quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

O dia seguinte e o subsequente

 Por Ronaldo Faria


O dia seguinte é sempre o preço a ser pago. Mas, ao apreço da criação, haverá melhor padecer que girar em 180 graus o tempo do norte ao sul e viajar na ausência que a premência traz?

Na night, suburbana e aleatória memória além de um ademais, o trem transita em trilhos que levam vidas e pesares mil. No frigir de ovos, ovnis e óvulos, o passado volta em beijos mil e buscas do senil querer ser. Na eletrola ou vitrola, fichas agora caem no orelhão que consome frases e sentimentos em tormentos loquazes. Na central da telefônica de cabines e segundos que pingam vorazes, palavras curtas e contumazes. No barulho de ligar o Windows cadavérico em seus disquetes sem esquetes prévios, o sofisma insofismável de vencer milhares de quilômetros que odômetros fariam em várias dezenas de horas. No bar natural e floral, batuque que o ding e o dong, num dengo rosa de veredas tropicais, faz junto no derramar do mar que não há. Aqui e acolá, a certeza de que o tempo não se desfez menestrel.

Na república de três quartos, opacos e fátuos de forma presencial, o limite entre o ser e o letal. Copos quebrados e salvos, sálvias em chá e ervas verdes e alucinógenas a darem o momento e o prazer. Uma rede onde o corpo em torpor se deita para amar e deleitar o que a vida traz. Talvez a tez da amada a lamber em línguas e tesões o corpo agora torto, tensões promíscuas e lúdicas a gravitarem em vazios espaços calculados. Possíveis cálculos renais ou daqueles que nos fazem prescrever receitas tardias de um acerto, deixemos para décadas depois. Agora é hora de brindar a madrugada tragada e sorvida, de revolver canções e unções, comer pratos e pródigos corpos, se deixar comer. Na liturgia do relembrar, passos, jurisprudências que nos livram no crime de pecar, o salivar que volta a dizer que erramos mesmo sem querer.

Mas nessa hora, nos bares agora inexistentes, a saudade emergente que se esvai solitária e frágil. Cafonice de um boneco pendurado no retrovisor, do arrancar o toca-fitas do carro ao estacionar, caminhar na madrugada sem medo de definhar na calçada com um tiro na cara. Talvez a rima que deixa o pombo mais rápido que o correio que nos dava dias de dor a esperar as linhas da amada. Afinal, no desencontro é que se junta o livramento de um mero lembrar. Assim, como faca amolada, a entrega de se saber nada. Por fim, na malfadada lembrança, a moça no chuveiro dependurada no corpo do homem, o trem cheio de barro e gente com suas galinhas. Ou a frágil amada a quem o pesadelo acorda na cama do seu desmazelo.

E assim, entre um não e um sim, que cheguem o aconchego de ladeiras, campinas mil, espaços grassos, derradeira certeza. No depois, quando a gente descobre que o cano é de plástico e não de cobre, que surjam as águas fugitivas da vida e se entreguem ao chão sobremaneira. Na noite que floresce como fosse brincadeira de eira e beira, a solidão que à porta bate certeira. Portanto, na bancarrota que a rotunda do palco da vida dá, a doidivanas e célere lembrança do retrato que, sem trato, já amarelou. Por aqui, na busca de juntar frases múltiplas, o parágrafo que podia ser ágrafo tivesse nascido proscrito, vamos a subscrever o antever do dia que se diz amanhã. Na sorte que ninguém explica um Zé Ninguém se sente pica, não morto... 

(Ao som dos Anos 80)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Vozes femininas

 Por Ronaldo Faria


As vozes dos algozes estão silenciosas. Zelosa, a vida dá lugar a si mesma. Clarividente e premente, mente que é eterna. Sabe que logo estará solitária e silenciosa, ciosa de queimar num forno em milhares de graus e chamas ou apodrecer no entardecer de dias a seguir um despertar e findar. Ao derredor, a dor que o prazer denota sofisma só.
Lavínia, lavra de seu próprio plantar, leva a rotina de transitar entre a tarde de calor e a noite que se veste de luar. Mulher e matrona, criança e pudica virgem que se entrega ao amado ao som de um fado, vai no passo tragado de passos no passadio que há entre a certeza e o desvario. A cerca-la, cheiro de perfídia e amora, amarras do imenso findar.
Enquanto caminha, prenha de devaneios e maiôs que se enchem de sal nos oceanos que margeiam o tempo restante, Lavínia lava a alma de perfumes e parcimônias. No seu frágil e frígido calor, fronte defronte dos lábios do amor, recebe o corpo torto que se atira na silenciosa trama de ser. A viver mambembe e fugaz, torna-se etérea e capaz.
Para ela, uma coruja ou outra faz o barulho que foi ensinada a fazer. Na mureta que separa a terra do mar, uma flor cresce a rasgar pedaços de concreto e afetos. Ali, muitos fetos viraram desafetos. Na penumbra que se alvoroça chegar definitiva e afetiva, falácias de amar, frases desconexas, curvas côncavas e convexas a convencer de que vale a pena viver.
Assim, volátil e tátil, trágica e cômica na tragicomédia digna de qualquer Cinédia tardia, Lavínia faz parir sua lavra. Não é agosto para fazer reviver o desgosto posto. A contragosto se dá o oposto. No fundo do poço, o rosto desnudo de entrevero louco. No poste que tem a lâmpada queimada, a escuridão que a dor precisa para chamar de Eufrásia o eufemismo da lavra.
-- Moça, não é cantada. Me perdoe a palavra, mas você tem a luz de uma fada.
No riso de Lavínia, a dica e a deixa para se deixar levar até aonde a vista alcançar. Na contradança, a desandança. Na lambança que o tempo faz e desfaz detrás de quatro paredes e dois corpos, um ventilador lembra da dor que a solidão traz. Nas suas hélices, o pouco de vento sentencia que em algumas várias semanas e suas tramas o rebento chegará.
Defronte de tudo, sobretudo, o mar se faz arrebentar... Ao fim de tudo, a certeza de que a bruma que a madrugada traz é feita de esconderijos e abrigos onde mesmo à loucura faz sentido. No calçadão, parte de pedras e concreto desafetos da imensidão, um morador de rua deita no colchão inexistente para viver a calma que se conta nos dedos por fim.

