domingo, 30 de março de 2025

Clima de jazz

 Por Edmilson Siqueira


 O disco se chama "Jazz Moods", o que pode ser traduzido para "Clima e Jazz" ou algo parecido. Só que o conteúdo é de jazz puro, o que, obviamente, cria muito mais que um clima para se ouvir grandes instrumentistas. 
E são grandes mesmo. Olha só a seleção das 12 faixas: Stan Getz, Dave Brubeck, Stephanie Garappelli, Kai Winding, Gerry Nulligan, Dizzie Gillespie, Phil Woods, Winton Marsali, Chick Corea, Gary Burton, Art Blakey & The Jazz Messengers e Michael Urbaniak. Só cobra criada, como diria Adelzon Alves no programa "Amigo da Madrugada", lá na Rádio Globo do século passado. 
Convenhamos: juntar um time desse num só disco já é uma façanha. Infelizmente, a única informação do pobre folheto do CD que tenho, é que todas as gravações foram produzidas pelo RTV Communications Group, da Flórida (USA). E o CD é inglês. Ainda bem que a lista das músicas traz os intérpretes, compositores e onde e quando foram gravadas. 
Assim, é possível saber que a primeira faixa - "Autum Leaves"  e apresentada por Stan Getz - é de autoria de Kosma, Prevert, Mercer e Parsons e foi gravada ao vivo num Concerto na Riviera, em Cannes (FR) em 23 de janeiro de 1980. Acompanharam Getz, Andy Leverne, Brian Bromberg e Chuck Loeb. E, como praticamente todas as outras faixas, se trata de um clássico, inclusive essa versão de Getz, que, digamos, viralizou à época, quando esse verbo só era usado em relação a perigosos vírus. 
 


A segunda faixa fez parte de um disco histórico de Dave Brubeck: "Blue Rondo" (Brubeck) e essa gravação também foi feita ao vivo, no mesmo local da primeira faixa, só que três anos e cinco dias depois. Brubeck se apresentou com Chris Brubeck, Rabdi Jones e Bill Smith.
Em seguida aparece Kai Winding, com Frank Strazzeri, Kevin Brandon e Ted Hawke numa gravação de estúdio, realizada em Hollywood (CA) em primeiro de setembro de 1977. Se o grupo não é muito conhecido por aqui, a música é. Trata-se de "Morning of the Carnival", a nossa Manhã de Carnaval de Luiz Bonfá e Tom Jobim. Preciosa gravação, diga-se.
O grande Gerry Mulligan vem a seguir, com "Applecore 6.16" dele mesmo. O time que o acompanha é dos mais respeitáveis: Lionel Hampton, Hank Jones, Bucky Pizzarelli, George Duvivier, Grady Tate e Candido Camero. 
Dizzy Gillespie, que dispensa comentários, é o dono da sexta faixa, "Slewfoot" (Bland). A gravação não tem data nem local, mas as palmas no fim (se não foram acrescidas) revelam uma gravação ao vivo. E no palco estavam outros 14 músicos fazendo a cozinha toda para o sopro majestoso de Gillespie. 
"Caravan" (D. Ellington, Tizol e Mills) com Phil Woods pede passagem na sétima faixa.  O grande saxofonista do jazz está acompanhado aqui de John Fosset, Marc Fosset e Louis Bellson. A faixa foi gravada já num estúdio digital em Ohio (USA) em 22 de setembro de 1987.
 


O estudioso da história do jazz, grande trompetista e diretor da Jazz at Lincoln Center Orchestra em Nova Ypork, Winton Marsalis, se incumbe da mais que clássica "My Funny Valentine" (Rodgers e Hart) na oitava faixa. Com um time excepcional - Bobby Watson, Billy Pierce, Charles Farnbrough, Jimmy Willian e Art Blakey - a música foi grava ao vivo no Bubba's Restaurant em Fort Lauderdale, na Flórida em 11 de outubro de 1980. 
O Concerto de Riviera, em Cannes, é o responsável por mais uma faixa do disco. Gravada também em janeiro de 1980 (não há registro do dia), "Moment's Notice" (John Coltrane) nos traz ninguém menos que o grande pianista Chick Corea, acompanhado da Oliver Jackson Orchestra.
 A décima faixa - "African Flower" (D. Elington) ficou para Gary Burton com seu vibrafone, acompanhado de piano, bateria e contrabaixo nas mãos de Ahmad Jamal, Sabu Adeyola e Payton Crossley. Também gravada no Concerto da Riviera em Cannes, em 26 de janeiro de 1980.
 A décima-primeira faixa ficou com Art Blakey & The Jazz Messengers. Trata-se de "A Wheek Within A Wheel" (Watson). Na gravação, também em 11 de outubro de 1980 na Riviera, os "jazz messengers" de Blakey foram Winton Marsalis, Billy Pierce, Jimmy Willians, Charles Farnbrough e Ellis Marsalis.
 E, por fim, a última faixa, a mais recente de todas, gravada em 1993, no Village Vanguard, é com polonês Michal Urbaniak. Violinista, saxofonista, compositor e arranjador, ele toca "Softly As In A Morning Sunrise" (Romberg e Hammerstein), acompanhado de piano, bateria e contrabaixo de Mike Gerber, Ron Carter e Lenny White 
 Enfim, trata-se de um grande disco, com músicos e repertório excepcionais. Não encontrei no YouTube para ouvir de graça. Mas há alguns exemplares à venda no Mercado Livre.

