sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Rapidinha

 Por Ronaldo Faria


Catorze é melhor do que doze. Uma dose é melhor do que overdose. Escrever, porém, não é melhor do que amar. Afinal, o ato secundário da prosa de corpos gera um centilhão de escritos posteriores. Enfim, de nós mesmos somos alunos e professores... A carência é a proficiência da dor.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Surgiu em Fagner...

 Por Ronaldo Faria


-- Nos escombros hediondos que os tontos catam nas lixeiras do mundo, a hecatombe da fome de viver!
-- Caralho, Jerônimo, que baita frase fodida!
-- Você achou? Saiu assim, de repente, sem dó. Dessas frases que emergem e surgem sem a gente saber e sequer possam existir.
-- Mas saiu bem. A velhice traz e traduz um monte de coisas que antes seriam só um credo e a inexistente cruz.
-- Acho que vou parar. Está difícil sair algo agora pra fora...
-- Sério? Acho que os seus neurônios estão vivendo em homônimos pensamentos que vez ou outra se vestem de roupa de poesia e voltam depois, no dia seguinte, em azia.
-- Concordo. Nem lembro mais do nome da única musa que guardo na edição da Playboy.
-- Aí fodeu geral. Será que ela ainda mora no Brasil ou correu pra Lisboa?
-- Sei lá. Nem mel consumo mais. As abelhas hoje morrem em nome do agro, que é pop.
-- Que bosta! A Terra está a descobrir seu fim entregue a uns seres que esqueceram ser ela o único lar.
-- Verdade. É muita maldade descobrir que milhões de anos sucumbirão à meia dúzia de seres que têm trilhões de moedas e deixaram tudo desmilinguir e faltar.
-- Vamos beber, pois. Se o próximo dia vai ser bosta, que o rebosteio seja total. De meia boca basta a boca que nem meia presença de beijo e lábio se faz.
-- É verdade. Como dizia o poeta, o cabra pode ser valente, mas na lembrança de um beijo chorar.
-- Choremos, pois. À luz dos pedintes de amor e paixão, nos façamos inócuos tatus que descobrem que na cidade grande em concreto existe um buraco no metrô.
-- Nas asas das brancas pombas que voam no sertão, o derradeiro coração que bate saudoso de antemão. E que possamos um dia voltar à ilusão que permeia poesia e mansidão.
 
Tudo que surge urge ser verdade. Que possamos descobrir a mentira que na soberba benfazeja crê ser eternidade...

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Tony Bennett e Lady Gaga, um show

Por Edmilson Siqueira


Os quarenta anos que separavam Tony Bennett de Lady Gaga (ele é de 1926 e ela de 1986) não impediram que os dois se tornassem amigos e não só gravassem um disco maravilhoso em 2014, como esse disco se transformasse num show de televisão e, depois, num DVD. O show fez sucesso e tanto o CD quanto o DVD venderam muito.
Ambos, e não é pra menos, têm origem italiana. Ele nasceu Anthony Dominick Benedetto e ela Stefani Joanne Angelina Germanotta. Talvez a amizade, nesse caso, tenha ficado mais fácil. Mas como ambos são ótimos artistas - ele, um dos maiores cantores de todos os tempos dos EUA e ela, por sua versatilidade em gêneros musicais, perfomances chamativas, moda e estética extravagante, se tornou uma das maiores artistas musicais da atualidade.
O resultado não podia ser outro neste CD intitulado "Cheek to Cheek", nome também de um dos standards do jazz norte-americano. O concerto especial que virou DVD foi gravado ao vivo, mas o CD é de estúdio mesmo, com elaborada produção, uma grande orquestra e um quarteto fixo (Tony Bennett Quartet) formado por Mike Renzi ao piano, Gray Sargent na guitarra, Marshall Wood no baixo e Harold Jones na bateria.
Com o CD em mãos (comprei na "loja" do meu amigo Osny em perfeito estado e com direito a um cafezinho com bolo quando fui buscar - Osny e Marlene, já contei aqui, tinham a Hully Gully Discos. Fecharam a loja om a pandemia, mas continuam vendendo muito pelo Mercado Livre diretamente da casa deles no Jardim Chapadão, em Campinas), logo que voltei já coloquei no cdplayer pra ouvir. Algum coisa já tinha ouvido nas rádios que sintonizo, conforme escrevi recentemente, mas o disco todo é muito bom.



Na última apresentação que Tony Bennett fez em sua vida, já com o alzheimer avançado - mas ele não esquecia uma vírgula sequer das músicas - Lady Gaga entrou no palco para cantar com ele. Tony a viu entrando e disse: "Lady Gaga!". O que poderia ser um simples anúncio, causou grandes emoções na cantora, pois Tony já não se lembrava de quase nada, mas não titubeou quando viu a grande amiga entrando no palco. A cena está gravada e pode ser vista nos youtubes da vida e é realmente emocionante.
Acho que Tony jamais gravou música brasileira, mas confessou a Cesar Camargo Mariano que amava nossa música. Foi em Los Angeles, num estúdio do cantor, dirigido pelo filho dele, que aconteceu o encontro. Cesar Camargo estava gravando um disco com um violonista e Tony chegou e ficou ouvindo. Quando a gravação terminou, Tony foi falar com os músicos e, além de revelar sua paixão pela música brasileira, disse que um dos discos que mais ouvia era um brasileiro. Quiseram saber qual, mas ele disse que os dois eram muito novos para conhecer. Insistiram e ele disse: "É Elis e Tom". Sempre que estou em casa eu ouço esse disco". O violonista disse a Tony que o pianista ali presente foi um o arranjador e um dos produtores do disco, além de tocar em todas as faixas. E que a Elis era mulher dele. Cesar Camargo não conta o resto da história em seu livro de memórias  "Solo", mas Tony deve ter ficado boquiaberto.
O disco fez incrível carreira. O Google informa que Cheek To Cheek estreou no número um na Billboard 200 com 131.000 cópias vendidas em sua primeira semana de acordo com a Nielsen SoundScan, ganhando Gaga seu terceiro álbum consecutivo número um e o segundo para Bennett. Ele também liderou os álbuns de jazz e Bennett bateu seu próprio recorde - alcançado anteriormente em 2011 com o Duets II - como o mais antigo artista a ganhar um álbum número um nos EUA. A estreia também fez de Gaga a primeira artista feminina na década de 2010 a ter três álbuns número um. Junto com a Billboard 200 e álbuns de jazz, Cheek to Cheek também entrou no número quatro na tabela Top Digital Albums. Até fevereiro de 2018, ele vendeu mais de 760.000 cópias no país, tornando-se o sétimo álbum de Bennett desde que a Nielsen começou a rastrear dados em 1991, e o quinto de Gaga.
 
