sábado, 22 de fevereiro de 2025

Amanhã será um bode na sala

 Por Ronaldo Faria

 


Repetir o erro por repetir. Mas, não fosse tal erro, de que valeria viver?
 
Felisberto, esperto e presto a entender os ditames da vida, feito fosse mero robô na roubada entre recarregar as baterias ou murchar de vez, espera que o sono insone seja um trombone a soar nos ouvidos. E o acorde a querer correr entre um tropel de cavalgaduras humanas ou seguir alijado às lajes e cordas da rua, submerso nos seus mares deflagrados e amargos. Afagos, só das mãos em gozo subliminar e infiel à solidão.
Felisberto, ser imberbe e ignóbil corpo a latejar e rastejar na terra viva, vai a dedilhar teclas onde asseclas do bem-viver pregoam a imensidão. Na canção que percorre beijos ternos, a fuga dos eternos caminhos que o descaminho há muito traçou. Na caça que pede que a pele pare de morrer, esturricar, desaparecer, o grito de espera a acreditar que a morte trará, por fim, a entrega que a trégua da certa loucura não deixa tragar.
Felisberto, na concretude frágil que os tijolos do pensar dão, vai minuto a minuto a descer e subir na ladeira que o tempo faz. E se desfaz inócuo e loquaz. Ele sabe que a vida já lhe fez incrédulo e cego para dias em versos e reversos. O marasmo continuará a lhe deitar ao lado de um corpo inerte e que nada transpira ou inspira. Seu universo hoje se restringe ao timbre da saudade que sequer fluía uma sílaba além da verve efeméride canina.
Felisberto, peito aberto e incerto, rasgado de prolixa e finda arritmia, é apenas pena arrancada de um pássaro recém-nascido que deve ter morrido no canteiro a ser exterminado. Ao menos, pensa agora, o olho começa a piscar de nervoso. “Deve ser o mínimo de humanidade que há meses vivi.” No passado grandiloquente, repetido talvez, meses de poucos dias que tracejam a certeza de que há felicidade, seja rápida e efêmera no corpo da fêmea.
Felisberto, desperto em si e esperto ao tempo que se esvai no vaivém fugaz, pede apenas que a cena do teatro não termine com plateia vazia. Todo artista espera ao menos um aplauso ao acaso cansado da vida. Na perfídia efêmera da partida certa o que resta é festança que as noites sertanejas de fogueira e cheiro de lampião no querosene que foge para o ar a brincar de cor cinza. No jogral da sina, alguém goza a trepar enlouquecida por cima.
Felisberto, analfabeto e carente de afeto, como feto a comer as sobras da mãe famélica, apenas sabe que o hoje é o anteparo que o amanhã trará em remissão e visão de sempre a rotina cretina retomar. No mar, o ar que a maré e a maresia trazem na tradução espontânea e terna que a pele, na sua mais cutânea essência, não sabe traduzir. No vapor que a dor faz em eflúvio, a fugidia maestria de mentir a si mesmo que a estrela brilha no além.
 
Queria hoje estar a comer um meia-lua e mudar o destino ao desatino qualquer...
 
(No som do Zeca Baleiro)

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