sexta-feira, 28 de março de 2025

À Justiça quase tardia

 Por Ronaldo Faria


Rolou a tal determinação de julgamento. Agora o jumento, cansado e manco de tanta espera, poderá ver a carroça pelo homem se levar. A justiça, antes tardia do que nunca, em manchetes e preces lúdicas e sofridas far-se-á. Gregos e troianos juntarão exércitos para cantar na praça a prosaica canção de almas lavadas e renovadas, enxaguadas quiçá. Crenças enxovalhadas às milhares de mortes conspurcadas e jogadas a sete palmos servirão de aplausos tardios, mas vindos por fim. Bem vindos. A história, essa senhora tantas vezes entregue ao nada, tragada por páginas mal escritas ou proscritas, até riu discreta e soberba ao saber o desenrolar. Ao derredor de tanta dor, condoída e torpe a estátua estática tira a venda que a cega e se entrega ao clamor geral. Coisa de tempos antes que já sofrem de artroses por tal esculacho. Num planalto seco e distante, entre ecos e outros tantos, o calendário marca o tempo em que se escreverá nos capítulos dos livros de História, em homenagem a Capitu, “perdeu, Mané”.

quarta-feira, 26 de março de 2025

Qualquer hora e nada será como antes

 Por Ronaldo Faria


-- Saravá, mizifio!
-- Saravá.
-- O que suncê quer?
-- Nem eu sei, minha mãe. Estou que nem barco em maré: sem areia, chegada e nem pé.
-- Aí é ruim...
-- Eu que o diga.
-- Mas e a fé? Tá junto?
-- O que é fé? Se for esperança, há muito já perdi.
-- Pode ser esperança ou pode ser lembrança. Lembrança de coisas boas, tardias de riso à toa.
-- Sei. Então até isso está difícil.
-- Pense que ao menos você ainda está aqui pra falar, ver, andar, respirar.
-- Só que tudo bem pouco e quase nada.
-- Mas é do pouco que vem o muito, mizifio. Pensa nisso. E saravá. Que Oxalá esteja contigo.
-- Saravá! Vou rezar pra isso.
Francisco levanta e sai do centro a deixar a cantoria e os atabaques para trás. Sai pelo portão e chega à rua. A chuva cai fina, quase nenhuma. Mas o asfalto, já molhado, brilha nas luzes que o poste traz e proseia com as poças que o tempo faz. O cheiro de alfazema e sete ervas toma conta do lugar. Devagar, segue entre as árvores que trazem abrigo. Uma ou outra marquise também alivia o cair de pingos que aumentam a cada passo. Mas, como diz o ditado, na chuva há que se molhar. Nesses dias em que a vida é, melhor com as intempéries não brigar. Logo encontrará um bar. Irá entrar, puxar uma cadeira, sentar, pedir a gelada e se deixar levar. Certamente o destino não desatará, mas, aos poucos, com uma porção de costelas de porco, o afoito e louco sofrer irá tentar sumir um momento só para não perder de vez o corpo que o carrega para todo o lugar.
 
II
 
-- Que família mais linda! Parabéns, Zefa. Fosse comercial de margarina não poderia ser mais bonita. É muita boniteza demais! Além da conta.
-- Obrigado, Pafúncia. A sua também é muito linda.
-- Para, Zefa. A minha não chega nem aos pés da sua. Ela é só sorriso e ternura. Se tivesse concurso de família, a sua seria o Clóvis Bornay. Ia desfilar só pra ser hors-concours. Mas, tudo bem. Quem tem, tem. Borogodó e fashion.
-- Não é tanto assim.
-- Pelamor! Querida, você não nasceu com a bunda pra lua. Nasceu com a bunda, o peito e o dedão do pé. Deixa de querer ser humilde. Não faz que nem a Gertrudes...
-- Tudo bem, Pafúncia. Aceito os elogios. Quer mais um champanhe?
-- Amiga, e eu vou desprezar uma francesa legítima pra tomar? Nem morta!
Sentadas nas cadeiras à beira da piscina onde uma competição de veleiros poderia acontecer sem problema, as amigas acendem um Gitane tradicional e que grita em francês quando o fogo do isqueiro Cartier, o queima: “Me brûle, mais fais-le avec amour”.
-- Rodrigo, me traz outra garrafa de champagne Louis Roederer Rosé Vintage, mas a da safra 2013. Não vá errar. Desça na adega e se certifique que é de 2013.
-- Sim senhora, madame.
-- O quê? Fale direito, pra Pafúncia ver.
-- Oui, madame...
-- Agora sim. Pode ir. E passa na cozinha e diz para Beatriz trazer uns petiscos de caviar e salmão.
-- Oui, madame...
-- Zefa, como você mantém um serviçal que se esquece de falar francês?
-- Ele é bonzinho, Pafúncia. E sabe que essa gente, honesta, está difícil de encontrar. Você demite um e não encontra outro em cem.
-- É verdade. Uma tragédia total. Fosse em Mônaco, não seria assim.
-- Mas deixa pra lá. E Clarêncio? Quando volta dos Alpes?
-- Amiga, nem te conto...
Aos poucos a noite vai chegando e se aconchegando na mansão que descansa num bairro jardim. As duas vão se abrigar perto da lareira e sorvem agora um Bollinger Special Cuvée acompanhado de ostras de Coffin Bay e trufas brancas de Alba. Não se ouve um barulho externo sequer no inebriante lugar. No alto da serra, com vidros blindados e antirruído, o som que rola é apenas das vozes das amigas e do show do Alok, particular.
-- Mas é isso, sua família é o baobá...
-- Pafúncia, você é hilária!
-- Vamos tomar. Alok, toca Raul!
 