As músicas do CD são as seguintes:
-  "Anything Goes" (Cole Porter)
- "Cheek to Cheek" (Irving Berlin)
- "Don't Wait Too Long" (Sunny Skylar)
 "I Can't Give You Anything But Love" (Dorothy FieldsJimmy McHugh)
- "Nature Boy" (Eden Ahbez)
- "Goody Goody" (Matt Malneke e John Mercer)
- "Ev'ry Time We Say Goodbye" (Cole Porter)
- "Firefly" (Cy Coleman e Carolyn Leigh)
- "I Won't Dance" (Fields - McHugh - Oscar Hammerstein II - Otto Harbach e Jerome Kern)
- "They All Laughed" (George e Ira Gershwin)
"Lush Life" (Billy Strayhorn)
"Sophisticated Lady" (Duke Ellington - Irving Mills e Mitchell Parish)          
- "Let's Face the Music and Dance" (Irving Berlin
- "But Beautiful" (Johnny Burke e Jimmy Van Heusen)
- "It Don't Mean a Thing (Ellington Mills)
- "On a Clear Day (Burton Lane e Alan Jay Lerner)
- "Bewitched, Bothered And Bewildered" ( Richard Rogers e Lorenz Hart)
- "The Lady Is a Tramp" - Richard Rogers e Lorenz Hart)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Saudades promíscuas em tesão

 Por Ronaldo Faria


Saudade, essa palavra mais maldade do que mera insanidade do que traz em si. E se estranha nas entranhas seculares daquilo que gostaríamos ela o fosse, mas é apenas o que foi, intransigente e quente, carente e gemente, em única e uníssona devassidão.
Na saudade que hoje transborda sem borda infinita, nas águas a terminarem no jorro da mansidão, a inerente e ausente sensação. Não há muito a fazer. No desfalecer promíscuo que não nos é dado, uma mistura de Belchior, Fagner e fado. A foda, só no lembrar.
O acordar na noite, na verdade da madrugada infausta e fátua, dobrar centímetros íntimos e carnais, penetrar acalantos e carentes engenhos que dão melaço e loucura. Lamber lábios e pernas, poemas e versos, penetrações e ilusões que permeiam carentes canções.
Saudade, essa despretensiosa e única palavra do vocabulário errante que o ser arfante refaz em cada efeméride ciosa, é um palavreado verborrágico e atávico de quem pensou ser feliz. Hoje, nas entranhas estranhas de uma Tordesilhas infinda, o fim em ilhas malditas.
Na saudade que vem de cheiros, esmeros mil, o feitiço borbulha em bolhas amarelas. Um pouco de álcool, porque sem tal alquimia não se faz a magia. E assim e, portanto, no tanto a pode ser, o desejo que a saudade insurja limpinha na suja e clarividente manhã.
Na manha promíscua que a saudade nos dá, possamos enlouquecer e nas luzes de mercúrio nos darmos em dar. Certamente, na nossa mente que não para de relembrar, a certa incerteza daquilo que foi para sempre nos invadirá. À vida, clarividente restar...

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Amanhã será um bode na sala

 Por Ronaldo Faria

 


Repetir o erro por repetir. Mas, não fosse tal erro, de que valeria viver?
 
Felisberto, esperto e presto a entender os ditames da vida, feito fosse mero robô na roubada entre recarregar as baterias ou murchar de vez, espera que o sono insone seja um trombone a soar nos ouvidos. E o acorde a querer correr entre um tropel de cavalgaduras humanas ou seguir alijado às lajes e cordas da rua, submerso nos seus mares deflagrados e amargos. Afagos, só das mãos em gozo subliminar e infiel à solidão.
Felisberto, ser imberbe e ignóbil corpo a latejar e rastejar na terra viva, vai a dedilhar teclas onde asseclas do bem-viver pregoam a imensidão. Na canção que percorre beijos ternos, a fuga dos eternos caminhos que o descaminho há muito traçou. Na caça que pede que a pele pare de morrer, esturricar, desaparecer, o grito de espera a acreditar que a morte trará, por fim, a entrega que a trégua da certa loucura não deixa tragar.
Felisberto, na concretude frágil que os tijolos do pensar dão, vai minuto a minuto a descer e subir na ladeira que o tempo faz. E se desfaz inócuo e loquaz. Ele sabe que a vida já lhe fez incrédulo e cego para dias em versos e reversos. O marasmo continuará a lhe deitar ao lado de um corpo inerte e que nada transpira ou inspira. Seu universo hoje se restringe ao timbre da saudade que sequer fluía uma sílaba além da verve efeméride canina.
Felisberto, peito aberto e incerto, rasgado de prolixa e finda arritmia, é apenas pena arrancada de um pássaro recém-nascido que deve ter morrido no canteiro a ser exterminado. Ao menos, pensa agora, o olho começa a piscar de nervoso. “Deve ser o mínimo de humanidade que há meses vivi.” No passado grandiloquente, repetido talvez, meses de poucos dias que tracejam a certeza de que há felicidade, seja rápida e efêmera no corpo da fêmea.
Felisberto, desperto em si e esperto ao tempo que se esvai no vaivém fugaz, pede apenas que a cena do teatro não termine com plateia vazia. Todo artista espera ao menos um aplauso ao acaso cansado da vida. Na perfídia efêmera da partida certa o que resta é festança que as noites sertanejas de fogueira e cheiro de lampião no querosene que foge para o ar a brincar de cor cinza. No jogral da sina, alguém goza a trepar enlouquecida por cima.
Felisberto, analfabeto e carente de afeto, como feto a comer as sobras da mãe famélica, apenas sabe que o hoje é o anteparo que o amanhã trará em remissão e visão de sempre a rotina cretina retomar. No mar, o ar que a maré e a maresia trazem na tradução espontânea e terna que a pele, na sua mais cutânea essência, não sabe traduzir. No vapor que a dor faz em eflúvio, a fugidia maestria de mentir a si mesmo que a estrela brilha no além.
 
Queria hoje estar a comer um meia-lua e mudar o destino ao desatino qualquer...
 
