mas lá fora voa um vento anormal ou sepulcral? Juvêncio Silva, por quem entre os
dentes as palavras silvam desde a perda de todos da frente, não sabia responder.
O sorver de emoções e unções era pouco para tão pouca e louca solidão. Plácido,
como se fosse parte de um hino nacional, irracional, caminhava na avenida onde
a aplicação de formicida matou todos os ratos. Agora limpa, não fossem os papéis
e restos de comida que os transeuntes atiram das janelas dos prédios e dos ônibus,
do pisar in loco no local, poderia dizer que estava no céu. Mas qual... Era
apenas um esperma esperto e rápido natimorto que, depois de nove meses,
descobriu que se deu mal.
-- Porra, José, minha mãe tinha que dar logo para aquele pé de chulé?
-- Sei lá, Juvêncio, amor e tesão não têm explicação.
Mas, absorto e trôpego, seguia a pé até o ponto de ônibus mais perto. Ao derredor, como fosse uma orquestra em mi menor, ouvia um gato miar em desespero. “Espero que não queiram pegar seu couro pra tamborim.” Mas, o gato, que tem sete vidas, que cuide das outras seis, elucubrou. A sua única há muito já tinha se esvaído numa dessas enchentes que o Rio de Janeiro vez ou outra vê. “Se não comeu o rato da leptospirose, que se foda esse incompetente.”
Ao chegar o ônibus, faz sinal e sobe ligeiro. Passa o cartão e senta num banco livre. Foi parar do lado de uma mulher que devia ter 30 ou 40 anos. Mas era linda, inverossímil, perturbadora. De quem a idade era eterna puberdade. Ou a cana que lhe foi dada pelo Manoel do bar estava adulterada de etanol. Não. Era linda! Todos os homens da condução a olhavam com olhares de desejo, desses que traduzem a servidão. “Para ela e por ela seria o escravo que a Lei Áurea não se fez em realidade até este rincão.”
Mas a donzela, na formosura que a faz mais do que a virgem em pedestal mais singela, está absorta, solta nos seus devaneios. Nada vê. As ruas, com seus trajetos e pórticos, esquinas e asfaltos negros e quentes, janelas fechadas e meninos delinquentes, nem sequer passam na velocidade do fumacê que sai do escapamento que polui o mundo que foge entre quilômetros e rodas carecas. Para ela, a paralela realidade é mera inverdade. Sequer há ou existe saudade. Logo o ponto findo chegará e irá descer. Sublime, senhora dos próprios portais, dará adeus aos mortais que a desejam ademais. E ficará, em cada um, como delírio passageiro, talvez fruto de um gole desatento, de um nariz a cheirar violento, de um rebento que nasce da erva queimada antes da madrugada. Tanto faz. Que o fim da finitude declarada saiba dormir em paz quando o motorista, suado e catatônico, afônico e cansado, proferir que é o ponto final. Dentro do coletivo restarão apenas ilusões e as babas que os bois-humanos deixaram verter em vão.
-- Porra, José, minha mãe tinha que dar logo para aquele pé de chulé?
-- Sei lá, Juvêncio, amor e tesão não têm explicação.
Mas, absorto e trôpego, seguia a pé até o ponto de ônibus mais perto. Ao derredor, como fosse uma orquestra em mi menor, ouvia um gato miar em desespero. “Espero que não queiram pegar seu couro pra tamborim.” Mas, o gato, que tem sete vidas, que cuide das outras seis, elucubrou. A sua única há muito já tinha se esvaído numa dessas enchentes que o Rio de Janeiro vez ou outra vê. “Se não comeu o rato da leptospirose, que se foda esse incompetente.”
Ao chegar o ônibus, faz sinal e sobe ligeiro. Passa o cartão e senta num banco livre. Foi parar do lado de uma mulher que devia ter 30 ou 40 anos. Mas era linda, inverossímil, perturbadora. De quem a idade era eterna puberdade. Ou a cana que lhe foi dada pelo Manoel do bar estava adulterada de etanol. Não. Era linda! Todos os homens da condução a olhavam com olhares de desejo, desses que traduzem a servidão. “Para ela e por ela seria o escravo que a Lei Áurea não se fez em realidade até este rincão.”
Mas a donzela, na formosura que a faz mais do que a virgem em pedestal mais singela, está absorta, solta nos seus devaneios. Nada vê. As ruas, com seus trajetos e pórticos, esquinas e asfaltos negros e quentes, janelas fechadas e meninos delinquentes, nem sequer passam na velocidade do fumacê que sai do escapamento que polui o mundo que foge entre quilômetros e rodas carecas. Para ela, a paralela realidade é mera inverdade. Sequer há ou existe saudade. Logo o ponto findo chegará e irá descer. Sublime, senhora dos próprios portais, dará adeus aos mortais que a desejam ademais. E ficará, em cada um, como delírio passageiro, talvez fruto de um gole desatento, de um nariz a cheirar violento, de um rebento que nasce da erva queimada antes da madrugada. Tanto faz. Que o fim da finitude declarada saiba dormir em paz quando o motorista, suado e catatônico, afônico e cansado, proferir que é o ponto final. Dentro do coletivo restarão apenas ilusões e as babas que os bois-humanos deixaram verter em vão.
(A ouvir o segundo CD Ouro Negro, do Maestro Moacir Santos)