III
 
-- Saudade da Dona Ivone Lara. Se samba tem clássicos, um desses clássicos vinha de lá, daquela mulher, devagarinho.
-- Pode crer. Essa era uma dama do samba.
Zé Emerenciano e Mestre Jardel fazem uma resenha forte na birosca sob a escuridão quebrada por uma ou outra lâmpada de poste que resistiu aos tiros da milícia, do tráfico e dos alemães que passam pelo lugar.
-- E o Flamengo? Viu a lambada que ele deu nos gringos que vieram aqui no Maraca?
-- E não... Não fui lá porque a grana está curta, mas vi pela tevê. Nosso time é foda. O tal de Tite se tivesse levado o Mengão nas duas Copas, hoje seria heptacampeão.
-- É verdade. Mas tudo tem esquema. Você acha que a imprensa, os empresários, os outros clubes, a CBF teriam aceitado? É claro que não. Foda-se a seleção. O que conta é o cifrão.
-- O pior é que é verdade.
Do lado de dentro do balcão, o espanhol nascido em Portugal faz o sinal para saber se a dupla da Agremiação e Escola de Samba Baba de Quiabo e Camarão quer mais uma garrafa.
-- E precisa perguntar, Manolo? Manda logo ver!
-- Mas traz aquela que você ia levar pra casa e tomar com a cumparsita.
O calor de outono que pensa ser verão atrasado traz uma brisa mansa e amiúde. Os copos, suados de gotas de prazer, transbordam pela mesa de plástico. No morro hoje, ao menos, não há um morto novo. As estatísticas, imprecisas e sisudas, ficarão paradas. Talvez um marido espanque a mulher, ela o denuncie à polícia, uma criança morra de desnutrição, um ou uma qualquer perca seu emprego de salário mínimo e ínfimo. Mas qual, ali todos estão acostumados no abandono e esquecimento. Por outro lado, também, alguém subirá sua casa de alvenaria com dez sacos de cimento. Fará a sala, o quartinho e o banheiro. E um amor gostoso e verdadeiro irá rolar. Olhares irão se cruzar. A mãe pedirá para o filho ter cuidado a ir e quando voltar. A vida continuará em pandeiro, destino e tamborim. Afinal, no final das contas que não fecham, tudo apenas irá se repetir. Logo, pra que dar piti?
-- Na epifania da vida, pitaco só dá quem tem saída!
-- Bonito, Mestre Jardel. Podia ser enredo de samba. Já imaginou o senhor a comandar a bateria com um samba assinado junto?
-- Zé, você já bebeu demais. Manolo traz a conta!
Refeita de emoções e coberta de risos bons, os dois amigos sobem o resto da rua para se guardarem nos recintos devidos.
-- Boa madrugada, Mestre Jardel. Que os deuses nos deem a fidalguia da porta-bandeira e a beleza da passista na avenida. 