(No som do Zeca Baleiro)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Qualquer dia a gente se vê

 Por Ronaldo Faria

 

Odor de sete ervas a sair de um incenso para tentar aplacar a dor. 
A sobressair o gosto de sol ou de sal.

 Elza Soares solta a voz num teatro municipal. Ao assombro do poema marsupial, que tem medo de sair da bolsa da mãe ou do pai, rola o som idílico e fatal, quiçá letal. Do lado de fora, ao aforismo do mundo, dezenas de moradores sem-teto se prestam à folia que consome a ávida vida desde o homem Neandertal. Sobreviver, rever a infância frágil e trêmula, sorver nas latas de lixo o luxo que escorre dos prédios em interregnos e pregos despregados ao cair dos quadros pintados sem cor. Talvez, quem sabe, um ou outro sábio assoviará algo parecido com o canto do sabiá. Saber-se-á aqui ou mesmo acolá... No lugar, o arfar de suspiros de prazer ao comer suspiros da boulangerie.
Com a lata d’água a derramar gotas que escorrem do metal e percorrem o asfalto frio do anoitecer geral, segue a voz de Elza Soares a soar em vendaval. Na casa de madame, outra preta veste um avental para saber-se tal e qual. No morro, envelopado e mágico entre pontos cardeais e mortais, voláteis e letais, corpos se entregam ao zinco que já não existe e insistem em viver na xepa da feira. Logo mais, canta, haverá Carnaval. No palco, a deusa em ébano e cores apresenta a plateia geral. Noutro lugar, gozo tardio, fastio escondido em olhares de neto e dias mortos por serem sempre iguais no igual. No desigual calendário que o mais sedentário amor traduz em flow, torpor.
 
II
 
Quisera a quimera fosse apenas brejeira fera que ri de tudo e do nada. Feito fada, fosse mágica e também trágica, vivesse na esquina mais próxima ou na Capadócia. Que se chamasse Kátia ou Eudóxia. O nome, sabemos, pois, de nada vale naquilo que abale vale de cinzas ou dor.
Quisera, à primazia da fera que habita cada um de nós, que a quimera prevalecesse diante da inércia acidental ou ocidental. Na subida do morro, o barulho de atabaques que entoam louvores aos santos que descem dos céus para viver o sonho de verter mil pesadelos febris.
Quisera, agora no odor da arruda, ao menos encontrar o cursor que teima em invadir a segunda tela. Na feira das emoções tardias, barracas oferecem dúzias de saudades, pencas de esperanças, quilos de esperas entre danças e contradanças que nunca voltarão a existir.
Quisera, grandiloquente e temente da poesia seguinte, que o batuque envolvente e quente daqueles que se embriagam a ver o rebolado da passista como única verdade. Mas o tempo é extemporâneo e final. Em cacos de vidro e goles de baba, bebe-se a frágil maresia corporal.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Zonzo nas vozes femininas

 Por Ronaldo Faria

 


-- Zonzo, estou zonzo. Ando zonzo, a zonzear por aí, a descaminhar. A flutuar sem saber onde pisar. Com a bússola quebrada e o GPS sem sinal. Norte ou sul? Tanto faz. A zonzeira é que faz a rota, sob as rodas do tempo e sobre o vento. Sol ou negror lunar, o rumo é só de rumar pra nenhum lugar. A se largar... Ao lagar da vida, faço as pazes com a morte.
-- Não será essa droga de bílis de boi que está interferindo nessa letargia?
-- Sei lá. Pode ser. Também, diga-se de passagem, ela não serve pra nada...
Papo de boteco incerto e desconhecido, entre Antonio e Sebastião, vira quase sessão de análise ou sermão de padre que sonha com o pileque depois de dar a hóstia às carolas de altar.
-- E quando foi que você se descobriu esse zero às esquerdas?
-- Acho que quando decidi viver e não ter a vergonha de saber que não é certo sempre achar que se é feliz. Algo como a tal de Poliana da literatura a viver entre mesas de bar.
-- É, tem um pouco de razão. Como diria o poeta maior, a felicidade termina, a dor procrastina. Mas vem.
-- E quando chega é indômita e famélica, com toda a fome de prostrar corpos e copos.
-- Com certeza. Bebamos, pois!
Com a chegada nada pragmática do outono, a noite se assanha e se aporta mais cedo. E traz bêbados, trôpegos desejos, ensejos performáticos e atávicos. Trágicos, talvez. Mas, por sorte, chega um por vez. Os bêbados sentam e depois tropeçam ao sair. Os desejos se desfazem a cada passo ou saudade tardia. Os ensejos, esses ficam à espera de algum dia derrearem de vez. A tragédia é o arrolar de toda a trama. Agora, já noite, amoitada num canto de céu qualquer, a vida converge em negritude e luzes acesas de postes e faróis. Num mar distante, homens jogam ao mar da espera os seus anzóis na busca de novos sóis. Estes morrerão sós. Antonio e Sebastião, porém, semearão letras e trovas às trovoadas que chegam nos raios e corcovas de camelos da ilusão.
-- Zonzo, estou zonzo. Ando zonzo, a zonzear por aí, a descaminhar. A flutuar sem saber onde pisar. Com a bússola quebrada e o GPS sem sinal. Norte ou sul? Tanto faz. A zonzeira é que faz a rota, sob as rodas do tempo e sobre o vento. Sol ou negror lunar, o rumo é só de rumar pra nenhum lugar. A se largar... Ao lagar da vida, faço as pazes com a morte.
Nas caixas de som, a voz de mulheres que, alhures, rodam o mundo sabe-se lá para onde. Nalgum monte se amontoarão de orgia primaz.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Rádios do mundo

Por Edmilson Siqueira


Eu cresci ouvindo rádio e, por mais estranho que pareça, mantenho esse hábito até hoje. Claro que desde o velho Zilomag dos anos 1950 até o FM e autofalante por bluetooth que ouço hoje, a tecnologia fez das suas. E há, é claro, toda mídia radiofônica que a Internet nos proporciona. Através dela, podemos ouvir estações de rádio de qualquer canto do mundo em, sem trocadilho, alto e bom som. 
Pois é sobre essas rádios da Internet que vou escrever hoje, revelando para os raros leitores, algumas das minhas rádios preferidas. 
Uma das primeiras paixões radiofônicas dessa era tecnológica, quando comecei a garimpar na Internet, foi a TSF Jazz, de Paris. Claro que juntei meus amores pela cidade com uma rádio de jazz. E ela é, eu diria, completa. Além dos standards todos do jazz norte-americano, nos brinda com algo da canção francesa e de shows ao vivo, desde o lendário Cafe Duc de Lombards e outros shows exclusivos gravados, que ocorreram em Paris.