domingo, 9 de fevereiro de 2025

O cool jazz renasce com Gerry Mulligan

Por Edmilson Siqueira


Em 1957, a Capitol Records fez uma compilação das faixas gravadas pelo noneto de Miles Davis ao longo de três sessões entre 1949 e 1950. O resultado dessa compilação foi o LP "Birth of the Cool". O nome pomposo se devia ao fato de que a obra toda apresentava instrumentação incomum e esteve a cargo de vários músicos notáveis. Arranjos inovadores influenciados pela música afro-americana e técnicas de música clássica também se fizeram ouvir. Foi, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento do jazz depois do be-bop. E, claro, as gravações acabaram sendo consideradas como seminais na história do cool jazz. Curiosamente, todas as 12 músicas selecionadas das três sessões, tinham cerca de três minutos de duração. 
Trinta e quatro anos depois, no verão de 1991, Gerry Mulligan, que tivera importante participação no disco anterior, com composições e arranjos, decidiu revisitar as gravações. Ele conversou com o próprio Miles Davis que disse que estaria interessado em participar, mas, infelizmente, Davis morreu alguns meses depois.  
Gerry, porém, estava disposto a levar o projeto adiante. Chamou Wallace Roney para o lugar de Davis e conseguiu o pianista e o tocador de tuba originais da banda (John Lewis e Bill Barber); usou seu próprio baixista (Dean Johnson) e baterista (Ron Vincent) e encontrou substitutos capazes no sax alto (Phil Woods), pois, infelizmente, Lee Konitz não estava disponível para tocar suas partes antigas, no trombone (Dave Bargeron) e na trompa francesa (John Clark). E ainda Mel Tormé para o vocal de Pancho Hagood na única faixa cantada.  
Com o time pronto, o grupo revisitou o exato repertório de 1957, com novos arranjos e novos improvisos, o que deu ao disco um tempo maior que o original. 
Esse novo disco foi batizado de "Re-Birth of the Cool". Scot Yanow, crítico de música, escreveu o seguinte sobre o trabalho:  "Embora as músicas sejam as mesmas (e seja um prazer particular ouvi-las com a qualidade de gravação melhorada), os solos são todos diferentes e, em muitos casos, foram alongados; não há necessidade de se limitar a apenas três minutos cada. Este disco fascinante é altamente recomendado para colecionadores veteranos de jazz que conhecem os discos originais do Birth of the Cool." 



David Badham, do site "Jazz Jounal", apresenta o disco assim: "Pessoalmente, sempre considerei as sessões originais como se fossem de Gerry Mulligan, não de Miles Davis, já que ele arranjou sete dos 12 números e foi de longe a voz solo mais impressionante! Se alguma coisa mudou, é porque ele está ainda melhor agora, então eu acolho esta edição de todo o coração. 
O tempo total de execução foi aumentado em 38 por cento, com a maioria das faixas aumentando em pelo menos um terço e algumas em mais de 60 por cento - e todas com trabalho de primeira classe. 
 Três dos artistas originais ainda estão aqui – Mulligan tocando tão bem quanto sempre (e isso quer dizer alguma coisa), John Lewis tão peculiarmente apto como sempre, e Bill Barber tocando tuba com bom efeito.  
Phil Woods é um substituto tão perfeito para Konitz quanto você poderia encontrar, enquanto para a outra voz solo principal Wallace Roney fornece o estilo Miles conforme necessário e lidera bem os conjuntos." 
As 12 músicas revisitadas são as seguintes: 
"Israel" (Johnny Carisi); "Deception" (George Shearing e Miles Davis); "Move" (Denzil Best); "Rouge" (John Lewis); "Rocker" (Gerry Mulligan); "Godchild" (George Wallington); "Moon Dreams" (Chummy MacGregor e Johnny Mercer); "Venus De Milo" (Gerry Mulligan); "Budo" (Miles Davis e Bud Powell); "Boplicity" (Cleo Henry); "Darn That Dream" (Edgar DeLange e Jimmy Van Heksen) e "Jeru" (Gerry Mulligan).   
Dito isso, acho que não resta praticamente nada para sugerir ao amante de jazz e de boa música além de que saia correndo atrás do CD. Ele está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=2DbUrQaB294&list=OLAK5uy_mzL85Aufeut6pUlFvRKvX9pQ5dLKXhz8U&index=2 .