IV

 -- Onde tem quizumba? É só dizer que eu desço a navalha!
-- Calma, João Exu. Não é quizumba. É quizomba. É festa!
-- Aí então, se otário se fizer, dou navalhada na testa.
-- Tudo bem, a gente sabe. Mas fica na sua, fica bem.
João Exu, como o nome diz, era filho do senhor das ruas. Mas quem disse que essa entidade é do mal? Ao contrário, ela traz a paz para as encruzilhadas. Põe ordem nas demandas e arruma e destranca as vidas que estão em dívidas com trancas antigas e nuas. É o rei das noites e madrugadas infaustas e rotas, causticas e tronchas. Aquele que bebe com os solitários, os sonhadores e flagelados perdidos pelo dia a dia. Quisera todos fossem como ele. Com certeza a vida seria uma festa sem hora pra começar e nem momento de acabar. Sequer haveria um novo Calabar. Só o bom e ritmado som de macumba.
-- Você vem com a gente?
-- Vou ver. Talvez sim, quem sabe não.
-- Então desce essa branquinha e decide. O busão já está no horário.
-- Tudo bem, vamos lá.
Subiram os quatro, pagaram a passagem, cruzaram a catraca, deram boa noite ao motorista (para alguns chofer) e sentaram no fundão, perto da porta de descer. Viram as ruas e avenidas, esquinas e faróis (para outros semáforos) passarem. Vez ou outra, o ônibus para num ponto e sobe gente e desce gente. Uns mais e outros menos.
-- Chegando lá, é entrar na prosa, na troça e deixar rolar a vida. Se deixarem no palco, damos uma cancha.
-- Se a resenha mudar de lugar e os caras deixarem o bicho pegar, eu retalho meia dúzia.
-- Calma, ninguém vai entregar ninguém. João Exu, relaxa.
No ponto desejado o quarteto desce. O som do pagode cresce e o cheiro de manga rosa permeia a madrugada. Não dá cinco minutos e eles estão na folia. Afônico, o partideiro convida o Trio Candura pra dar uma deixa. Carlão da Cuíca pede a João Exu que fique na mesa a beber e curtir o que é raiz. Mas, enquanto o furdúncio se esmera, o cabra da mesa recebe Juliana e a vê sentar. Entre vozes e algozes que tiveram a sorte de não ter as gargantas decepadas no amanhecer, o casal se acasala ali mesmo, sem medo de ser feliz. Num canto, sentado solitário na mesa cercada de garrafas vazias de cerveja, o criador da história ri de quem achava que tudo ia acabar em tragédia. João Exu e Juliana hoje têm cinco filhos – três garotos e duas meninas – e vivem felizes no bairro do subúrbio que Deus lhes deu. Ele é segurança de supermercado e nunca em ninguém sequer bateu. Ela é confeiteira de festa de casamento, batizado, bodas de ouro e velório. Ao derredor, só existe o verdadeiro amor...
 
V
 
-- E a agamia? Você viu? Está se tornando preponderante no mundo jovial.
-- Eles não estão errados. Fosse eu nos tempo atrás, devia ter seguido isso aí. Mas nem sabia que isso existia. Também, quem mandou ser admirador de Vinicius de Moraes...
-- É isso. Que merda termos nascido há quase 70 anos. Vivíamos num turbilhão. O mundo dos anos 50/60 vieram pra foder geral. Deixaram um sabor de mudança e levaram milhões de jovens pelo mundo a sonhar que podiam tudo transformar. E muitos despirocaram, morreram em combate ou calabouços, viajaram para sempre em doses de heroína e LSD. Enfim, morreram ou ainda morrem hoje na crença do planeta justo e solidário.
-- Ou seja, um bando de otários.
-- Não. Um monte de poetas, apaixonados pela vida e solitários. Gente a se reverenciar e eternizar no que possa ainda existir de bom nessa bola que roda sem parar.
-- É verdade. Logo, que a agamia conquiste mais gente para sofrer involuntariamente em si, sem proliferar o desamor àqueles que ainda acreditam que dois é mais e melhor do que um.
-- A Terra agradecerá, ou não...
Nas caixas de som, agora, Marisa Monte diz que a melodia é doce nas noites de luar.
-- O pernoite é cem reais. No crédito ou no débito?
O casal em questão, não os amigos de bar, nu e entrelaçado, laçado no desejo saber-se-á por que, vai contra as pesquisas e estatísticas. Apenas se ama e proclama ao mundo que tocar, alisar, acarinhar e, até, penetrar, ainda é o melhor lugar a estar.
-- Quer saber: foda-se essa tal de agamia! Como diriam no passado, eu quero é rosetar.
Na portaria do motel, a atendente diz ao senhor vestido com a camisa da seleção que lá não é lugar de trazer um jumento.
-- A Zoonoses é quase aqui do lado. Se o senhor quiser, eu posso ligar lá.
O homem dá marcha à ré e rumina algo que não dá para entender. No quarto, o casal num gozo igual pede mais outro balde de cervejas para beber, viver e bebemorar.
 