Mas a variedade de rádios que podemos acessar pela Internet é quase infinita. Para não encher a tela do computador ou do celular de ícones de diversas rádios, descobri a RadiosNet, que é um agregador de rádios em um só endereço (radiosnet.com.br), com a facilidade de que você adiciona seus favoritos numa página e pronto: os tem todos à mão.
Meus favoritos na RadiosNet inclui algumas rádios brasileiras de notícias, como a CBN, a Bandeirantes e a Jovem Pan, mas a maioria é de jazz mesmo.


 Além da já citada TSF, ouço uma rádio chamada Great American Songbook (greatamericansongbook.info). Além do jazz normal que faz parte do songbook dos EUA, ela toca também a canção pop americana, muito Frank Sinatra e congêneres e até algum roquinho. E, uma curiosidade, tem ótimas vinhetas para falar do tempo.
Outra rádio da minha lista é a Jazz Con Class Radio, de Nova York (jazzconclass.com). Uma rádio pra se ouvir quando se quer um momento de sossego, com boa música. Dia desses, ao ouvi-la, fui presenteado com uma versão do famoso meddley dos Beatles - Golden Slumber, You Never Give me Your Money - numa performance de ninguém mesmo que George Benson. 


Quando estou a fim apenas de música instrumental, a pedida é a Jazz Radio Zaragoza, da Espanha (jazzradiozaragoza.com). Há sempre um trio, dos bons, de piano, contrabaixo e bateria programado. 
Voltando aos Estados Unidos, duas rádios que já ouvi bastante e que atualmente não tenho sintonizado muito, mas voltarei a elas, com certeza, são a KSDS Jazz (jazz88.org) de San Diego e a KRTU 91,7 FM de San Antonio (trinity.edu/krtu). Uma da Califórnia e outra do Texas. E ambas ótimas.
Entre as rádios brasileiras de jazz, recomendo a Rádio Bossa Jazz Brasil (bossajazzbrasil.com) e a Rádio Digital Jazz (digitaljazz.co.br), ambas de Santos (SP). Ótima programação, com muitas surpresas de intepretações inusitadas que raramente se ouvem por aí.
 

Mas há outras brasileiras no ramo jazzístico, como Rádio Club 96 Jazz (não encontrei o site, tem na RadiosNet), de Olinda, (PE), a Rádio Jazz Meddley, de Varginha, MG (sem site também, tem na RadiosNet) e a Rádio Good Times + Smooth Jazz BR, do Rio de Janeiro (goodtimesradio.com.br).
Outra rádio muito séria em matéria de jazz é a The Penthouse, de Nova York (thepenthouse.fm), com um repertório muito bem escolhido. Ao acessá-la quando estava escrevendo este artigo, ela estava tocando Tuck & Patti, uma dupla sensacional, ela no vocal e ele no violão. 


E, por fim, a rádio que mais tenho ouvido ultimamente: trata-se da Radio Blackie 89.1 FM (fmblackie.com.ar), de Buenos Aires. Parece meio estranho ouvir tanto uma rádio argentina em meio a tantas e tão excelentes escolhas que a Internet nos oferece. Mas ao ouvi-la qualquer estranheza desaparece: é um rádio classuda, que não fica devendo nada pa nenhuma outra da Europa ou dos EUA. 
Antes de encerrar, gostaria de informar que em todas essas rádios de jazz espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, a bossa nova faz parte naturalmente da programação. Algumas até com programas especiais para a arte brasileira de cantar e encantar. Dia 25 de janeiro, por exemplo, muitas lembram o aniversário do nosso maestro soberano Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. 


Enfim, há outras ainda que não citei aqui (com certeza centenas de outras espalhadas pelo mundo), mas quem baixar o RadiosNet vai poder escolher à vontade. Bom garimpo a todos os amantes da boa música em geral e do jazz em particular.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Para dar um fim neste final de “bebedeira” ou bobeira

 Por Ronaldo Faria


Mais uma, que mal faz? Amanhã, no chegar do sol de outono que permanece (com toda a certeza) verão, saberei responder. 
Nessa hora já foi. Já Elvis. No som, Angela RoRo. Na efeméride do fim até o começo, o tropeço. Na volátil maneira, a suculenta asneira.
Agora rola Gal que fala da palavra errada. No signo nenhum, o tal papo de otário. No lavradio do alfabeto, lugar para Paula e Bebeto.
No feto da afetuosa mandrágora que se desenha prenha, o rolar de esperas. Quimeras também fazem parte da alquimia fria e fugidia.
Zé Rodrix veio dizer que precisa de uma casa no campo. Nos trâmites do destino, somente um pássaro a acreditar que ao longe poderá ainda voar.
Lennon e McCartney revivem o mundo na voz de Milton Nascimento. O novo possível lamento far-se-á tormento no unguento do tempo fugaz.
Aos poucos a pérola negra de Luiz Melodia toma a trama de amar. No pulsar do coração em sopros, tropeçamos aqui e ainda mais acolá.
Na solidão da solicitude que a loucura dá, o girassol tem a cor dos cabelos da amada. Só para escrever o que nunca penso fiz, heterogênea viagem.
Como mestre-sala dos mares que não vejo há tempos, glória ao cantar passado que diz que não erramos em sermos autênticos e beneméritos.
Agora chega Jorge Mautner, mestre de um maracatu atômico e clarividente, temente em escrever no quadro negro que pode haver o mínimo de apego.
Pausa para repetir Mautner. Que o seu violino se volatize para a eternidade diante da maldade intrínseca e seca no ultimar do pseudopoeta eletrônico.
No amanhã, decerto, terei sofrido por ainda não ter comprado a imagem de Iansã. Quem sabe o futuro financeiro me seja altaneiro. Se não o for, a mãe há de entender.
Afinal, tudo é divino e maravilhoso. Não o fosse, Belchior não teria mentido pra nós. E há coisa melhor que beijar os lábios da amada no escuro do cinema sem ninguém nos ver?
Como nossos pais, padecidos, desaparecidos ou vivos, não há o que falar ao grande amor. Afinal, viver é melhor do que sonhar, ou é isso que Elis nos marcou à vida.
Num chão de giz, riscado sobre o asfalto molhado e negro, um pano de guardar confetes é a única verdade que a saudade nos dá e traduz a loucura emergencial.
Às tantas pretas e pretinhas que beijei na testa, minhas desculpas se elas eram brancas ou branquinhas. No meu tempo de carinho e baianos não há cor para delimitar.
E se os alquimistas realmente chegarem, como pregou Jorge Ben Jor, que a sua presença nos traga anuência na ausência que o mundo hoje faz questão de postar e proliferar.
Por fim, no bicho que o bicho de sete cabeças me fez chegar até aqui, no novo dia de nova estação, um bom dia à revelia dos pesadelos que a partir de agora surgirão.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

O dia seguinte e o subsequente

 Por Ronaldo Faria


O dia seguinte é sempre o preço a ser pago. Mas, ao apreço da criação, haverá melhor padecer que girar em 180 graus o tempo do norte ao sul e viajar na ausência que a premência traz?

