Por Ronaldo Faria
-- Manda a saideira aí,
Germano! O dia já vai virar! Que nossas gargantas, enquanto elas puderem beber
e falar, nessa vida que morrerá logo ali ou acolá, possam se esmerar e
satisfazer os poucos prazeres que ainda restam a nós, meros subservientes seres
de nós mesmos.
Germano, garçom e camarada,
que apresentou tempos atrás a amada, responde rápido e ávido dos dez por cento do
pedido de Beraldo. As mesas já quase vazias em volta, revoltas nas emoções que
surgem em turbilhões depois de muitas doses e toques, olhares e desejos, esperam
igualmente a garrafa chegar. “O último gole não tem como se largar”, pensam
todos aqueles que resistiram heroicamente e historicamente. Um dia os escritores
do futuro irão trata-los como resistentes dignos de verbetes e, quem saberá,
falsetes de alguma inteligência artificial.
A sorver mais um líquido
liquefeito de poesia, saudades e santos que descem para escrever no cavalo embriagado
e tragado de suas lembranças e lambanças aquilo que deixaram de falar em vida, o
tempo se esvai e vai nos segundos fecundos que viram passado em si a cada
escrever. A ver, o que tiver de ser. Com Caetano a tornar veloz um Veloso que
brilha entre estrelas, resmas e réstias, versos e versículos, o cara detrás da
tela branca se acha escritor. Na esperança nunca vinda e no imenso mar de dor.
Da Bahia o padrinho prometeu visitar a sede do Olodum.
-- Germano, abre outra saideira!
De número qual? Sei lá! Mas já bateu no recorde normal. Isso é bom porque garante
que a gente, mesmo que de forma mentirosa, volte a crer que o tempo vira
estigma que só a lembrança de cada um faz passado parecer. Eu, por exemplo, me
sinto agora no Gattopardo da Lagoa a beijar a índia do Pará ou a comer feito
louco o Meia Lua do Natural. Deixe, por favor, assim ser.
Germano, cordato e corado no
rosto de tanto receber o sol que o português não impede de chegar por se negar
a colocar um anteparo, logo traz outra garrafa. A madrugada já chegou. Os
pássaros dormem dependurados nas poucas árvores que restam, os amantes se esculacham
notívagos nos colchões que descobrem vaginas e colhões, as estrelas curtem o
pouco tempo que a primavera com cara de verão traz. O importante é saber que
algo irá se transmutar e viajar milhares de quilômetros nas luzes de fibras
óticas e cruzar mares, oceanos, continentes e mentes. Metamorfose feito entorse
mal tratada.
-- Germano, decidi hoje não
saber quantas linhas tinha cada parágrafo ágrafo. Chega de seguir limites!
Deixemos a loucura sobressair! Portanto, não esqueça de mim.
No novo dia do dia novo, como
fosse um ovo a chocar ou frigir, Beraldo lembra da camaleoa que se rapta. E se
adapta. E se se faz amante para uma eternidade que não há. Que pode virar a
mulher a bel prazer que se entrega no prédio esférico do Centro ou dormente na
rede de uma casa onde uma cabeça cadavérica de boi surge no quintal de luar.
Bel, a que será que se destina? Com certeza parte de um escrito pequenino,
longe da tua intacta retina.