(No fim tudo vira Leila Diniz)

terça-feira, 25 de março de 2025

Dois gênios do sopro juntos e misturados

Por Edmilson Siqueira


John Coltrane e Miles Davis estavam no antológico "Kind of Blues", uma das obras máximas do jazz. E, claro, não estavam ali por acaso: eram gênios notórios, cada qual no seu instrumento. 
Mas "Kind of Blue" foi uma espécie de ápice do encontro desses dois. Antes, eles já tinham gravado muita coisa boa na Columbia. Pois o disco "Miles & Coltrane" da série "Columbia Jazz Masterpieces" junta diversas gravações dos dois: duas de 1955 e cinco de 1958. E os dois estão muitíssimos bem acompanhados, com Julian "Cannoball" Adderley no sax alto; Bill Evan no piano; Paul Chambers no baixo e Jimmy Cob na bateria. Todas as gravações de 1958 são com esse time. Já as duas últimas do disco, gravadas em 1955, não têm "Cannoball" e têm Red Garland ao piano e Phily Joe Jones na bateria.
Para se ter uma ideia mais precisa da qualidade desse disco, basta dizer que o mesmo time das cinco faixas iniciais, seria o mesmo que, no ano seguinte, estaria dando ao mundo o "Kind of Blues". Era o Sexteto de Miles Davis. E todos seus integrantes, com exceção de Jimmy Cob, tiveram grandes carreiras solos. Cob, baterista, morto em 2020, é considerado um dos grandes da história do jazz.
"Música brilhante de dois gigantes" - assim o crítico norte-americano de jazz Scott Yanow encerra um pequeno comentário sobre o disco. Antes, ele escreveu: "Além de duas seleções ("Little Melonae" e "Budo") de sua primeira sessão para a Columbia, este LP contém a apresentação completa no Newport Jazz Festival de 1958. Quando se considera que o sexteto de Davis na época incluía gigantes como o saxofonista tenor John Coltrane, o sax alto Cannonball Adderley, o pianista Bill Evans, o baixista Paul Chambers e o baterista Jimmy Cobb, não é de se surpreender que os fogos de artifício tenham resultado. Ainda assim, o poder e a motivação desta versão intensa de "Ah-Leu-Cha" são uma revelação, e a banda realmente balança e se estica em "Straight, No Chaser", "Fran Dance", "Two Bass Hit" e "Bye Bye Blackbird". 
 


O LP Miles & Coltrane com as gravações de 55 e 58 (as últimas gravadas no Festival de Newport) foi lançado em 1988 pela Columbia. O CD que tenho é uma edição francesa, de luxo, com três encartes, dois com informações sobre o disco e outras gravações que a Columbia tem do sexteto de Miles, e o outro é o catálogo de jazz da Columbia, dividido em 8 seções: Reedições, Fusion, Artistas Contemporâneos, Jazz Vocal, Gospel, Blues, World and Jazz e Jazz e Cinema. Trata-se de um catálogo de fazer babar qualquer colecionador, pois nas 32 páginas do dito cujo, ao invés de lista com os nomes dos discos, estão 80 fotografias das capas dos discos. E, detalhe, entre elas, na seção World and Jazz, o disco "Brasileiro" do nosso maestro soberano Antonio Carlos Jobim.
Em 1955, Miles Davis já era um músico consagrado no mundo do jazz. Coltrane ainda iniciava sua carreira. Embora tocasse antes de 1955, seus principais anos foram entre 1955 seu encontro com Miles) e 1967, durante os quais reformulou o jazz e influenciou gerações de outros músicos. As gravações de Coltrane foram prolíficas: ele lançou cerca de 50 gravações como líder nestes doze anos, e apareceu em outras tantas lideradas por outros músicos. Ou seja, foi Davis quem proporcionou a Coltrane as condições para que sua arte aparecesse. E ele se sentiu tão seguro do que queria, que recusou fazer uma turnê para a Europa logo após a gravação de "Kind of Blue". Mas Davis insistiu muito e Coltrane acabou concordando. 
Quando chegaram em Paris, Davis comprou, num antiquário, um saxofone e deu de presente para Coltrane. O que fez o músico mudar seu comportamento. Coltrane passou a excursão inteira tirando sons do sax e, nos shows, era o que fazia os improvisos mais longos e mais inusitados. O presente acompanhou Coltrane para  resto da vida. 
As músicas do disco o crítico Scott Yanow já revelou, mas vou colocá-las aqui novamente na ordem correta e com os devidos compositores:
1 - Ah-Leu-Cha (Charlie Parker)
2 - Straight No Chaser (Thelonius Monk) 
3 - Fran-Dance (Put Your Little Foor Right Out) (Mils Davis)
4 - Two Bass Hit (John Lewis)
5 - Bye Bye Blackbird (M. Dixon e R. Henderson)
6 - Little Melonae (John McLean)
7 - Budo (Miles Davis).
O CD, não a edição de luxo francesa, pode ser encontrado nos bons sites do ramo. E pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=7tIgg-zRqeM .