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Com Marcelinho da Lua

 Por Ronaldo Faria

 

Cristiano, que não é o Ronaldo, segue no calçadão a trilhar para algum lugar.  E vai resoluto e impoluto, como alguém do início do século passado. Na íngreme ladeira inexistente, persistente e filho do poente, caminha para onde der. No seu roteiro, o corpo da mulher, o copo derramado ao léu, o apelido de dedéu. No ar noir, um cheiro de erva com mel.
Logo perto, se o sentido fosse seguir o caminho reto, o som de remix faz rolar um samba eletrônico. Atônito, Cristiano não pode acompanhar o ritmo por estar afônico. Mas faz uma rima enquanto enrola a seda fina. Na lua, esbranquiçada e feliz por rodar sem parar, São Jorge preto e branco calça o velho tamanco enquanto cavalga num jumento velho e manco.
No apartamento que fica logo ali, sobre o alicerce de concreto que está para desabar e cair, o casal bate boca, ro(ô)ta diga-se de passagem. Mas Cristiano não tem tempo para parar e ouvir o entrevero. No seu desterro altaneiro, melhor é buscar acertar a perna direita e a esquerda para não desabar. Tempo depois existirá à crença de partir numa volta sem retornar.
Na esquina, essa quina que decide se uma rua vira de nome ou segue seu homônimo qualquer, Cristiano vê um cristal brilhar. Se abaixa para pegar e vê que era apenas o pedaço de um vidro que estilhaçou. No banco à beira-mar um andarilho em seus andrajos ri da trama e dorme logo depois. No apocalipse de cada um, as roupas pouca importância terão no portal do fim.
A hora é de acender um beck, um back ou um beque. Na alternância da inconstante constância de reviver a cada dia um passado ao acaso, formatado e cansado, casado e lavrado em ata, Cristiano, que não é o Ronaldo, descobre que o partido alto pode estar aqui embaixo. Com o nome de partido álcool. No sinal de trânsito, o trâmite feérico das feras do eufemismo.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Deu vontade e faltou ideia

 Por Ronaldo Faria

 


Imaginária imensidão, entregue imberbe ao mundo da solidão. Catarse de um tempo em que a os passos repassam o movimento do vento e vão à vontade do senão...

Livrai-me, senhor do nada, dos males que toda a saudade traz. Não fecha a ferida, mas dá ao corpo uma ermida para curar nas minhas rezas o que se preza derradeiro e primeiro. Dai-me a ausência do corpo da amada como um passado recente, presente e futuro. Dos seus olhos, faz-me ver o sorriso impreciso e ciente da falta do siso. Deixa-me beber nos seus lábios ausentes e ainda quentes, dormir entre seu corpo gemente e sua língua. Embriaga-me de porres loucos e etéreos, terrenos e plenos, em praias mansas e quentes. Se puder, me aquiesça um pouco de esperança de que ainda tocarei suas tranças e verei suas ancas. E quando a noite chegar de forma presta naquilo que resta do final, me entrega à trégua que só aqueles que amam querem voltar na eterna guerra entre a realidade e o querer.

Explicai-me, douto mestre da ignorância plena, porque a efêmera lembrança deixa tanto a reviver e sonhar. Às madrugadas que nos tragam em tragos e perfídia, nos faça correr pelas ruas escuras e vazias que os cães usam apenas para urinar. Se puder, na prudência que dá aos loucos e embriagados, nos largue famélicos de pudor e amor. Desnude-nos às vozes que crescem no coração partido, nos vista de pele nua em perjúrios mil. E se não soubermos de que forma nos entregarmos na cidade que se volatiliza ao picadeiro da fatalidade, nos dê um banco de praça limpo e de madeira onde a derradeira fantasia se fará verdade. Lá, nos deixe dormir e fingir que as flores florescem no escuro, as estrelas iluminam o universo e a paixão sabe que a parcimônia, no verdadeiro amor, não tem lugar. 

(Ao som de Cacaso)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Natalie Cole

 Por Edmilson Siqueira


É só dar uma espiada no Google: "Ela foi uma cantora, compositora, atriz e pianista norte-americana, muito aclamada pela crítica mundial devido a sua harmônica e extensa voz meio-soprano, tendo vendido mais de 100 milhões de discos. Foi ganhadora de nove prêmios Grammy". E tudo isso vindo de uma condição perigosa em termos de artistas: era filha de um dos ícones da música norte-americana, ninguém menos que Nat King Cole, nome artístico de Nathaniel Adams Coles. O apelido de "King Cole" veio de uma popular cantiga de roda inglesa conhecida como "Old King Cole", mas poderia ser "rei" mesmo, pois ele era um artista magnífico. 
Mas essa, digamos, "pressão" não resultou em nada para a menina Stephanie Natalie Maria Cole, a grande Natalie Cole, pois desde cedo se revelou cantora, recebendo as primeiras lições do próprio pai. 
Sua primeira apresentação foi aos seis anos, quando gravou uma música para o álbum de Natal de Nat. Alguns anos depois, ela gravou uma fita com algumas das canções de Ella Fitzgerald. Quando seu pai ouviu, pediu ao produtor Nelson Riddle que a deixasse cantar em seu nightclub. Essas apresentações duraram apenas uma semana, porque Natalie estava na escola e tinha apenas 11 anos.
Mas, quando estava com 15 anos, perdeu o pai, que morreu de câncer. Essa dor, mais tarde, se transformaria e depressão e Nat foi buscar socorro no lugar errado: as drogas. 
Antes, em 1975, ela grava seu primeiro álbum, "Inseparable", e de cara emplaca dois sucessos "Inseparable" e "This Will Be". No trabalho seguinte, Natalie, teve outro hit, "Sophisticated Lady". No ano de 76 Marvin e Natalie se casam. A parceria com a Capitol, a mesma gravadora de seu pai, permaneceria até 1983. A artista ainda gravaria "'Thankful", "Unpredictable" e "I Love You So". Natalie continuava fazendo hits. Mas a sua fase de maior sucesso estava apenas começando.



