domingo, 9 de novembro de 2025
Monica Salmaso, uma das melhores do Brasil
sexta-feira, 7 de novembro de 2025
Saudando a saudade
-- Acho. Mas, também, tanto faz. Onde toca samba toca jazz.
-- Ou seja, nada ficará?
-- Algo irá ficar. O tempo, porém, será ermo. Bem ao termo do sonhar.
quarta-feira, 5 de novembro de 2025
Dedo mindinho miudinho
Por Ronaldo Faria
Ricardo costumava coçar a
cabeça com o dedo mindinho da mão direita sempre que algo lhe parecia errado. Enfastiado
com o enfadonho dia que tivera na repartição pública, que mais pudica não seria
senão, esperava as horas passarem para bater o velho e amarelado cartão no
ponto que ponteia o limite entre a loucura e a sanidade. Aguardara meses por
suas férias, quase efêmeras nas feéricas loucuras que pensara para viver livre.
“Vou-me ver livre de pensamentos e lamentos, ônibus lotados, fadados a foder o
operário do erário.”
Na querência de um amor
verdadeiro, desses que poetas escrevem como sendo fáceis de se encontrar, Ricardo
vagava solitário entre organogramas, tarefas inverossímeis e prazos eternamente
dilatados. “Vá no seu ritmo, Ricardo. Aqui é repartição pública. Sem pressa.
Quem se apresa perde o melhor do funcionalismo estável: poder faturar no fim do
mês o salário sem medo de se foder.” A voz do seu chefe, perto de se aposentar
com todos direitos preservados, batucava na sua cabeça. “Foda-se o populacho.
Afinal, tudo aqui é um escracho. Eu quero é curtir meus dias de férias
merecidos por nunca faltar, chegar no horário adiantado e sair depois do
relógio deixar.”
Ricardo, um asno para seus
companheiros de repartição, nem acreditou quando bateu o ponto que determinava
30 dias de afastamento. “Meu Deus, agora somos só o Senhor e eu!” Fechou a
gaveta com chave, deixou à mostra os processos que não concluíra a tempo (“Quando
eu voltar decerto ainda estarão aqui”) e desceu no elevador com suas portas pantográficas
enferrujadas. “Boa noite, Seu Luiz, até daqui a um mês.” O porteiro agradece o
cumprimento e deseja bom descanso a Ricardo. Ele, feliz a curtir seu momento,
segue rua abaixo a cantarolar um samba do Cartola.
As desejadas férias de
Ricardo, deixo a cada um decidir:
1) Acorda
cedo, pega um Uber e vai até o aeroporto. Lá, pede um pingado e um pão de
queijo. Reclama do preço absurdo e vai até a área de embarque. Despacha a
bagagem e senta no assento, com direito a janela. Horas depois desce no
destino. Vai até a pousada e curte seus merecidos dias em eterna orgia.
2) Acorda
cedo, pega um Uber e vai até o aeroporto. Lá, pede um pingado e um pão de
queijo. Reclama do preço absurdo e vai até a área de embarque. Despacha a
bagagem e senta no assento, com direito a janela. O avião, porém, pago em 12 vezes
sem juros, estava um bagaço e cai 20 minutos após decolar. Todos, passageiros e
tripulação, morrem instantaneamente. Irreconhecíveis, tiveram enterro coletivo.
3) Acorda cedo, pega um Uber e vai até o aeroporto.
Lá, pede um pingado e um pão de queijo. Reclama do preço absurdo e vai até a
área de embarque. Despacha a bagagem e senta no assento, com direito a janela.
O avião, porém, no bagaço, apresenta problema mecânico e faz um pouso forçado a
milhares de quilômetros do destino. Lá, porém, Ricardo conhece Vitória, passageira
também e sonhando com as férias. Com ela faz história, interage e fica, manda o
emprego público à merda e vira empreendedor social. Hoje tem três filhos e
descobriu que a vida é para se viver.
4) Acorda
cedo, pega um Uber e vai até o aeroporto. Lá, pede um pingado e um pão de
queijo. Reclama do preço absurdo e vai até a área de embarque. Despacha a
bagagem e senta no assento, com direito a janela. O avião, no bagaço, levanta
voo e é obrigado a voltar ao destino. O piloto pede perdão aos passageiros e a
companhia aérea promete ressarcir a todos com nova passagem, dentro de 30 dias,
e um chaveirinho. Desolado, Ricardo passa as férias em casa, sem (como diria o
poeta) mandinga de amor. Na volta ao trabalho é suspenso por ter dado um soco
no rosto do porteiro que lhe desejou bom retorno.