segunda-feira, 24 de março de 2025

Para Caetano cantar

 Por Ronaldo Faria


Caetano, tântrico ser, que bom que pôde nascer nos arrabaldes de Santo Amaro que alguém purificou. Não o fosse, na fossa que a mais inócua e iniqua fossa dá, não poderíamos andar e desandar naquilo que nem o mar denota em lá. Na nata do leite sempre haverá coqueiro e paixão. Quem sabe, também, a sofreguidão que só a imensidão de oceanos nunca navegados nos faz tragados em tragos e subterfúgios naufragados e submissão. Graças aos deuses, sejam esses quem forem, a Bahia brindou de narcisos e mutantes os instantes que a instantaneidade traz. Assim, desde a baiana que tocamos as mãos no cinema numa sessão qualquer, depois de mortos nos vermos vivos e crivos, que o mundo possa prosear as lágrimas derramadas feito vaca profana encarquilhada. Senão, no não de arrependimento que só surge no dia depois, seja feita a vontade que se traduz. Na febre imberbe que delimita os dentes que faltam na boca informal, o poeta que nunca foi normal se traduza na busca anormal. Menino talvez, à busca de alguma tez. Lúcido e herói naquilo que fez. A relembrar camaleoas que beijaram sua boca, gemeram juntas no gozo único e dormiram ao lado a ladear e alardear que o dia seguinte não tarda a chegar. E como este será? Talvez o próximo êxtase fugaz, o silêncio mordaz, a sagaz blasfêmia entre o macho e a fêmea. Efêmera, a mórbida falácia irá sublimar aquilo que nem a maior presença do mar traduzirá em palavras. Nas lavras da vida, a sórdida e mórbida paixão não nos deixe a sublimar a cadente emoção...

sábado, 22 de março de 2025

No viajar

 Por Ronaldo Faria

 


-- A parada foi para mijar. Fosse no Pravda, seria manchete vulgar...
Clemente, comunista de carteirinha, mesmo que essa esteja amarelada e cheia de datas passadas, no passadio entre a loucura e a euforia tardia, acende mais um cigarro. Logo virá o catarro que povoa os pulmões no eterno instante. Cantante no cantar sem semblante, entorna outro copo de cerveja. Que Deus (ateu que é) não o veja. Seu paraíso ainda é Leningrado.
-- Você sabe quantos companheiros tombaram num sonho? É medonho descobrir que vidas que sonhavam um novo país justo tombaram em cubículos extremos, poças de sangue vazias e marés de mares que mais não se vê.
Do outro lado da mesa, no boteco incrustrado no subúrbio escuro, o amigo ouve a olvidar que o passado possa retornar e salvar as vidas decantadas e contadas em emoções mil. Que Maria viva e povoe o mundo de mais mil Marias que lutem libertárias e vivas. Que José traga o verso da revolução à realidade e a iniquidade e miséria sejam verbos do passado. Nas mesas que povoam a sequência estapafúrdia da geometria do bar que tenta faturar mais em menor espaço, outras conversas praguejam. Num ou noutro momento, um beijo. Logo mais, quem sabe, um sexo.
-- Você já pensou que não estaríamos aqui hoje se não fosse a coragem daqueles que tombaram em prantos?
Não. O ouvinte não havia pensado nisso. Submisso, omisso e constrito, não tinha atentado para os atentados políticos do passado. Talvez cansado de locupletar, prefira apenas ouvir e tomar. Na árvore perto, uma pomba perde as últimas penas. Logo vai morrer.
-- Você sabe o que é ultimar a vida a saber que seu desejo de juventude foi extirpado e arrancado por seres vis que sequer mereciam o nome de seres humanos?
-- Garçom, traz outra vodca!
Afonso, ser limítrofe e etéreo, prefere se embriagar e “viajar” de vez do que ouvir Clemente em seu verbo histórico e estoico. Ser etílico, profilático e tardio, vive a vaticinar seu destino sem tino ou desatino. Não quer ser nada além do que já é. Afinal, sabe que logo nada será. Todos, indistintamente, o serão: pó e solidão fechada no afã que nunca existirá. À exaustão de querer ser feliz, na infausta sodomia tardia, quer apenas ter um fim, pagar a conta e sair para o seu quarto e sala. Viver seu ínfimo fim.
-- Clemente, já estou bêbado. Preciso agora só de um Uber e, quem sabe, beber em cassa minhas tragédias pessoais e casuais. Pede a conta!
Companheiro acima de tudo, ligado umbilicalmente a seus pares, Clemente levanta a mão e faz o sinal de fechou. A literatura comunista pode esperar o ouvinte voltar à normalidade. A cidade, catastrófica e utópica, claustrofóbica a jorrar nas vazias carótidas, dorme sob as luzes ergofóbicas. O garçom, expropriado e crente de que é assalariado naquilo que faz, agradece os dez por cento. Na televisão passa o tento que o goleador do time adversário faz. No fim do mês, o salário estratosférico do jogador paga centilhões de caipirinhas que o garçom nordestino de nascença deixa às mesas todo dia.
-- Já está pago, companheiro. Que a vida nos possa prover de algo mais...

