Por Ronaldo Faria
Ah, meu Nordeste... por quê estás tão longe milimetricamente se existe
em mim na carne que ainda bate simultaneamente? Onde estão teus cheiros,
esmeros, fontes de água límpida e risos destravados de dor, como imagina o
filho desterrado de cá?
Embriagado de desejar ser e
estar, a vagar, Juvêncio corre entre árvores mortas, capim seco, cabeças de
gado já descarnadas por carcarás, pequenas covas que guardam corpos de gente
que nem vingou. Seu cavalo percorre picadas, foge de espinhos que sangram o
mais forte dos vaqueiros, vira sem eira e nem beira à vontade das mãos que o
chicoteia. Para ambos, uma estrada à vista, onde a vista anseia caminhos nunca
trotados, tratos nunca criados, vontades nunca feitas. Em cenas refeitas e
desfeitas, a fresta de uma porta esconde a mulher posta em trejeitos nus e
beijos perdidos e urdidos, ardidos, feito a ferida que vislumbra, translúcida,
a certeza de nunca sarar.
Mas Juvêncio não para. Segue
em frente sempre, fronte molhada de suor e rasgada de rugas profundas que lhe
correm a face. Sabe que em algum momento, nem que seja em lamento, seu destino
chegará. “Ave Maria de lá”. No alpendre da fazenda deixada para trás, o pai
dorme na rede dependurada de acordo com o lastro de sol. No poço logo perto, de
água salobra e quente, os animais matam a sua sede de querer na Terra ainda
ficar. O vento traz uma brisa tênue e fugaz. Em algum lugar deve haver o nunca
mais. Resta somente saber se será aqui e agora ou para depois de algo que se
esvai. Na crina molhada do cavalo descem gotas que abrandam a chegança mansa.
Feito ser imperfeito, Juvêncio
trilha um universo onde há de tudo, menos verso. Talvez sílabas soltas, rotas,
feito louças que se quebram em translúcidos cacos que cortam o quase anoitecer.
O sol lhe queima os olhos, a poeira traz uma névoa dispersa que parece ter
pressa de dispersar. Seu cavalo, único amigo de agora, corre enlouquecido nas
derradeiras forças que restam. Mais um pouco, cairá decerto. Feito decreto
divino de algum feitor, roubará os últimos minutos, nas notas de uma canção
dedilhada em anginas mortais, desfará as certezas que nem o maior ébrio do
lugar poderia crer. Cansado, depauperado, Juvêncio para seu animal e, descrente,
nada mais anseia.
Lembra o passado, sua filha a
buscar os raios da manhã, num olhar distante de quem sabe a morte infame e sórdida
logo chegará. Seu mundo desgarrado, destratado e desamparado, partido entre
meios, entremeio atado, parece um poema que nem em prece perceberá ser sagrado.
Untado de pó marrom e segregado, Juvêncio já não cavalga. Apenas senta,
encarquilhado, e vê as primeiras estelas chegarem. Achega-se a si mesmo e, a
esmo, dilacera o que, além da serra, pode se ser vida ou vastidão. E apenas
fecha os olhos, chora seu mundo final e descobre, afinal, que tanto trilhar termina
sempre, invariavelmente, num escuro, infértil, inexistente e inócuo lugar.