5) Acorda
cedo, pega um Uber e vai até o aeroporto. Lá, pede um pingado e um pão de
queijo. Reclama do preço absurdo e vai até a área de embarque. Despacha a
bagagem e senta no assento, com direito a janela. Só então acorda, suado, do
sonho no meio do expediente no dia quente (o ar-condicionado da repartição
estava quebrado e não havia dinheiro para consertar). Por falta de funcionários
concursados, suas férias foram suspensas, a bem do serviço público. Na mesa a
pilha de processos se acumula. “Que se foda!” – brada colérico antes de mais um
café tradicional.
(Ao som do delírio)
terça-feira, 4 de novembro de 2025
Frank Sinatra Show: um registro histórico*
Os melhores momentos dessa série foram reunidos num DVD que leva o nome de Frank Sinatra Show, deixando de lado o nome original do programa, que era TV Variety Show Specials. O DVD que tenho é uma coletânea desse programa, reunindo, além de Frank, Dean Martin, Bing Crosby e Mitzi Gaynor.
Trata-se, sem dúvida, de uma uma valiosa cápsula do tempo, resgatando, em preto e branco, as performances da turma em suas incursões televisivas das décadas há mais de 60 anos.
Além do precioso registro musical e artístico - há cenas de danças e pequenos performances teatrais, a compilação oferece um vislumbre da chamada era de ouro da televisão americana, na qual o cantor exercia seu magnetismo e versatilidade em programas de variedades ao lado de outras lendas do entretenimento.
A tecnologia mais atual (o DVD é de 2009) permitiu que a qualidade do som e das imagens originais fossem revitalizadas, permitindo que novas gerações apreciem o talento e o carisma de Sinatra em um formato mais acessível.
Frank Sinatra conduz os números com a categoria de sempre - ele que também foi um grande ator - mas alguns números, na coletânea, são apenas de Dean Martin e Bing Crosby, às vezes com a participação também de Mitzi Gaynor. E esses números também primam pela qualidade dos artistas, todos já bem escolados no showbusiness para os quais a nova modalidade não apresentava qualquer problema.
Esses momentos são uma verdadeira aula em entretenimento, com os artistas demonstrando uma camaradagem e sincronia que refletem a atmosfera dos programas de variedades da época. A informalidade e o talento genuíno criam uma experiência envolvente que pode ser assistida hoje tranquilamente, sem qualquer marca negativa do tempo.
Para os fãs de jazz e pop, a compilação oferece um olhar sobre a versatilidade de Sinatra, músicas já consagradas e algumas que iriam ainda se consagrar.
Assim, The Frank Sinatra Show é um testemunho da longevidade do talento de Frank Sinatra. Ele prova que a qualidade de uma performance artística pode transcender a passagem do tempo e os formatos de mídia. Ao reunir esses momentos cruciais da história da televisão, o DVD oferece aos admiradores de longa data uma chance de reviver a magia de "The Voice" e apresenta a novos públicos a essência do que fez dele uma lenda.
Os números, com os devidos artistas, são os seguintes:
- "High Hopes" (S. Cahn e J. Van Heusen) com Frank Sinatra, Bing Crosby, Dean Martin e Mitzi Gaynor
- "Day In Day Out" (R. Bloom e J. Mercer) com Frank Sinatra
- "Together" (L. Brown, B, de Silva e R. Henderson) com Fank Sinatra, Dean Martin e Bing Brosby
- "A Hurricane" (sem autor no DVD) com Mitzi Gaynor
- "Talk to Me" (Kahan e Snider) com Feank Sinatra e Mitzi Gaynor
- "Cheek to Cheek" (Irving Berlin) com Bing Crosby, Dean Martin e Mitzi Gaynor
- "Wrap Your Troubles in Dream" (Saphiro e Bernstein) com Dean Martin
- Meddley 1: com Franlk Sinatra, Dean Martin e Bing Crosby:
- "The Good Old Songs" (Domínio público), "Down The Old Mill Stream" (Domínio público), "The Old Grey Mare" (Domínio público), "That Old Feeling" (Brown e Fain), "Down The Old Ox Road" (Coslow e Johnston), Ol' Rock Chair" (Carmichael), "That Old Devil Moon" (Hubling e Lane), "My Old Flame" (Coslow e Johnston), "Old Man River" (Hammerstein e Kern).