(A ouvir Zeca Baleiro e outros mais)

quinta-feira, 20 de março de 2025

Mestre batuqueiro

 Por Ronaldo Faria

 


-- Bate mais forte esse repenique! O bumbo, quero ver o bumbo marcar a bateria! E essa porra dessa cuíca, não vai aparecer? A caixa! Cadê a caixa que eu não ouço? Vocês não são sambistas! São um bando de maricas! Não tocam nem pandeiro!
Mestre Pafúncio, no furdúncio do Carnaval quase a chegar, pede a nota dez para seus comandados fardados de amores de corcéis. O presidente da escola não irá aceitar outro nove ponto nove. E se ele deixar o comando da bateria, que fará?
Descompensado no compasso marcado dos instrumentos de percussão, lembra do primeiro gato que matou para seu primeiro tamborim. O bicho até que não gemeu ou miou muito. A pancada na cabeça foi certeira. Depois foi só desfilar feliz e sonhador.
Mas e agora? Na garganta dos componentes da escola o samba está afinado, mas falta à harmonia juntar samba e melodia. Falta a bateria. Sem ela no recuo, a bater com força e som de primazia, o patrono da agremiação vai ter é tão somente uma maldita azia.
-- Está bom! Está bom por hoje! E caralho, vocês são da comunidade! Cadê a identidade? Vão pra casa dormir e amanhã logo cedo quero todo mundo aqui!
Debandada feita, Mestre Pafúncio desce o morro, pega o trem e vai parar no cabaré da Firmina.
-- Pafúncio, acabou o ensaio cedo?
-- Se tivesse sido ensaio, estaria tudo bem. Foi a maior merda que já vivi. Do jeito que foi, ser rebaixado vai ser o mínimo que acontecerá.
-- Calma, Wilma vai te dar o melhor...
Wilma, dessas mulheres que qualquer homem daria a própria vida para se emoldurar na eternidade de um Toulouse Lautrec, era o amor maior do mestre de batucadas e ritmos afros. Houvesse aforismos, ela seria como aquilo que sobreviverá imortal. No seu corpo, em curvas turvas e imagens vívidas e vividas, Pafúncio já tinha se entregue mais de mil vezes. Em sedes, emoções e revezes mil. Ela era o tal porto seguro que as marés travestidas de rebentações largavam às pedras para o naufrágio final. Ele, porém, sempre voltava ao cais das pernas que anteviam lábios e se atreviam a roçar coxas e seios de mamilos cheios de amor.
-- Pá, você voltou?
-- Voltei. Quer dizer, pelo que sei eu nunca fui.
Ao som de uma vitrola genérica, feérica e desprovida de vida, os dois rolam na cama, sobem e descem em seus corpos, trocam gozos e ósculos, lambem cada pedaço de pelo que no outro houvesse. Vivem na sofreguidão. Germinam em terras calcinadas, povoam porções de palavras esgarçadas e esmiuçadas, levitam além do colchão sujo de sêmens mil. Dormiram depois entre corpos fúteis, copos úteis à sede carnal, cópulas vazias e tardias para o nunca mais. Quando o sol resolve salpicar de calor e cor de novo o lumiar do quase Carnaval, Mestre Pafúncio se levanta e volta à quadra da escola para comandar o maior ensaio que o morro já assistiu. No desfile de domingo a nota, antes mesmo que qualquer jurado escrevesse seu papel, foi aquilo que se denota na fé. Na apuração, com a bateria nota dez, o presidente e patrono, que fazia bichos sonharem os pesadelos de apostadores tristes com a perda de seus parcos dinheiros, pedia, emocionado, que Mestre Pafúncio não deixasse a comunidade. Na quadra, todos comemoravam o título inédito. Num quarto pequeno, deitada com outro homem, Wilma sabia que era ela a verdadeira vencedora. Na rua, no fio de eletricidade, uma pomba é eletrocutada na loucura da cidade.
 
(Ainda com Eduardo Gudin)

terça-feira, 18 de março de 2025

Na secura

 Por Ronaldo Faria

 


Garganta seca e cabeça cheia de picuinhas, Venâncio vê a vida procrastinar e vaticinar que ainda deve haver um lugar aonde chegar. E para tanto ele sai a procurar. Ser teimoso na prosaica metamorfose que sofre a cada dia, percorre as ruas com seus asfaltos remendados, seus passos cansados, seus parcos trejeitos refeitos de pouco ardor. Malandro de si mesmo, catatônico, parte do aparte volátil e tátil do corpo da amada perdida sabe-se lá quando, é o limite entre a morte que povoa cada veia do seu coração.
Para Venâncio, a cortar bêbado o trânsito da avenida que os carros irrompem sem pudor, o mundo virou um grande labirinto retinto de sangue e solidão. Nas esquinas onde retinas e mulheres transitam em casais, desamor e amor, surgem lampiões acesos de olhares e trevas. Nalgum lugar, no inclemente dedilhar de um violão, um homem faz a serenata que acorda o pai da amada ainda de pijama. “Seu filho da puta, são duas horas da manhã! Ou para com essa merda ou te dou um tiro.” Atrás da veneziana, a lágrima de Ana.
Venâncio, na crueldade que a maldade da separação traz, prefere continuar seu prumo a ver o rumo que a discussão irá tomar. “Afinal, cada um que busque o seu porém.” Logo mais na frente, quase defronte dos arcos que fazem um bondinho correr sobre a malandragem que o Rio desemboca em maré, irá se sentar num boteco qualquer. Na sua mesa talvez se achegue um Zé Mané. Tanto faz. Ele nada ouvirá. Banido do derredor, viverá a sua dor. Talvez quando o dia resolver renascer ele rirá da cena onde é sempre mero aprendiz.
Na imaginação que apenas os loucos profetizam em razão, a vazão banal de rimas na prosa que o coração profana a beira do infindo torpor. Em louvor, o estupor do desejo que, mesmo benfazejo, não virá. Quem sabe, porém, no último suspiro, quando tudo resolver parar, Venâncio não veja que, como diz o poeta, há um mal ainda maior do que aquele que ele vive. Sob os arcos brancos, dois mendigos mancos pedem esmolas e um teco do baseado que o casal, amofinado e já louco, tem como derradeira razão de viver.
 