Ela grava o LP “Everlasting”, que trazia um grande hit gravado por seu pai em 1957, "When I Fall in Love". No ano de 1991, a cantora novamente utilizou uma canção de Nat, mas dessa vez, graças às novas tecnologias, fez um dueto com ele. "Unforgettable" que fez parte do disco "Unforgettable With Love" (91), vendeu mais de cinco milhões de cópias. Seus trabalhos seguintes foram "That a Look" (93), "Holly & Ivy" (94), que contavam com a participação de grandes orquestras. Em 1999 Natalie gravou dois discos, "Snowfall on the Sahara" e "The Magic of Christmas", junto com a Orquestra Sinfônica de Londres. No ano seguinte ela lança uma coletânea com seus maiores sucesso, Greatest Hits Vol.1, seguido de um álbum de inéditas, "Ask A Woman Who Knows", lançado em 2002.
 Natalie Cole faleceu no dia 31 de dezembro de 2015, aos 65 anos, após uma falha em seu coração causada por uma hipertensão arterial pulmonar idiopática.  
Um ótimo disco para se ter uma boa ideia da qualidade artística de Natalie é esse já citado, que vendeu 5 milhões de cópias. "Unforgetable With Love" tem 22 músicas que mostram toda a versatilidade dessa grande cantora. Seja no jazz ou nas canções americanas que são verdadeiros standarts da música internacional, Natalie se sai bem, sempre acompanhada de competentes conjuntos e orquestras. 
O encarte que acompanha o CD é completo. Tem algumas fotos de Natalie quando criança com seu pai, com sua família, na gravadora, ainda criança sendo apresentada a ninguém menos que Louis Armstrong, quando ele estava gravando com Ella Fitzgerald, que também aparece na foto e como crooner de um conjunto musical escolar, por volta dos 13 anos. O conjunto se chamava "The Malibu Music Men And Plus One". "Eu era a 'plus one'", comenta Natalie na legenda da foto. 
Além disso, o encarte traz a ficha técnica de cada música com a data em que foi gravada e com comentários da própria Natalie sobre cada uma delas.



Segue a lista de todos os 22 sucessos (e pode-se sim chamá-los de sucesso pois venderam muito pelo mundo todos):
1. The Very Thought Of You (Ray Noble)
2. Paper Moon (Billy Rose, E. Y. Harburg e Harold Arlen)
3. Route 66 (Bobby Troup)
4. Mona Lisa (Jay Livingston e Ray Evans)
5. L-O-V-E (Bert Kampferr e Milt Gabler)
6. This Can't Be Love (Lorenz Hart e Richard Rodgers)
7. Smile (John Turner, Geoffrey Parsons e Charlie Chaplin)
8. Lush Life (Billy Strayhorn)
9. That Sunday That Summer (Geo David Weiss e Joe Sherman)
10. Orange Colored Sky (Milton Delug e Willie Stein)
11. Medley: For Sentimental Reasons (Deek Watson e Willian Best) / Tenderly (Gross e Lawrernce) / Autumn Leaves (Jacques Prévert, Johnny Mercder e Joseph Kosma)
12. Straighten Up And Fly Right (Nat King Cole e Irving Mills)
13. Avalon (Rose, Johnson e DeSilva)
14. Don't Get Around Much Anymore (Bob Russel e Duke Ellington)
15. Too Young (Sylvia Dee e Sid Lippman)
16. Nature Boy (Eden Ahbez)
17. Darling, Je Vous Aime Beaucoup (Ann Sosenko)
18. Almost Like Being In Love (Lerner e Loewe)
19. Thou Swell (Lorenz Hart e Richard Rodgers)
20. Non Dimenticar (Shelley Dobbins, Michele Galdieri e P. G. Redi)
21. Our Love Is Here To Stay (Ira e George Gershwin)
22. Unforgettable (Irving Gordon Bourne) 
O disco - vinil e CD - está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_k32cze97X1QBVmFn24-l8al0BYoasDDnQ .

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Melodicamente Melodia

 Por Ronaldo Faria


Na saideira que a estradeira vida da vida traz, mais um ou menos uma tanto faz. Com Luiz Melodia a vida se enfia na melódica brincadeira que a poesia dá. Assim, na canção que transforma a forma na epiderme que cola e não desgruda, segue o tempo que a quimera não deixa acabar. Nesse universo nem Calabar irá trazer as correntes que se arrastarão em promissão pela Terra. Apenas na trama que se vai exangue há um pouco de sangue. Se alguém se consternar com o aprendiz de poeta ele é do tipo A+. Leia-se positivo. Nesse sentido, que exista sentimento para além do presságio. No deságio que o tempo dá, possamos nos promiscuir em delírios e prosseguir.
Nalgum lugar um realejo traz o som que deve ser dos dias que ainda faltam. Sobremaneira, no cataclismo que o sismo do coração dá, o fluxo de sangue se faz fugitivo nas ruas escuras que a penumbra se faz colorida nos olhos de quem busca o amor tardio ou vadio, vazio em si e no querer. Nas casas que existem em todos nós, nos nós que a vida nos dá, gente ainda acorda sem as cordas do violão e o batuque do pandeiro e segue nas ruas de paralelepípedos que o tempo plantou. Nos dias de agora, flow, o florescer de qualquer gramínea já está bom demais. Ademais, o que mais poderemos querer? Afinal, no final prosaico que cada madrugada traz, seja feita vontade do escrever sem ver.
 