Na night, suburbana e aleatória memória além de um ademais, o trem transita em trilhos que levam vidas e pesares mil. No frigir de ovos, ovnis e óvulos, o passado volta em beijos mil e buscas do senil querer ser. Na eletrola ou vitrola, fichas agora caem no orelhão que consome frases e sentimentos em tormentos loquazes. Na central da telefônica de cabines e segundos que pingam vorazes, palavras curtas e contumazes. No barulho de ligar o Windows cadavérico em seus disquetes sem esquetes prévios, o sofisma insofismável de vencer milhares de quilômetros que odômetros fariam em várias dezenas de horas. No bar natural e floral, batuque que o ding e o dong, num dengo rosa de veredas tropicais, faz junto no derramar do mar que não há. Aqui e acolá, a certeza de que o tempo não se desfez menestrel.

Na república de três quartos, opacos e fátuos de forma presencial, o limite entre o ser e o letal. Copos quebrados e salvos, sálvias em chá e ervas verdes e alucinógenas a darem o momento e o prazer. Uma rede onde o corpo em torpor se deita para amar e deleitar o que a vida traz. Talvez a tez da amada a lamber em línguas e tesões o corpo agora torto, tensões promíscuas e lúdicas a gravitarem em vazios espaços calculados. Possíveis cálculos renais ou daqueles que nos fazem prescrever receitas tardias de um acerto, deixemos para décadas depois. Agora é hora de brindar a madrugada tragada e sorvida, de revolver canções e unções, comer pratos e pródigos corpos, se deixar comer. Na liturgia do relembrar, passos, jurisprudências que nos livram no crime de pecar, o salivar que volta a dizer que erramos mesmo sem querer.

Mas nessa hora, nos bares agora inexistentes, a saudade emergente que se esvai solitária e frágil. Cafonice de um boneco pendurado no retrovisor, do arrancar o toca-fitas do carro ao estacionar, caminhar na madrugada sem medo de definhar na calçada com um tiro na cara. Talvez a rima que deixa o pombo mais rápido que o correio que nos dava dias de dor a esperar as linhas da amada. Afinal, no desencontro é que se junta o livramento de um mero lembrar. Assim, como faca amolada, a entrega de se saber nada. Por fim, na malfadada lembrança, a moça no chuveiro dependurada no corpo do homem, o trem cheio de barro e gente com suas galinhas. Ou a frágil amada a quem o pesadelo acorda na cama do seu desmazelo.

E assim, entre um não e um sim, que cheguem o aconchego de ladeiras, campinas mil, espaços grassos, derradeira certeza. No depois, quando a gente descobre que o cano é de plástico e não de cobre, que surjam as águas fugitivas da vida e se entreguem ao chão sobremaneira. Na noite que floresce como fosse brincadeira de eira e beira, a solidão que à porta bate certeira. Portanto, na bancarrota que a rotunda do palco da vida dá, a doidivanas e célere lembrança do retrato que, sem trato, já amarelou. Por aqui, na busca de juntar frases múltiplas, o parágrafo que podia ser ágrafo tivesse nascido proscrito, vamos a subscrever o antever do dia que se diz amanhã. Na sorte que ninguém explica um Zé Ninguém se sente pica, não morto... 

(Ao som dos Anos 80)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Vozes femininas

 Por Ronaldo Faria


As vozes dos algozes estão silenciosas. Zelosa, a vida dá lugar a si mesma. Clarividente e premente, mente que é eterna. Sabe que logo estará solitária e silenciosa, ciosa de queimar num forno em milhares de graus e chamas ou apodrecer no entardecer de dias a seguir um despertar e findar. Ao derredor, a dor que o prazer denota sofisma só.
Lavínia, lavra de seu próprio plantar, leva a rotina de transitar entre a tarde de calor e a noite que se veste de luar. Mulher e matrona, criança e pudica virgem que se entrega ao amado ao som de um fado, vai no passo tragado de passos no passadio que há entre a certeza e o desvario. A cerca-la, cheiro de perfídia e amora, amarras do imenso findar.
Enquanto caminha, prenha de devaneios e maiôs que se enchem de sal nos oceanos que margeiam o tempo restante, Lavínia lava a alma de perfumes e parcimônias. No seu frágil e frígido calor, fronte defronte dos lábios do amor, recebe o corpo torto que se atira na silenciosa trama de ser. A viver mambembe e fugaz, torna-se etérea e capaz.
Para ela, uma coruja ou outra faz o barulho que foi ensinada a fazer. Na mureta que separa a terra do mar, uma flor cresce a rasgar pedaços de concreto e afetos. Ali, muitos fetos viraram desafetos. Na penumbra que se alvoroça chegar definitiva e afetiva, falácias de amar, frases desconexas, curvas côncavas e convexas a convencer de que vale a pena viver.
Assim, volátil e tátil, trágica e cômica na tragicomédia digna de qualquer Cinédia tardia, Lavínia faz parir sua lavra. Não é agosto para fazer reviver o desgosto posto. A contragosto se dá o oposto. No fundo do poço, o rosto desnudo de entrevero louco. No poste que tem a lâmpada queimada, a escuridão que a dor precisa para chamar de Eufrásia o eufemismo da lavra.
-- Moça, não é cantada. Me perdoe a palavra, mas você tem a luz de uma fada.
No riso de Lavínia, a dica e a deixa para se deixar levar até aonde a vista alcançar. Na contradança, a desandança. Na lambança que o tempo faz e desfaz detrás de quatro paredes e dois corpos, um ventilador lembra da dor que a solidão traz. Nas suas hélices, o pouco de vento sentencia que em algumas várias semanas e suas tramas o rebento chegará.
Defronte de tudo, sobretudo, o mar se faz arrebentar... Ao fim de tudo, a certeza de que a bruma que a madrugada traz é feita de esconderijos e abrigos onde mesmo à loucura faz sentido. No calçadão, parte de pedras e concreto desafetos da imensidão, um morador de rua deita no colchão inexistente para viver a calma que se conta nos dedos por fim.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