- "High Hopes (S. Cahn e J. Van Heusen) com Frank Sinatra
- "Just One Of Those Things" (Cole Porter) com Frank Sinatra
- "Angel Eyes" (Brent e Dennis), com Frank Sinatra
- "The Lady Is A Tramp" (Hart e Rodgers) com Frank Sinatra
Meddley 2: com Frank Sinatra, Dean Martin e Bing Crosby:
"Start Each Day With A Song" (J. Durante), "Inka Dinka Doo" (J. Durante), "Bill Bailey, Won't You Please Come Home" (J. Durante e J. Barnett).
O DVD pode ser encontrado à venda nos bons sites do ramo. No YouTube há alguns shows completos de Frank Sinatra na televisão e alguns números esparsos deste comentado aqui.
segunda-feira, 3 de novembro de 2025
No luar sem fogo
Por Ronaldo Faria
sábado, 1 de novembro de 2025
No cardápio que pode incluir batráquio (a ouvir e descobrir Luca Argel)
Por Ronaldo Faria
A pergunta era fácil e difícil de responder.
-- O que você quiser comer. Pra mim, tanto faz.
Caio e Carol eram assim: mil opções a escolher sempre seguidas de um tanto faz. Um casal simples e ao mesmo tempo nunca loquaz. Cruzaram-se pela primeira vez na madrugada que a lua tragava sem dó. Na praça, onde tocaram as mãos que juntariam anos depois num altar, havia um ou dois bêbados (um deles a vomitar entre as rosas do pomar), luminárias de postes queimadas e a ronda da guarda noturna que, soturna, protegia os poucos que chegavam ou iam para a orgia. Casados há pouco, cansados de suas solidões, castrados de poder seguir seu mundo próprio desde então, iam a correr esquinas e sinas inapropriadas. Agora, até para decidir que cardápio pedir no IFood da vida era uma partilha de desejos e papo profundo.
-- Você sabe que um é mais apimentado e o outro mais quase vegano?
-- Sei.
-- Mesmo assim tanto faz?
-- Sim.
-- Então tá. Vamos de pizza meia calabresa e meia milho verde só parar variar.
O solilóquio estava decidido. O descuido ou o relaxo estavam enfim cravados.
-- Deu R$ 78,80. Débito ou crédito?
-- Tanto faz...
Casal que se casou quando a moda era separar, com o advento dos aplicativos de encontro mesmo para uma noite de amor, eram a mistura perfeita de água e óleo. Ou seja, não se misturavam. Às vezes, quando havia eclipse total do sol e da lua, redescobriam que a cama não é só para se babar o lençol. E brincavam de cabaninha, índios antropófagos a comerem o bispo Sardinha, misantropos que haviam abdicado dos brocados de se esconder do mundo. Nesses dias (raros dias no calendário provinciano), os vizinhos estranhavam. Não raro, chamavam a polícia para ver o que acontecia. “Eu juro, teve gemido pra lá de alto, seu delegado”, falava a Dona Jacira, viúva que há muito esquecera os verbos foder ou transar (amar para os mais pudicos).
Na verdade, Caio e Carol eram a síntese da antítese dos tempos atuais. Sangue não tinha no relacionamento. Se muito nos ciclos menstruais da Carol. Para Caio, talvez quando deixava cair no chão um gole de vinho chileno e enchia o chinelo de líquido louco. A semana, traquitana, passava no calendário dentro do armário fechado a sete ou oito chaves (pra garantir que não exigiria muito contato de olhos estrábicos). No fim, no repertório sem fim do samba enredo da vida, os dois saíam de passistas, compositores e autores da trilha que percorre o sambódromo da nascença ao derrear da sina.
-- Mar ou interior?
-- Quer saber, tanto faz ou os dois...
Para quem não esperava tal concluir, venderam o apertamento na Zona Norte, rasparam as poupanças parcas e se largaram nas danças em andanças tresloucadas e tantas, nunca poucas. Ao espocar do novo ano viram as Muralhas da China, nadaram e quase se afogaram nas praias da Tailândia, comeram barbatanas de tubarão em restaurante típico de Tóquio achando que era sopa de mexilhão. Mas quem, diante daquele cardápio ao contrário, acertaria a pedida. Por fim, deliciaram-se de comida de rua na Índia.
-- Engov ou Imosec?