II
 
No tom do chorinho que foi chorado e tragado, bebido e largado, a saideira na efeméride passageira. Um periquito a catar o futuro dos casais, acasalar de casuais encontros, os cômicos castelos que se jogam às ondas banidas. É a praça que volta com o lambe-lambe que promete revelar a foto em meia hora. Mas, nesses minutos, quem irá fotografar? E dessa forma, nas mentiras que existência nos dá, vamos a seguir seguramente o esteio que o tempo desejar. E se uma sílaba ou um acorde faltar, seja o que quiser ser. Nas brochuras de um caderno eterno, o incrédulo verso que nunca escrevemos...

sábado, 1 de fevereiro de 2025

No Dia do Poeta, Pixinguinha

 Por Ronaldo Faria


A ouvir Carinhoso, Galhardo para de beber. Entre essa música e ele há muito ou tanto a arremeter ou remeter. “Onde estará o mestre Pixinguinha? Para quem ele estará a tocar e trocar risadas, goles e emoções? Se Deus existir, ele estará na primeira fila a ouvir o mestre soprar poesia e vida?” Copo erguido aos céus, no ensandecido bordel que vira a parcimoniosa sequência da essência, um cheiro de rosa amarela perpetra no ar a ilusão que é sonhar. No lugar, clarividência de se saber que estar vivo é, num segundo, não morrer.
Galhardo, fardo de si mesmo, enfadonho e medonho no precipício das horas, sorve tragos e tragédias, comédias e únicas balburdias que existem no seu coração. Segue sem segredos, degredos e enredos no tempo que o vento traz. É ele mesmo, enfurnado num quadrado minúsculo e imenso ao sabor de um incenso. Grandiloquente e na sua pequenez profunda sonha com uma boca e sua língua, uma bunda. Na barafunda vazia, perfaz nostalgia e prepara a azia que logo virá. Se esmera na fera enjaulada e destrói as amarras enferrujadas.
Para ele, na galhardia que só a loucura traz, a noite é o que mais apraz. Talvez haja uma voz ou um jazz. Um descompassado compasso que não gira em 360 graus e nem igualmente está nos acordes da música. Nas palavras que são a lavra e o louvor, o torpor. Talvez uma esquina que a perfídia fulmina nas pernas da mulher/menina que traz angina ao coração, a chegança da trama imperfeita. Mas, analfabeto perpétuo que é, não sabe sequer o que é um pretérito perfeito. No seu jeito, na efeméride da vida, o blues vira amor singelo ou bafafá.
Galhardo, aprumado nas profundezas que misturam momentos pueris e safadezas, apenas se volatiliza na bruma que se faz. E enlouquecido na enfumaçada lua que surge esbranquiçada e fadada a servir de pano de fundo, se afunda na certeza de que nunca saberá diferenciar o sim de um não. Assim, na caminhada acobertada de vida e canduras, vai a caminhar feito zumbi. Aqui e ali, no defunto que é todo o dia que passou, segue seus passos pisados em asfalto e areia fina. Sua vida, logo que será finda, espera o colo da amada e lúdica poesia/mulher.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Entre Leny Andrade e César Camargo

 Por Ronaldo Faria


O universo que o verso no seu reverso traz é certeiro, incerto e cruel. Perfura corações, traz unções como canções, viaja em um tempo que nem o calendário sabe de onde vem. No dia do poeta, descoberto quase ao seu fim, a insana busca de nas letras reverter o drama de viver. E transformar letras e sílabas em solilóquios, monólogos, prólogos, prolixas ideias que surgem do nada, como se existisse a tal fada que junta foda com fole e faz tudo rolar. No envolver de saber ver e ser, brincar com as emoções e monções que permeiam cada cair de noite, às vozes que moram num canto qualquer deixar viajarem por meros momentos, eventos de uma concretude que nem o poema mais concreto saberia traduzir. No frigir dos ovos, transformados em óvulos de textos que brotam feito a semente que caiu sabe-se lá de onde para despertar, num vaso qualquer, o tocar de teclas para escurecer a tela branca e fatal.
O veemente aprendiz que pensa e tenta criar se entrega a mais uma etapa que tapas e trôpegas imaginações enternecem sem fim. Afinal, há fim numa encruzilhada encilhada desde a nascença para arrancar em tripas e corações as canções nunca escritas. Nas desditas infames que cruzamos a cada esquina, a derradeira chama. A estrela cadente que teima num inerte reluzir. O cheiro de bar, de lençóis esparramados e arrancados, beijos carcomidos e comidos no tempo, peles diversas e perplexas, entregues entre encontros e desencontros que não tardarão a virar poesia. Na orgia de escrever e criar, a incerteza de flanar entre a realidade e o findar. Certamente, entre a mente e a mentira de procrastinar o último suspiro, o próximo dia a descobrir que um novo porvir pode surgir. E cães desfilarão pelas ruas, pés permearão o sopro do eterno e o poeta, profeta do seu caos, descobrirá feridas que sangraram no entardecer.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Encontro no som de Donato

 Por Ronaldo Faria

 