O cool jazz renasce com Gerry Mulligan

Por Edmilson Siqueira


Em 1957, a Capitol Records fez uma compilação das faixas gravadas pelo noneto de Miles Davis ao longo de três sessões entre 1949 e 1950. O resultado dessa compilação foi o LP "Birth of the Cool". O nome pomposo se devia ao fato de que a obra toda apresentava instrumentação incomum e esteve a cargo de vários músicos notáveis. Arranjos inovadores influenciados pela música afro-americana e técnicas de música clássica também se fizeram ouvir. Foi, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento do jazz depois do be-bop. E, claro, as gravações acabaram sendo consideradas como seminais na história do cool jazz. Curiosamente, todas as 12 músicas selecionadas das três sessões, tinham cerca de três minutos de duração. 
Trinta e quatro anos depois, no verão de 1991, Gerry Mulligan, que tivera importante participação no disco anterior, com composições e arranjos, decidiu revisitar as gravações. Ele conversou com o próprio Miles Davis que disse que estaria interessado em participar, mas, infelizmente, Davis morreu alguns meses depois.  
Gerry, porém, estava disposto a levar o projeto adiante. Chamou Wallace Roney para o lugar de Davis e conseguiu o pianista e o tocador de tuba originais da banda (John Lewis e Bill Barber); usou seu próprio baixista (Dean Johnson) e baterista (Ron Vincent) e encontrou substitutos capazes no sax alto (Phil Woods), pois, infelizmente, Lee Konitz não estava disponível para tocar suas partes antigas, no trombone (Dave Bargeron) e na trompa francesa (John Clark). E ainda Mel Tormé para o vocal de Pancho Hagood na única faixa cantada.  
Com o time pronto, o grupo revisitou o exato repertório de 1957, com novos arranjos e novos improvisos, o que deu ao disco um tempo maior que o original. 
Esse novo disco foi batizado de "Re-Birth of the Cool". Scot Yanow, crítico de música, escreveu o seguinte sobre o trabalho:  "Embora as músicas sejam as mesmas (e seja um prazer particular ouvi-las com a qualidade de gravação melhorada), os solos são todos diferentes e, em muitos casos, foram alongados; não há necessidade de se limitar a apenas três minutos cada. Este disco fascinante é altamente recomendado para colecionadores veteranos de jazz que conhecem os discos originais do Birth of the Cool." 



David Badham, do site "Jazz Jounal", apresenta o disco assim: "Pessoalmente, sempre considerei as sessões originais como se fossem de Gerry Mulligan, não de Miles Davis, já que ele arranjou sete dos 12 números e foi de longe a voz solo mais impressionante! Se alguma coisa mudou, é porque ele está ainda melhor agora, então eu acolho esta edição de todo o coração. 
O tempo total de execução foi aumentado em 38 por cento, com a maioria das faixas aumentando em pelo menos um terço e algumas em mais de 60 por cento - e todas com trabalho de primeira classe. 
 Três dos artistas originais ainda estão aqui – Mulligan tocando tão bem quanto sempre (e isso quer dizer alguma coisa), John Lewis tão peculiarmente apto como sempre, e Bill Barber tocando tuba com bom efeito.  
Phil Woods é um substituto tão perfeito para Konitz quanto você poderia encontrar, enquanto para a outra voz solo principal Wallace Roney fornece o estilo Miles conforme necessário e lidera bem os conjuntos." 
As 12 músicas revisitadas são as seguintes: 
"Israel" (Johnny Carisi); "Deception" (George Shearing e Miles Davis); "Move" (Denzil Best); "Rouge" (John Lewis); "Rocker" (Gerry Mulligan); "Godchild" (George Wallington); "Moon Dreams" (Chummy MacGregor e Johnny Mercer); "Venus De Milo" (Gerry Mulligan); "Budo" (Miles Davis e Bud Powell); "Boplicity" (Cleo Henry); "Darn That Dream" (Edgar DeLange e Jimmy Van Heksen) e "Jeru" (Gerry Mulligan).   
Dito isso, acho que não resta praticamente nada para sugerir ao amante de jazz e de boa música além de que saia correndo atrás do CD. Ele está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=2DbUrQaB294&list=OLAK5uy_mzL85Aufeut6pUlFvRKvX9pQ5dLKXhz8U&index=2 .

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Com Marcelinho da Lua

 Por Ronaldo Faria

 

Cristiano, que não é o Ronaldo, segue no calçadão a trilhar para algum lugar.  E vai resoluto e impoluto, como alguém do início do século passado. Na íngreme ladeira inexistente, persistente e filho do poente, caminha para onde der. No seu roteiro, o corpo da mulher, o copo derramado ao léu, o apelido de dedéu. No ar noir, um cheiro de erva com mel.
Logo perto, se o sentido fosse seguir o caminho reto, o som de remix faz rolar um samba eletrônico. Atônito, Cristiano não pode acompanhar o ritmo por estar afônico. Mas faz uma rima enquanto enrola a seda fina. Na lua, esbranquiçada e feliz por rodar sem parar, São Jorge preto e branco calça o velho tamanco enquanto cavalga num jumento velho e manco.
No apartamento que fica logo ali, sobre o alicerce de concreto que está para desabar e cair, o casal bate boca, ro(ô)ta diga-se de passagem. Mas Cristiano não tem tempo para parar e ouvir o entrevero. No seu desterro altaneiro, melhor é buscar acertar a perna direita e a esquerda para não desabar. Tempo depois existirá à crença de partir numa volta sem retornar.
Na esquina, essa quina que decide se uma rua vira de nome ou segue seu homônimo qualquer, Cristiano vê um cristal brilhar. Se abaixa para pegar e vê que era apenas o pedaço de um vidro que estilhaçou. No banco à beira-mar um andarilho em seus andrajos ri da trama e dorme logo depois. No apocalipse de cada um, as roupas pouca importância terão no portal do fim.
A hora é de acender um beck, um back ou um beque. Na alternância da inconstante constância de reviver a cada dia um passado ao acaso, formatado e cansado, casado e lavrado em ata, Cristiano, que não é o Ronaldo, descobre que o partido alto pode estar aqui embaixo. Com o nome de partido álcool. No sinal de trânsito, o trâmite feérico das feras do eufemismo.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Deu vontade e faltou ideia

 Por Ronaldo Faria

 


Imaginária imensidão, entregue imberbe ao mundo da solidão. Catarse de um tempo em que a os passos repassam o movimento do vento e vão à vontade do senão...