-- Os dois. Ou melhor, tanto faz...
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Dia azul e nada de brancura da nuvem
Por Ronaldo Faria
terça-feira, 28 de outubro de 2025
Tarde com Arthur Verocai
Por Ronaldo Faria
“De algum modo o texto tinha que começar”, pensou Edgar. Afinal, a ideia inicial não surgia. Que venha ao menos uma palavra. Veio blasfêmia. E olha que lá estavam todos os ingredientes para delirar: vinho, música, solidão, tela branca e desejo de escrever. “Mas blasfêmia é o melhor modo de se começar um texto? Será que não há outro pretexto? Outro destrinchar de palavras, emoções e insolventes soluções?” Não tinha. Não teve. E se a coisa já tinha começado a rolar, que assim fosse o alarde daqui para frente.
A palavra inicial fora dita por Ana Rita ao ser indagada do atraso na chegada. Que mal havia em ser no ato quatro da madrugada? “Não posso ter ficado no ponto de ônibus a esperar o Circular?” Até podia, mas mesmo com o sistema complicado pela queima de veículos pelo tráfico, era meio difícil acreditar que entre as 18 horas e quatro da manhã não tenha passado nenhum ônibus. Ou um Uber sequer. “Pois é, Edgar, o Rio está uma bosta pra se morar! Vou dormir! Passar bem.”
-- Blasfêmia!
Bem que ele tinha pensado diversas vezes em se mudar para o Interior. Alguma cidade pequena, dessas em que todo mundo se conhece, fala mal uns dos outros, sabe-se de cada detalhe da vida alheia, se acorda com os galos e se dorme com as galinhas. Volta e meia, num ou noutro dia, a missa dominical, o almoço em família, quem sabe o enterro do velho que há muito vivia com um câncer que já tinha ganho até apelido – Amigão. “Certamente lá não tem guerra civil por domínio de território. Talvez, decerto, a família tradicional do lugar há muito já tenha matado os outros que pudessem lhes tomar o poder. Tudo findo com um famoso vão se foder.” Para Edgar, o importante era voltar a conquistar Ana Rita. E podia ser na Mongólia, Transilvânia ou Cochinchina. Até São Pedro do Mato Dentro, seja onde no mapa do planeta ela possa geograficamente estar, servia.
Na rua, que acordara com um tiroteio de balas traçantes, a radiopatrulha passa em velocidade com a sirene ligada. O batalhão sequer tinha dormido no baile de corpos alvejados, dilacerados ou caídos. Uns poucos heróis e heroínas que não podem sequer dizer ao patrão ou patroa que no bairro o bicho está pegando, sob a pena de não ter mais emprego, rezam aos santos para que nenhuma bala perdida consiga achá-los. O português da padaria, que baixa a porta para evitar saque, xinga o dia que pegou a barca para atravessar o Atlântico. “O puto do Cabral podia ter descoberto o Canadá. Agora eu estaria em Montreal, ô pá!” Mas, para Edgar, o importante é toda essa balburdia não acordar Ana Rita. Certamente, para o resto das horas que vem, um sono da amada é a melhor receita e solução.
-- Blasfêmia!
Aos poucos as horas sem ponteiros no relógio digital revoam no ar atemporal. E pombas voam e defecam, roupas nos varais empoeirados secam, repórteres de noticiários sanguinolentos tentam entrevistar quem resiste em morar na Faixa de Gaza nacional onde nem gaze dá conta de tantos feridos. Edgar agora vai na cozinha fazer o café para Ana Rita. Ela levanta recuperada e lívida, com seu corpo desnudo a rebrilhar na luz que entra pela janela do segundo andar. “Desculpa por antes. Eu estava estressada. Sabe lá o que é ficar horas num ponto de ônibus cheio de gente desesperada pra voltar?” Edgar sabia. “Seu café está pronto. Fiz do jeito que você gosta: forte.” Às onze da manhã o dia parece ter recuperado um pouco da sua etérea paz. Afinal, mesmo traficante, miliciano e PM têm que descansar. O bairro redescobre que pode sonhar e quem sabe até mudar de lugar. Virar Zona Sul e lumiar. Blasfêmia? Talvez. Ou essa também já não há. Edgar e Ana Rita enfim juntam as bocas, deitam na cama refeita de casal e descobrem que a vida é um mero segundo irreal. Entre pernas, afagos e louças na pia, são um final contundente e real a blasfemar.
domingo, 26 de outubro de 2025
Duke Ellington & John Coltrane: lirismo, sofisticação e puro jazz *
Colocar esses dois gigantes num estúdio não deve ter sido tarefa difícil. Ambos, em 1963, já eram ícones do jazz. Duque, símbolo da elegância orquestral e da tradição jazzística. Coltrane, o explorador inquieto e já referência da força transformadora do jazz. O resultado só podia ser uma obra que, mesmo mais de seis décadas depois, continua atual para os amantes do gênero.