-- Josias, você por aqui?
-- Pois e, Mané. Em copo, corpo e alma.
-- Puta que pariu, isso merece uma comemoração. Genésio, desce mais umas doze pelo menos!
Amigos de infância, essa epifania que vira infâmia com o tempo, ou tormento fugaz, os dois se esbarram num bar irrequieto com suas mesas esparramadas à vida que se esvai num vaivém ininterrupto.
-- E aí, e a Silvana?
-- Acabou. Mas foi bom enquanto durou. E você? Como está a Valquíria?
-- No mesmo. Durou enquanto foi bom.
-- Que foda, não é?
-- Não acho. Foi que tinha de ser, nem menos e nem mais.
-- É, tem razão...
Na mesa ao lado, a florista de rua, dessas que saem de casal em casal a oferecer lembranças que se possa recordar quando a solidão chegar, oferece botões vermelhos. O rapaz, na esperança de que ao menos um beijo possa rolar, aceita comprar. “Aceita Pix?” Ela, obviamente, concorda sem pestanejar. E logo sai para outro casal apaixonado encontrar.
-- E como está a vida de solteiro?
-- Meio bom. Até meio ficar mal. Depende do dia.
-- É, eu sei. Estou meio assim também.
-- Mas nada como cerveja gelada, dose da marvada e, quando o holerite vem melhor, a dose de um 12.
-- O que não é caso agora...
-- Não, não é. Mas vamos esquecer economia e política. Vamos curtir o bar, a mulherada que passa na rua, a vida. Afinal, estamos a desbundar.
-- Aceito, concordado e assinado embaixo.
E como papear, ficar na resenha ou prosear é tudo de bom, os dois viajaram na maionese, nas batatas fritas, na porção de frango a passarinho e nas garrafas cheias e vazias. Ao fundo, de fundo, no mundo d’alma, toca “Nasci para Bailar”. Vida eterna, que já é e será àqueles que o amam, a João Donato.

domingo, 26 de janeiro de 2025

Hot Jazz Club

 Por Edmilson Siqueira


 
"Começamos nesta estrada há mais de anos, quando nos reunimos pela primeira vez, mais ou menos por acaso, um pouco à mesma maneira como acontece, nos anos 1930 com o grupo que nos serviu de inspiração, o quinteto do Hot Club de France."
Assim Ernani Teixeira, o violino do Hot Jazz Club, inicia o texto do encarte que acompanha o disco Caravane, gravado em 2014. O grupo é de Campinas e é mais uma mostra da excelente produção musical da cidade, com suas centenas de bares com música ao vivo, e com a Orquestra Sinfônica Municipal e da Unicamp, além do curso de Música também da Unicamp a atraírem cada vez mais talentos e dar a eles a oportunidade de se firmarem em carreiras musicais distintas.  
O Hot Jazz Club que deve ter se formado por volta de 2004, é um desse grupos que alia talento e criatividade numa formação um tanto inusitada: violino, violão cigano, guitarra e contrabaixo acústico. 
Com essa formação, a influência maior, além do Hot Club de France, não poderia ser outra além de dois gênios da música em geral e do jazz em particular. O próprio Ernani nos revela no texto do encarte: "A longa tradição do jazz em 'soirées' dançantes em hotéis de luxo ao redor do mundo produziu o encontro de Django Reinhardt e Stéphane Grappelli em Paris, assim como fez com que nos reuníssemos em Campinas. Não foi apenas a própria instrumentalização inusitada do grupo, mas sobretudo a nossa admiração pelos patriarcas do gênero que nos levou à escolha natural do jazz 'manouche' e do swing parisiense como repertório de base".
Daí foi só juntar essas preferências a outras, como a música popular brasileira para que o som do grupo se tornasse quase único, sem perder a universalidade da música bem feita.
O disco começa com um som aparentemente antigo, tirado de um velho disco já bastante usado, com aquele chiado característico. Mas se trata apenas de uma vinheta de alguns segundos em cima de "Sandra Rosa Madalena", o sucesso de Sidney Magal. 
A segunda faixa já é um clássico da dupla Baden Powell e Vinicius de Moraes: "Samba em Prelúdio". 
As faixas seguintes estão recheadas de sucesso internacionais: "Nature Boy (Eden Ahbez); Feeling Good (Anthony Newlwy e Leslei Bricusse); "Skyfall" (Adele e Paul Epworth) e "Billie Jean" (Michael Jackson). 



As duas faixas seguintes são de dois geniais compositores brasileiros: de Cartola, "As Rosas Não Falam" e "Lamentos" de Pixinguinha, ambas com o devido tratamento "cigano" do grupo que lhes casa muito.
"Swing a La Plage", a faixa 9, é do próprio Ernani Teixeira, uma agradável surpresa, pois e trata de jazz puro acomodado dentro do estilo do grupo. Destaque para o improviso do violão.  
A faixa seguinte é de inspiração clássica. O grupo foi buscar o primeiro movimento do "Concerto em Ré Menor" de ninguém menos que J. S. Bach para traduzir em violino, violão cigano, guitarra e contrabaixo. 
A homenagem ao ídolo Django Reinhardt vem a seguir com "Nuages" e, na faixa 12, com "Minor Swing" (essa em parceria com o outro ídolo Stephani Grappelli). 
A última faixa do disco, "Dias em Piracicaba" é de autoria de outro membro do disco: Fernando Seifarth, que toda um dos dois violões ciganos. Além de Ernani Teixeira ao violino, os outros membros do Hot Jazz Club são Marcelo Modesto (violão cigano e guitarra) e Gilberto de Syllos (contrabaixo acústico). 
O CD pode ser ouvido no YouTube Music em https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_kI0y6knl-vfoeLoK_itSc9PDDC9HjM44Q  e em outras plataformas musicais. E pode ser comprado nos bons sites do ramo.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Com João Donato na cabeça e no coração

 Por Ronaldo Faria

 


Mariângela, filha de pais apaixonados por Ângela Maria, está na Pedra do Arpoador a ver mais um fim de dia que brilha no Morro Dois Irmãos. Logo o sol estará batendo forte no Japão. E lá, quem sabe, outra Mariângela de olhos puxados estará sentada em alguma pedra a ver a luminosidade chegar por detrás do Monte Fuji.
-- Posso sentar do seu lado?
O pedido, vindo de Afonso (mas só um pouco depois ela saberia o nome do rapaz), surgiu solene, quase de joelhos, não fosse correr o risco de sangrar no corte que uma ponta de gnaisse quartzo feldspático de granulação fina pudesse fazer.
-- Claro que pode. O lugar é público e o por do sol é de todos.
 