Livrai-me, senhor do nada, dos males que toda a saudade traz. Não fecha a ferida, mas dá ao corpo uma ermida para curar nas minhas rezas o que se preza derradeiro e primeiro. Dai-me a ausência do corpo da amada como um passado recente, presente e futuro. Dos seus olhos, faz-me ver o sorriso impreciso e ciente da falta do siso. Deixa-me beber nos seus lábios ausentes e ainda quentes, dormir entre seu corpo gemente e sua língua. Embriaga-me de porres loucos e etéreos, terrenos e plenos, em praias mansas e quentes. Se puder, me aquiesça um pouco de esperança de que ainda tocarei suas tranças e verei suas ancas. E quando a noite chegar de forma presta naquilo que resta do final, me entrega à trégua que só aqueles que amam querem voltar na eterna guerra entre a realidade e o querer.

Explicai-me, douto mestre da ignorância plena, porque a efêmera lembrança deixa tanto a reviver e sonhar. Às madrugadas que nos tragam em tragos e perfídia, nos faça correr pelas ruas escuras e vazias que os cães usam apenas para urinar. Se puder, na prudência que dá aos loucos e embriagados, nos largue famélicos de pudor e amor. Desnude-nos às vozes que crescem no coração partido, nos vista de pele nua em perjúrios mil. E se não soubermos de que forma nos entregarmos na cidade que se volatiliza ao picadeiro da fatalidade, nos dê um banco de praça limpo e de madeira onde a derradeira fantasia se fará verdade. Lá, nos deixe dormir e fingir que as flores florescem no escuro, as estrelas iluminam o universo e a paixão sabe que a parcimônia, no verdadeiro amor, não tem lugar. 

(Ao som de Cacaso)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Natalie Cole

 Por Edmilson Siqueira


É só dar uma espiada no Google: "Ela foi uma cantora, compositora, atriz e pianista norte-americana, muito aclamada pela crítica mundial devido a sua harmônica e extensa voz meio-soprano, tendo vendido mais de 100 milhões de discos. Foi ganhadora de nove prêmios Grammy". E tudo isso vindo de uma condição perigosa em termos de artistas: era filha de um dos ícones da música norte-americana, ninguém menos que Nat King Cole, nome artístico de Nathaniel Adams Coles. O apelido de "King Cole" veio de uma popular cantiga de roda inglesa conhecida como "Old King Cole", mas poderia ser "rei" mesmo, pois ele era um artista magnífico. 
Mas essa, digamos, "pressão" não resultou em nada para a menina Stephanie Natalie Maria Cole, a grande Natalie Cole, pois desde cedo se revelou cantora, recebendo as primeiras lições do próprio pai. 
Sua primeira apresentação foi aos seis anos, quando gravou uma música para o álbum de Natal de Nat. Alguns anos depois, ela gravou uma fita com algumas das canções de Ella Fitzgerald. Quando seu pai ouviu, pediu ao produtor Nelson Riddle que a deixasse cantar em seu nightclub. Essas apresentações duraram apenas uma semana, porque Natalie estava na escola e tinha apenas 11 anos.
Mas, quando estava com 15 anos, perdeu o pai, que morreu de câncer. Essa dor, mais tarde, se transformaria e depressão e Nat foi buscar socorro no lugar errado: as drogas. 
Antes, em 1975, ela grava seu primeiro álbum, "Inseparable", e de cara emplaca dois sucessos "Inseparable" e "This Will Be". No trabalho seguinte, Natalie, teve outro hit, "Sophisticated Lady". No ano de 76 Marvin e Natalie se casam. A parceria com a Capitol, a mesma gravadora de seu pai, permaneceria até 1983. A artista ainda gravaria "'Thankful", "Unpredictable" e "I Love You So". Natalie continuava fazendo hits. Mas a sua fase de maior sucesso estava apenas começando.



Ela grava o LP “Everlasting”, que trazia um grande hit gravado por seu pai em 1957, "When I Fall in Love". No ano de 1991, a cantora novamente utilizou uma canção de Nat, mas dessa vez, graças às novas tecnologias, fez um dueto com ele. "Unforgettable" que fez parte do disco "Unforgettable With Love" (91), vendeu mais de cinco milhões de cópias. Seus trabalhos seguintes foram "That a Look" (93), "Holly & Ivy" (94), que contavam com a participação de grandes orquestras. Em 1999 Natalie gravou dois discos, "Snowfall on the Sahara" e "The Magic of Christmas", junto com a Orquestra Sinfônica de Londres. No ano seguinte ela lança uma coletânea com seus maiores sucesso, Greatest Hits Vol.1, seguido de um álbum de inéditas, "Ask A Woman Who Knows", lançado em 2002.
 Natalie Cole faleceu no dia 31 de dezembro de 2015, aos 65 anos, após uma falha em seu coração causada por uma hipertensão arterial pulmonar idiopática.  
Um ótimo disco para se ter uma boa ideia da qualidade artística de Natalie é esse já citado, que vendeu 5 milhões de cópias. "Unforgetable With Love" tem 22 músicas que mostram toda a versatilidade dessa grande cantora. Seja no jazz ou nas canções americanas que são verdadeiros standarts da música internacional, Natalie se sai bem, sempre acompanhada de competentes conjuntos e orquestras. 
O encarte que acompanha o CD é completo. Tem algumas fotos de Natalie quando criança com seu pai, com sua família, na gravadora, ainda criança sendo apresentada a ninguém menos que Louis Armstrong, quando ele estava gravando com Ella Fitzgerald, que também aparece na foto e como crooner de um conjunto musical escolar, por volta dos 13 anos. O conjunto se chamava "The Malibu Music Men And Plus One". "Eu era a 'plus one'", comenta Natalie na legenda da foto. 
Além disso, o encarte traz a ficha técnica de cada música com a data em que foi gravada e com comentários da própria Natalie sobre cada uma delas.