O lançamento se deu em 1963, mas o disco foi gravado um ano antes, em Nova York. E, claro, para fazer a "cozinha" desses dois gênios, foi escalado um time mais que de respeito: o contrabaixista Jimmy Garrison e o baterista Elvin Jones, do quarteto de Coltrane, e o contrabaixista Aaron Bell e o baterista Sam Woodyard, da orquestra de Ellington. Sim, são dois baixistas e dois bateristas e eles se alternam nas faixas o que indica uma proposta do álbum: um verdadeiro encontro de linguagens. Ellington, com sua escola de swing refinado, de toques firmes ao piano e sensibilidade para compor. Coltrane, com sua sonoridade densa, espiritual e ascendente.
A faixa de abertura, "In a Sentimental Mood" (I. Mills, D. Ellington e M. Kurtz), é uma das mais famosas da carreira de ambos. Sua introdução é figurinha carimbada em centenas de programas de jazz pelo mundo. A canção, composta em 1935, ganha nova vida com o sax tenor de Coltrane. O piano dialoga com delicadeza, sustentando acordes que parecem respirar junto com o sopro de Coltrane. E, curioso, Ellington, que poderia soar meio antiquado frente à vanguarda do saxofonista, mostra-se absolutamente moderno.
"Big Nick" (John Coltrane), a terceira faixa, diminui o frenesi da anterior com uma leveza surpreendente. Soa até meio infantil, pois trata-se de um tema simples que Ellington acolhe com humor e elegância. Aqui, o universo de ambos se entrelaça proporcionando um equilíbrio entre complexidade e simplicidade e provando o acerto do encontro.
A quarta faixa, Steve (Duke Ellington) traz o maestro impondo seu piano suave e decidido, com notas econômicas, mas criando um universo em que Coltrane penetra com tranquilidade, aumentando o sentimento de plenitude que o conjunto sonoro nos oferece.
"My Little Brown Book" (Billy Strayhorn) é uma balada de beleza serena, em que Coltrane exibe seu fraseado mais introspectivo, repleto de nuances. O piano de Ellington, com acordes espaçados, cria uma atmosfera de melancolia refinada. É um diálogo entre dois poetas do jazz, trazendo emoção em seus movimentos sonoros.
Em "Angelica" (Dduke Ellington) retoma-se a veia rítmica característica do autor. O tema, originalmente intitulado "Purple Gazelle", exibe uma vitalidade dançante, conduzida por Aaron Bell no baixo e Sam Woodyard na bateria. Coltrane, por sua vez, não rompe com a estrutura, mas lhe dá uma espécie de luz.
A última faixa do disco é "The Feeling of Jazz" (Duke Ellington, Boby Troup e George Simon) nos traz a alegria de tocar, o prazer da improvisação e o respeito mútuo, ou seja, tudo que o jazz exprime entre os músicos e que o deixa tão agradável aos ouvidos. É também a perfeita sincronia entre gerações que a música em geral e o jazz em particular costumam proporcionar.
Como eu disse, sessenta e dois anos depois, o disco Duke Ellington & John Coltrane permanece um dos encontros mais nobres da história da música. Um diálogo entre o velho e o novo unidos pela qualidade e respeito à música.
O disco pode ser encontrado nos bons sites do ramo (no Mercado Livre há vários com preços bem variados) e pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=sCQfTNOC5aE&list=PLTIb4fKCEAeuaUYxKkDz7K7OvElI2s_Se .
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Saudades saudosas e perdidas
quarta-feira, 22 de outubro de 2025
João e Maria
Por Ronaldo Faria
terça-feira, 21 de outubro de 2025
Adoniran, nosso poeta
Por Edmilson Siqueira
Evidentemente Noel é uma espécie de tesouro nacional do samba, mas Adoniran, tenho certeza, não fica devendo muito ao genial artista carioca. E vou parar por aqui essas tímidas comparações, acho os dois são geniais e vou partir para o que interessa: o disco "Adoniran, O Poeta do Bexiga", lançado em 1990 pela Som Livre, em meio às comemorações dos 80 anos que Adoniram faria neste ano, ele que nos deixou em 1982, aos 72 anos.
