Claro que o Natal ainda está longe, mas boa música, mesmo que os temas sejam natalinos, não tem tempo certo para ouvir.
No Brasil não chega a ser uma tradição, mesmo porque há poucos (e boas, por sinal) músicas que versam sobre uma data específica. Duas se destacam por aqui, embora pudesse haver muito mais músicas sobre eles: são as músicas de Natal e das festa juninas. Se houvesse mais, talvez tivéssemos mais cantores se entusiasmado e gravado discos específicos com esses temas.
Já nos Estados Unidos é uma tradição. Quase todos grandes intérpretes fazem, no meio ou no fim da carreira, um disco de Natal. De Sinatra a Bruce Springsteen, muitos não deixaram a tradição passar em branco.
E um dos discos mais belos só com temas natalinos é da grande pianista e cantora Diana Krall. Seu disco comemorativo tem o título tradicional, que muitos artistas usaram: "Christmas Songs".
Lançado em 2005, o disco marca a primeira incursão de Diana Krall em um álbum inteiramente dedicado ao repertório natalino, pois ela já havia incluído canções de Natal em projetos anteriores, mas nunca havia se debruçado sobre um conjunto completo de standards festivos. Aqui, ela abraça o espírito natalino com a mesma atenção ao detalhe, sensibilidade e swing que caracterizam toda a sua discografia.
E pra deixar a coisa melhor ainda, o álbum conta com o suporte da The Clayton/Hamilton Jazz Orchestra, um dos mais respeitados grupos de big band da cena contemporânea. A presença dessa formação confere ao disco um ar clássico, remetendo à tradição dos registros natalinos de cantores como Frank Sinatra, Ella Fitzgerald e Nat King Cole. Ao mesmo tempo, o trabalho mantém a assinatura pessoal de Krall, com arranjos refinados e interpretações que equilibram calor, sofisticação e um toque de intimidade.
O repertório é composto por 12 faixas, todas retiradas do cancioneiro natalino norte-americano, com direito a momentos de puro swing, baladas românticas e passagens que evocam o espírito caloroso das festas.
A produção do disco é assinada por Tommy LiPuma, colaborador frequente de Krall, que mantém o equilíbrio perfeito entre a grandiosidade do big band e a clareza da voz. A qualidade sonora é impecável, captando tanto o calor dos metais quanto as nuances mais sutis do piano e da interpretação vocal. Não há excessos: cada instrumento ocupa seu espaço, e a mixagem favorece a fluidez e a coesão do conjunto.
Um elemento que torna Christmas Songs especial é a forma como ele une a tradição e a personalidade artística. Ao mesmo tempo em que respeita as versões consagradas das canções, Krall imprime sua marca: um fraseado levemente atrasado em relação à batida, a escolha de tempos mais relaxados e a sutileza interpretativa que a diferencia. Não é apenas um disco para embalar ceias e reuniões familiares; é também um trabalho de jazz sólido, que, com certeza, pode ser apreciado em qualquer época do ano.
E essa união da atmosfera natalina com a qualidade musical de alto nível motivou muitas críticas positivas ao disco que, como era de se esperar, foi muito bem sucedido comercialmente, alcançando destaque nas paradas de jazz e vendendo bem durante vários anos consecutivos nas festas de fim de ano.
"Jingle Bells" (James Pierpont), que abre o disco, ganha uma interpretação vibrante e cheia de swing. O arranjo de Mandel traz sopros bem definidos, um ritmo contagiante e a voz de Krall brincando com o tempo.
"Let It Snow" (Jule Styne e Sammy Cahn), a segunda faixa, mantém a energia e o clima de festa. Diana Krall parece se divertir, usando pequenas pausas e variações rítmicas para dar frescor a um clássico tantas vezes regravado.
"The Christmas Song" (Meo Tormé e Robert Wells) é o momento mais aconchegante do álbum. A interpretação é intimista, quase como um sussurro, lembrando as gravações de Nat King Cole (a quem ela já homenageou num disco sensacional), mas com um toque pessoal: um fraseado levemente atrasado e acordes no piano que aquecem a música.
Na quarta faixa, "Winter Wonderland" (Felix Bernard e Richard B. Smith) Diana Krall acelera o passo, explorando o swing do big band. Os sopros brilham mais e há um diálogo divertido entre a voz e a seção rítmica. É uma faixa que mostra sua habilidade de se integrar à orquestra sem perder protagonismo.
"I’ll Be Home for Christmas" (Kim Gannon, Walter Kent e Buck Ram) a quinta faixa, marca uma das interpretações mais emotivas do disco. O andamento lento e os arranjos minimalistas valorizam a melodia e a letra, evocando a saudade e o aconchego das festas passadas em família.
"Christmas Time Is Here" (Vince Guarakdi e Lee Mendelson), a sexta faixa, é a canção imortalizada pelo especial de TV "A Charlie Brown Christmas" e aqui ganha um tratamento jazzístico refinado. Krall mantém o ar melancólico da melodia, mas acrescenta acordes ricos no piano, dando um sabor único à despedida.
A faixa número sete, "Santa Claus Is Coming to Town" (J. Fred Coots e Haven Gillespie) é um dos pontos altos em termos de energia. A bateria de Jeff Hamilton dá o impulso certo, enquanto os metais acentuam cada frase. Krall canta com malícia e humor, transformando a canção em um número de jazz cheio de personalidade.
A seguir temos "Have Yourself a Merry Little Christmas" (Ralph Blane e Hugh Martin). É uma das interpretações mais tocantes do álbum. O fraseado é introspectivo, e o arranjo, sutil, deixando cada palavra respirar.
A nona faixa é preenchida por uma música digamos, obrigatória em álbuns natalinos. Trata-se da clássica "White Christmas" (Irving Berlin) que recebeu uma leitura límpida, com atenção ao texto e melodia. Krall opta por um clima de respeito, com timbres de sopros reminiscentes das big bands dos anos 40.
"What Are You Doing New Year’s Eve?" (Frank Loesser), um tema que se refere à virada do ano e é celebrada em tom romântico e sonhador. Diana Krall mantém o ouvinte próximo, quase em confidência, enquanto o piano e a orquestra se entrelaçam em harmonia perfeita.
"Sleigh Ride" (Leroy Anderson e Mitchel Parish) é uma música divertida e ritmada, evocando imagens cinematográficas de passeios na neve. O arranjo permite que o piano de Krall apareça mais, com frases rápidas que lembram o ragtime.
O disco se encerra com "Count Your Blessings Instead of Sheep" (Irving Berlin), que é uma balada delicada, que foge do óbvio repertório natalino e que Krall interpreta com sensibilidade, sustentada por arranjo suave e espaçado.
Se algum fã de jazz torce o nariz quando ouve falar de disco com canções natalinas, esse álbum desmistifica esse comportamento. Trata-se de um grande disco, com produção impecável, repertório selecionado e que nada fica devendo a outros grandes discos de jazz.
O CD está à venda nos bons sites do ramos e pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=QcGW4aQNA9k&list=PL2bmVPQajM7bWYRz5a6NHq1ZxJbpn7_ij .