Bethânia, moça que os pais, baianos, colocaram o nome em homenagem à própria irmã de Caetano, está sentada no Ponto dos Mentirosos, a assistir o mesmo sol que morre a se perder num pedaço que o Rio Caraíva dá em majestade para a natureza plena. Igualmente, uma mulher da Austrália espera a sua chegada solar.
-- Posso sentar do seu lado?
A voz de Sérgio (mas só outro tanto depois também descobriria ele assim se chamar) soou firme e convicta ao colocar uma garrafa de cerveja na mesa e dizer que a vida era bela demais, desde que fosse vivida na sua plenitude e amplitude.
-- Claro que pode. Desde que pague a conta do que consumir depois.
 
No Arpoador, um chope depois, uma caminhada do Leme até o Leblon e conversas mil para deixar a noite chegar ao antever da madrugada que teimou numa chuva fina e o som de motores de carros e luzes de neon.
 
Em Caraíva, algumas cervejas mais, pastéis de arraias, o barulho do mar logo perto, as pequenas marolas que o rio traz. Daí, seguir para o Forró do Pelé e descobrir que não há tempo entre o tênue luar e o amanhecer.
 
Mas, maledicente, o sol resolve voltar. Mariângela e Afonso, tontos de drinques e efemérides mil, beijos tresloucados e canções que uma cidade maravilhosa traz, se despedem e pedem que a Pedra do Arpoador seja eterna e terna.
 
Na mesma forma sacana da claridade real, Bethânia e Sérgio se despem e se atiram ao mar. A água começa a misturar o sal em seu verde ao doce do rio marrom. Em volta não há nada que queira acordar. O efêmero já se tornou dono do lugar.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

A ouvir Henrique Simonetti 1955 (ou fora do bumbo 4)

 Por Ronaldo Faria


Uma orquestra traz delírios e lírios de dois anos de Zuenir (que na bem-aventurança não é o Ventura) nascer. E o CD, efêmero hoje como o rádio não o era à época, traz um som rodeado de notas que denotam o tempo fugaz. Já se vão quase 70 anos.  Há poucos lampiões a gás, mas esses povoam apenas os rincões cheios de senões e canções que envolverão o menino que daqui a pouco chegará entre choros e consolos do “creia, irá vingar”. Na rua as lotações dividem o lugar com os trilhos do trem e carros barulhentos e lentos. Homens de fraque e chapéu, mulheres de vestidos longos e coloridos, dividem o espaço com o som de Estrela D’Alva. Que lindas pastoras cantarolaram a canção que não sai da lembrança? Na festança que urge fazer as cores da vida desabrocharem, romântico e galante rapaz manda flores para aquela que crê desposará. O leiteiro larga os frascos ainda frescos à porta onde a mãe buscará para o café da manhã com cara de manteiga (margarina ainda espera brilhar integralmente às mesas de um lar). Na venda, a caderneta descansa para o lápis do português anotar o que será cobrado depois. E assim, no fulgor de diásporas e reencontros com a saudade desmedida, travestida de canções e inertes soluções, a vida segue seu rumo. Logo um rebento, arrebentado sabe-se lá de que forma, talvez à revelia da mulher que obedecia os desejos do esposo, brotará no lar, um sobrado assobradado no coração do bairro da zona à norte qualquer, chegará. Daí, e só a partir daí, um novo bumbo fora de compasso tocará até a morte.
-- Minha música, traga a túnica para o meu gim com tônica tomar...
Zuenir cambaleia, mas não titubeia. Muita coisa, acredita, ainda está por vir.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

A bossa nova começando a ganhar o mundo

 Por Edmilson Siqueira


Para quem ainda tem alguma dúvida da importância da bossa nova no mundo, aqui vai um exemplo: em 1963 um jazzista norte-americano foi tocar no Newport Jazz Festival. Era Herbie Mann, saxofonista, clarinetista e flautista. Juntou um grupo e músicos de alta qualidade, e no seu show de cinco músicas, que durou pouco mais de 40 minutos, nada menos que três músicas foram brasileiras, duas de Jobim (uma em parceria com Newton Mendonça e outra com Vinicius de Moraes) e a outra de Luiz Bonfá. 
O Festival de Newport é um festival de jazz, que começou em 1954 em Newport, Rhode Island (EUA). Em 1972, o festival aconteceu em Nova York, alternando com Newport a partir de 1982. Desde 1986 o festival passou a ser designado por JVC Jazz Festival.
A apresentação de Herbie Mann e seu grupo foi gravada na íntegra e acabou virando um LP e, depois, em 2001, um CD, que é o que eu tenho. 
Herbie Mann nasceu em 1930 e no início da carreira tocou saxofone tenor e clarineta. Sua canção mais popular foi "Hijack", que esteve durante três semanas, em 1975, como o hit dançante número um da Billboard.
Foi o mais popular flautista de jazz da década de 1960. Pesquisou a bossa nova, e até mesmo gravou no Brasil, em 1962. Incorporou música de diversas culturas em seu repertório. Ele morreu em 2003, após extensa batalha contra um câncer de próstata.
Como se vê, nesses dados colhidos na Wikipédia, Herbie já estava bem familiarizado com a bossa nova quando se apresentou no festival de jazz. Ou seja, desde a famosa apresentação no Carnegie Hall, em Nova York, a bossa nova se tornou uma música definitiva para os norte-americanos. Depois ganhou o mundo e até hoje é tocada, gravada e cantada por aí, principalmente nas rádios de jazz que, depois das facilidades da internet, se espalharam pelo mundo e podem ser ouvidas em qualquer país.
 


