Por Edmilson Siqueira
"Prepare Seu Coração". Não, não se trata de um artigo sobre a famosa música de Geraldo Vandré e Theo de Barros, mas sim do título de um livro que estou lendo. Seu autor pode não ser conhecido das novas gerações e, mesmo os de gerações as mais velhas, como eu, talvez se lembrem dele como um produtor de televisão, de musicais e festivais de televisão.
Trata-se de Solano Ribeiro, uma figura onipresente nos anos 1960 e 1970 na cena teatral e musical brasileira, desde os primórdios da bossa nova, dos teatros de opinião, dos festivais da Excelsior, da Record, da Tupi e da Globo, além de inúmeros shows que fizeram história na cultura brasileira.
Lançado em 2018 pela Editora Kuarup, o livro tem o subtítulo "Histórias da MPB" e ela realmente faz parte da maioria das histórias que ele conta. Mas, sua pequena autobiografia com a qual inicia os trabalhos, mostra sua participação em tudo que se estava fazendo de novidade nos anos 1960 tanto no teatro, quanto na música.
Solano Ribeiro conheceu os baianos Gil, Caetano, Gal Costa e Bethânia quando todos eles ainda estavam na Bahia; fez teatro com Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri; frequentou o famoso Beco das Garrafas, onde a bossa nova dava seus primeiros passos; trabalhou com Lennie Dale, um gênio da dança e foi namorado, por breve tempo, de Elis Regina, quando ela ainda era a cantora de "Menino das Laranjas", seu primeiro sucesso depois que aderiu à nova MPB.
Ele mesmo escreve, num resumo de sua vida artística no final do livro: "Depois de um início barulhento no pequeno Teatro de Arena e de alguns "especiais" com a Bossa Paulista e um mix entre cariocas e paulistas, no Teatro Cultura Artística, em 1965, lancei o Festival Nacional da Música Popular Brasileira, da TV Excelsior, que revelou Elis Regina, deu origem à sigla MPB e foi embrião do mais importante movimento musical do país. Os Festivais da Record de 1966, 1967 e 1968, com uma Bienal do Samba no meio-dia, serviram de palco para novas tendências, experimentações e ousadias que emocionaram o país que parava para ouvir e ver a MPB passar. A música popular superou o futebol. A final do Festival de 1967 acusou o índice de 97% de audiência."

Boa parte do livro se desenvolve nesse clima de competições musicais a ascensão da Rede Globo e o declínio de outras emissoras também é contado, sempre do ponto de vista musical. Outra parte acontece após os festivais, com a Globo e suas emissoras crescendo, o aparecimento da Som Livre, e a internacionalização da música.
Mas, todas as histórias que o autor conta, com exceção de algumas no início do livro, se passam sob a ditadura militar, que começou em abril de 1964. E muitos artistas eram perseguidos pelo regime, cuja censura se acentuou fortemente a partir de 1968, com o AI-5.
Assim, os festivais ocorriam sob forte tensão. Como exemplo, há um capítulo no livro que trata do III Festival Internacional da Canção, da Globo, que ocorreu justamente no ano de 1968, um pouco antes do AI5 acabar de vez a possibilidade de liberdade artísticas - e outras liberdades também - no Brasil.
Depois de contar como as canções chegaram à finalíssima brasileira que iria concorrer depois com as do exterior, ele escreve:

"A final nacional do III FIC no Maracanãzinho, apresentava mais um confronto estético-ideológico. Vandré, hábil manipulador do senso político e emocional das plateias, classificado em São Paulo, se apresentava no palco imenso daquele ginásio par 30 mil pessoas sozinho com um violão. Contra seu principal rival, Tom Jobim, acompanhado de Chico Buarque, alguns Caymmis, o Quarteto em Cy e grande orquestra, além da preferência da direção da Rede Globo advertida pelos militares de que, caminhando e cantando que soldados morriam pela pátria vivendo sem razão, o Vandré não podia ganhar e a Globo, que sempre fazia a hora, não podia deixar acontecer:
- De jeito nenhum. Segurança Nacional. É uma ordem e pronto.

Não deu outra. Geraldo Vandré arrasou, mas o esperado aconteceu: "Sabiá"na cabeça. Vitória para Tom Jobim e Chico Buarque. Vais, várias vaias. E o Vandré, na posição de vítima em que adorava estar, discursou para a galera inconformada e ruidosa:
- Perdoai-os, pois a vida não se resume a festivais."
Para quem não sabe, depois do festival, com a chegada do AI-5, Caetano e Gil foram presos sem acusação formal e tiveram de sair do país, indo pra Inglaterra. Vandré saiu do país, ajudado, segundo consta, diz o autor do livro, pelo seu grande amigo, o então governador de São Paulo, Abreu Sodré. Chico Buarque, proibido de se apresentar no Brasil, foi para a Itália. Edu Lobo e Carlinhos Lira, para os Estados Unidos.
O livro traz fatos históricos da música na visão da um dos personagens de praticamente tudo que aconteceu naqueles conturbados e criativos anos.
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