O nome do bairro, que fica na região da Bela Vista em São Paulo, tem sido grafado como "Bixiga". Porém, na capa do disco está "Bexiga", que é a grafia original da palavra.
A produção foi caprichada, afinal a Som Livre ainda detinha grandes poderes no meio fonográfico e podia trazer nomes famosos e bons para uma justa homenagem. Assim, CBS, BMG-Ariola, WEA, EMI-Odeon e RGE cederam artistas para o projeto. Lançado primeiramente como LP depois em CD, o disco deu liberdade para que os intérpretes colocassem sua marca em cada música. Das dez músicas, apenas em três delas Adoniran tem parceiros, que serão devidamente assinalados.
A primeira faixa é quase clássica. Um programa da TV Bandeirantes juntou ninguém menos que Elis Regina e Adoniram passeando pelo Bexiga. Entre as interpretações dos dois, essa foi realizada num boteco: trata-se de "Tiro ao Álvaro", uma parceira de Adoniran com Oswaldo Moisés. Impecável, com a dose certa de humor e lirismo que os versos do poeta tanto exalavam.
Logo a seguir, a interpretação mais que pessoal - e excelente, como era de se esperar - de João Bosco para "Saudosa Maloca". João inicia a música com versos de "Sampa" (Caetano Veloso), aquelas duas frases sobre a grana que São Paulo ergue e destrói coisas belas, referência mais que exata sobre a "maloca" dos amigos derrubada pelo "progresso".
A terceira faixa, "Samba do Arnesto" parece, em seu início, que será mais uma interpretação dos grandes "Demônios da Garoa". Só que, após a introdução, quem aparece cantando o famoso samba é ninguém menos que Rita Lee. E ela não deixa por menos, cantando muito bem e brincando com a parte falada da música.
segunda-feira, 20 de outubro de 2025
Com João Gilberto e Stan Getz
Por Ronaldo Faria
-- Sabe, hoje descobri meio abobalhado e a falar sozinho na rua que, se estamos vivos, foda-se o resto. No final, lá no finalzinho mesmo, quando um caixão apertado será a última morada e a derradeira namorada, o que sobrar vai soçobrar queira você ou não. Logo, que possamos viver e ver a beleza que cada renascer nos dá.
Uma pomba desavisada e desqualificada de teorias existenciais, resolve por fim aos devaneios de verão e se alivia desanuviada na cabeça do sonhador.
-- Puta que pariu, com tanto lugar pra cagar foi logo me escolher?
Dedução e revolta inoperantes diante do voo do pássaro que resolve agora repor o espaço no estômago vazio.
Mas no asfalto que segue paralelo ao mar ninguém quer saber de pombas, devaneios ou histórias que se perderão no próximo luar. O lugar é de apenas crer que ainda vale, por hora, cada respirar. Mães pungentes passeiam com seus bebês de colo, colírios se espalham nos olhos vermelhos de sono e ressaca dos boêmios, coliformes disputam com os peixes as redes dos pescadores da colônia do Posto 6. A babá, vestida no seu branco indefectível à espera da golfada do rebento da patroa, flerta com o vendedor de picolé. O novo prédio que sobe onde antes era uma residência mostra que a excrecência da vida está nas contas bancárias que separam os operários esquálidos dos futuros moradores refratários da beira-mar. Numa rua próxima a igreja gótica diz que é o momento propício do pecador se confessar. No estrupício sem senso ou lógica, o cliente num inglês abrasileirado pede outra dose de vodca, com gelo e limão. Afinal, de verdinha em verdinha se conquista a sofreguidão.
-- Ô Valdemar, manda outra caipirinha sem pinga pro gringo da mesa quatro que logo vai estar de quatro!
Descido da Ladeira dos Tabajaras, o menino empina a sua pipa em gestos de maestria sensorial. E o Rio, no seu balanço natural, segue à espera da vida.
sábado, 18 de outubro de 2025
Na bazófia, seja isso o que tiver de ser
Por Ronaldo Faria
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Papo etílico e líquido
Na viagem
Por Ronaldo Faria Viajante de suas loucuras diuturnas, quase equidistante entre a vida e a morte, Januário persegue qualquer polis que vire ...
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