A primeira música do show foi "Soft Winds" (Fred Royal e Benny Goodman), alegre e com marcante percussão, se aproxima dos sons latinos a que estamos mais acostumados, ficando ali entre um bolero bem-marcado e um mambo. Destaque para o show de marimba de Davi Pike.
Já a segunda faixa se transformou numa interpretação clássica do clássico de Tom Jobim e Newton Mendonça - "Desafinado". Durante muito tempo ouvi na rádio TSF Jazz, de Paris, o início dessa música numa propaganda da própria rádio que dizia haver ali o melhor do jazz. Tocada num ritmo muito mais apressado que todas as outras gravações dessa música, a interpretação de "Desafinado" do grupo e, principalmente da flauta de Herbie impressiona pelo inusitado sem perder a beleza melódica e harmônica.
Na terceira faixa, Herbie permanece na música brasileira. Outro clássico, desta vez de Luiz Bonfá, "Samba de Orfeu". E, apesar do grupo não ter nenhum brasileiro, a bateria e a percussão, a cargo de Bob Thomas, Wilie Bobo e o cubano Caco 'Patapo' Valdez, não fica nada a dever a um bom batuque brasileiro.
Na quarta faixa, o jazz mais tradicional se faz presente, com "Don't You Know", embora a percussão aqui também puxe um pouco para a música latina. É a faixa mais longa do disco com seus 10 minutos e 49 segundos. 
Por fim, a interpretação de Herbie Mann de "Garota de Ipanema", creditada no CD apenas a Jobim, talvez por ser só instrumental, mas isso não é comum. Talvez fosse em 1963.
Nessa última faixa, que também é longa (8m05seg), Herbie respeitou mais um pouco o andamento do clássico da bossa nova. Uma interpretação mais contida, com destaque para o violão joãogilbertiano de Atilla Zoller. Além dos músicos já citados, estão acompanhando Herbie, Don Friedman no piano e Ben Tucker no contrabaixo. 
O meu CD é importado. Não encontrei no Mercado Livre, só na Amazon, mas a preços abusivos (mais de 600 reais). No YouTube há algumas faixas dispersas. Ou seja, não dá para ouvir na íntegra, mas se você encontrar por aí, a um preço razoável, pode comprar que é coisa fina.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

No mundo fora do bumbo 3

 Por Ronaldo Faria


A gentil Bixby desliga o celular depois de perguntar docemente se era isso que Pafúncio queria. Era? Talvez sim, talvez não. Mas ele disse que sim. E o aparelho silenciou. Por fim, silêncio sepulcral. Pafúncio vivia num lugar tão longe e ermo que nem entregador de aplicativo passava ali. Vez ou outra um pássaro perdido do bando resolvia pousar numa árvore despetalada de lá. Mas era raro. Quase bizarro. Contudo, Pafúncio não ligava para isso. O importante nesse instante era pensar em Maria, amada que na sua fidalguia não dava espaço para em seu mundo vassalo entrar.
Como Pafúncio amava Maria, a primeira na primazia e tardia na paixão... Na devassidão que a vida dá, entre a calmaria e a orgia, lembrava de dias passados e travessias em rios, mares e pinguelas. Se deliciava de noites entre lençóis e falsos sóis que despertavam o casal para na madrugada se amar. E vinha a ele o sabor da saliva da amada, um penetrar desbragado e louco, acariciar pleno de doidivanas tramas e ensandecidas chamas. Tudo como Nostradamus, vidente que previa tudo de forma tão maluca e insana que a tudo cabia sempre, teria dito: “Num continente qualquer, em qualquer época do mundo um homem e uma mulher se amarão de tal forma e jeito que nem o mais perfeito amor poderá traduzir”.
Um pedaço de unha que teima em nascer no canto do dedo separado do todo lhe irrita sobremaneira. Com cortador à mão, Pafúncio cata o pedaço ínfimo e infame e o corta. Apóstata de si, volta às lembranças, andanças em dias de Carnaval, fugas em ruas pequenas onde se esconde abaixado no carro para que Izak, judeu de quipá, quiçá não o visse. Para ele, na imensidão que a solidão dá, o importante era viver o silêncio, a discrepância atlântica entre dois continentes que a vida separa. Moldar amarras, criar reentrâncias que possa caminhar e traçar. Pafúncio, no furdunço da felicidade errática, pratica o lembrar que não o faz esquecer de que a vida é também navegar contra a tormenta. Pensa em religar o celular, mas desiste. Riste, em chiste, no ar existe apenas a pena de bater fora do bumbo que sua escola esqueceu na avenida no descalabro de desfilar para um desfile sem par.
 
(Com o som de Aécio Flávio e Orquestra de Cordas num tributo ao Chico Buarque)

Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito

 Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...