Segue a lista de todos os 22 sucessos (e pode-se sim chamá-los de sucesso pois venderam muito pelo mundo todos):
1. The Very Thought Of You (Ray Noble)
2. Paper Moon (Billy Rose, E. Y. Harburg e Harold Arlen)
3. Route 66 (Bobby Troup)
4. Mona Lisa (Jay Livingston e Ray Evans)
5. L-O-V-E (Bert Kampferr e Milt Gabler)
6. This Can't Be Love (Lorenz Hart e Richard Rodgers)
7. Smile (John Turner, Geoffrey Parsons e Charlie Chaplin)
8. Lush Life (Billy Strayhorn)
9. That Sunday That Summer (Geo David Weiss e Joe Sherman)
10. Orange Colored Sky (Milton Delug e Willie Stein)
11. Medley: For Sentimental Reasons (Deek Watson e Willian Best) / Tenderly (Gross e Lawrernce) / Autumn Leaves (Jacques Prévert, Johnny Mercder e Joseph Kosma)
12. Straighten Up And Fly Right (Nat King Cole e Irving Mills)
13. Avalon (Rose, Johnson e DeSilva)
14. Don't Get Around Much Anymore (Bob Russel e Duke Ellington)
15. Too Young (Sylvia Dee e Sid Lippman)
16. Nature Boy (Eden Ahbez)
17. Darling, Je Vous Aime Beaucoup (Ann Sosenko)
18. Almost Like Being In Love (Lerner e Loewe)
19. Thou Swell (Lorenz Hart e Richard Rodgers)
20. Non Dimenticar (Shelley Dobbins, Michele Galdieri e P. G. Redi)
21. Our Love Is Here To Stay (Ira e George Gershwin)
22. Unforgettable (Irving Gordon Bourne) 
O disco - vinil e CD - está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_k32cze97X1QBVmFn24-l8al0BYoasDDnQ .

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Melodicamente Melodia

 Por Ronaldo Faria


Na saideira que a estradeira vida da vida traz, mais um ou menos uma tanto faz. Com Luiz Melodia a vida se enfia na melódica brincadeira que a poesia dá. Assim, na canção que transforma a forma na epiderme que cola e não desgruda, segue o tempo que a quimera não deixa acabar. Nesse universo nem Calabar irá trazer as correntes que se arrastarão em promissão pela Terra. Apenas na trama que se vai exangue há um pouco de sangue. Se alguém se consternar com o aprendiz de poeta ele é do tipo A+. Leia-se positivo. Nesse sentido, que exista sentimento para além do presságio. No deságio que o tempo dá, possamos nos promiscuir em delírios e prosseguir.
Nalgum lugar um realejo traz o som que deve ser dos dias que ainda faltam. Sobremaneira, no cataclismo que o sismo do coração dá, o fluxo de sangue se faz fugitivo nas ruas escuras que a penumbra se faz colorida nos olhos de quem busca o amor tardio ou vadio, vazio em si e no querer. Nas casas que existem em todos nós, nos nós que a vida nos dá, gente ainda acorda sem as cordas do violão e o batuque do pandeiro e segue nas ruas de paralelepípedos que o tempo plantou. Nos dias de agora, flow, o florescer de qualquer gramínea já está bom demais. Ademais, o que mais poderemos querer? Afinal, no final prosaico que cada madrugada traz, seja feita vontade do escrever sem ver.
 
II
 
No tom do chorinho que foi chorado e tragado, bebido e largado, a saideira na efeméride passageira. Um periquito a catar o futuro dos casais, acasalar de casuais encontros, os cômicos castelos que se jogam às ondas banidas. É a praça que volta com o lambe-lambe que promete revelar a foto em meia hora. Mas, nesses minutos, quem irá fotografar? E dessa forma, nas mentiras que existência nos dá, vamos a seguir seguramente o esteio que o tempo desejar. E se uma sílaba ou um acorde faltar, seja o que quiser ser. Nas brochuras de um caderno eterno, o incrédulo verso que nunca escrevemos...

sábado, 1 de fevereiro de 2025

No Dia do Poeta, Pixinguinha

 Por Ronaldo Faria


A ouvir Carinhoso, Galhardo para de beber. Entre essa música e ele há muito ou tanto a arremeter ou remeter. “Onde estará o mestre Pixinguinha? Para quem ele estará a tocar e trocar risadas, goles e emoções? Se Deus existir, ele estará na primeira fila a ouvir o mestre soprar poesia e vida?” Copo erguido aos céus, no ensandecido bordel que vira a parcimoniosa sequência da essência, um cheiro de rosa amarela perpetra no ar a ilusão que é sonhar. No lugar, clarividência de se saber que estar vivo é, num segundo, não morrer.
Galhardo, fardo de si mesmo, enfadonho e medonho no precipício das horas, sorve tragos e tragédias, comédias e únicas balburdias que existem no seu coração. Segue sem segredos, degredos e enredos no tempo que o vento traz. É ele mesmo, enfurnado num quadrado minúsculo e imenso ao sabor de um incenso. Grandiloquente e na sua pequenez profunda sonha com uma boca e sua língua, uma bunda. Na barafunda vazia, perfaz nostalgia e prepara a azia que logo virá. Se esmera na fera enjaulada e destrói as amarras enferrujadas.
Para ele, na galhardia que só a loucura traz, a noite é o que mais apraz. Talvez haja uma voz ou um jazz. Um descompassado compasso que não gira em 360 graus e nem igualmente está nos acordes da música. Nas palavras que são a lavra e o louvor, o torpor. Talvez uma esquina que a perfídia fulmina nas pernas da mulher/menina que traz angina ao coração, a chegança da trama imperfeita. Mas, analfabeto perpétuo que é, não sabe sequer o que é um pretérito perfeito. No seu jeito, na efeméride da vida, o blues vira amor singelo ou bafafá.
Galhardo, aprumado nas profundezas que misturam momentos pueris e safadezas, apenas se volatiliza na bruma que se faz. E enlouquecido na enfumaçada lua que surge esbranquiçada e fadada a servir de pano de fundo, se afunda na certeza de que nunca saberá diferenciar o sim de um não. Assim, na caminhada acobertada de vida e canduras, vai a caminhar feito zumbi. Aqui e ali, no defunto que é todo o dia que passou, segue seus passos pisados em asfalto e areia fina. Sua vida, logo que será finda, espera o colo da amada e lúdica poesia/mulher.

Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito

 Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...