terça-feira, 8 de outubro de 2024

Saudade e Rick Wakeman

 Por Ronaldo Faria


Rua escura, soturna, absurda e abstrata em si mesma. Entre uma gota e outra de chuva fina, uma nota e outra de música ínfima, o som do bêbado que chora a morte do olhar mais perpétuo e terno que já se viu. “Até quando essa tristeza dilacerante, esse precipício entre a realidade e a saudade?” Josué, taciturno ser largado à solidão de si mesmo, contava os minutos que se largavam no asfalto e corriam para os ralos e esgotos públicos. Quem sabe logo ali perto um púbis não estaria a se juntar à água que se esvaía fria e passageira... No ônibus que transitava deserto e reto, pneus lançavam jorros de enxurrada tardia. Longilínea, Lavínia se lavava de lânguidos beijos e saliva. No apartamento que estava defronte da cena ela brincava de ser rainha num mundo etéreo e tragicômico. Atônito, Josué vivia noutro mundo. Catatônico, embriagado de tragos e trovas, ia ao centro da sua terra que não tinha fim ou fundo para afundar.
Numa casa próxima, Abelardo tomava seu suco natural de babosa. No fogão a água fervia e condensava para tentar encontrar as nuvens que se preparavam para cair na cidade em orgia. Se desse tempo de subir em vapor, seria a chuva que lavaria o quintal que Abelardo nunca regou. A rosa cálida agradeceria, a grama queimada e esturricada saborearia enfim a vida, a árvore morta e seca esperaria o milagre de renascer. Quem sabe até a pomba que aparecia de vez em quando para comer resto do lixo iria, por fim, aprender a sonorizar... Mas, para Josué e Lavínia, espectadores de tudo sem saber sequer que tal cena se faria, o momento era outro. “O céu fechou geral. O dilúvio que não deu tempo da arca construir vai cair”, pensou Josué. “Ainda bem que estou em casa, senão a chapinha ia pro saco”, deduziu Lavínia. “Que  o mundo se acabe em água porque o fogo é foda”, frisou Abelardo. “Que esse merda não tampe a panela”, sentenciou o vapor gasoso.
Mas, para salvar o emprego do meteorologista Araújo Jorge que não previu a tormenta, tudo não passou de jogo de cena. As nuvens passaram, a lua abriu e o breu virou neon, faróis de carros e telas de celulares a clicarem pratos de comida, beijos e encontros. “Tontos daqueles que acreditam em previsão do tempo”, disse orgulhoso de si Benevides, que não estava ainda na trama mas não tinha conseguido, no passado, ser aprovado no vestibular de Meteorologia. “Que todos tomem no meio dos seus cus!” No centro da eternidade que nunca nenhum de nós saberá se existe, um tal de Deus de mil e uma denominações e crenças ao longo dos séculos ri de tudo, toma outra taça de vinho que estava em promoção nas vinícolas do Éden e manda preparar uma tormenta que atingirá o planeta de norte a sul, leste a oeste. “Estou de saco cheio de tanto profetizar!” No fogão, o vapor d’água consegue uma fresta de janela alcançar e sai a sorrir: “Chuva vou virar!”


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