(Ao som de Eduardo Gudin)


domingo, 16 de março de 2025

Nina Simone canta os blues

Por Edmilson Siqueira


Quando uma cantora tem verdadeira paixão pela música e seu talento proporciona que ela passeie com a mesma qualidade por qualquer gênero, nós somos presenteados com grandes discos. E quando essa cantora é também compositora das melhores, a coisa ainda fica melhor. É o que acontece com a gigantesca Nina Simone (1933-2003) e com essa seleção de blues que começou como um LP de 12 músicas, depois foi relançado em 1991 pela RCA/Novus como o acréscimo de 5 faixas sob o título "The Blues".
É esse CD que tenho, comprado na Hully Gully Discos. Como o Osny trabalhava (aliás, trabalha ainda) com CDs usados, esse veio com uma dedicatória que alguém fez para alguém, desejando que o presenteado (ou presenteada) tivesse "bons momentos" ao ouvir o disco. Talvez o disco não tenha caído exatamente no gosto de quem ganhou, tanto que ele foi parar na Hully Gully para ser vendido novamente. Eu comprei e, desde então, tem me proporcionado bons momentos... Outro detalhe, desta vez sem brincadeiras, esse foi o primeiro álbum de Simone pela RCA Victor, depois de gravar anteriormente pela Colpix Records e Philips Records .
Dele, o crítico de música Scott Yanow escreveu os seguintes: "A maioria das músicas desta reedição em CD data de 1966-1967, apresentando a cantora e pianista única Nina Simone acompanhada por uma seção rítmica funky (com Eric Gale e Rudy Stevenson nas guitarras e o organista Ernest Hayes), além de Buddy Lucas no tenor e gaita; algumas das outras seleções utilizam um grupo de apoio maior. Simone é a estrela em todo o material baseado em blues, apresentando versões novas e emocionais de músicas como "In the Dark" de Lil Green, "My Man's Gone Now", "Since I Fell for You" e "The House of the Rising Sun". Algumas das músicas originais de Simone lidam francamente com amor e sexo, enquanto outras protestam contra o racismo e a pobreza. Música estimulante e ainda atual." Estimulante, atual e, eu acrescentaria, de ótima qualidade como se pode ouvir nas 17 faixas.
Nina Simone foi pianista, cantora, compositora e, além disso, importante ativista pelos direitos civis dos negros norte-americanos. Ela nasceu Eunice Kathleen Waymon nasceu em Tryon, na Carolina do Norte. O nome artístico foi para que ela pudesse cantar escondida de seus pais que queriam que ela fosse uma pianista clássica. Curioso na sua vida artística é que ela queria enveredar pela música clássica e cantava jaz, blues, e rock para ganhar dinheiro suficiente para viver e estudar. Em 1964 ela se formou como musicista clássica, mas o apelo ao popular acabou vencendo. 


 
Nina interpretou canções de diversos estilos, indo do gospel ao soul, passando pelo rock e era uma respeitada cantora de jazz. Também compôs várias canções e nesse disco estão seis delas, algumas com parceiros. Foi uma das primeiras artistas negras a ingressar na renomada Escola de Música de Juilliard, em Nova Iorque. Sua canção "Mississippi Goddamn" tornou-se um hino ativista da causa negra. Fala sobre o assassinato de quatro crianças negras em uma igreja de Birmingham em 1963. Ao se apresentar em um evento militar em Forte Dix, Nova Jersey, em 1971, em plena Guerra do Vietnã, Nina Simone deu voz àqueles que eram contrários ao conflito, quando cantou um poema em que Deus é chamado de assassino, após 18 minutos de "My Sweet Lord", de George Harrison.
Nina faleceu em sua residência, enquanto dormia, na cidade francesa de Carry-le-Rouet, em 2003, após lutar por muitos anos contra o câncer de mama.
As 17 músicas desse CD são as seguintes:
"Do I Move You?" (Nina Simone)
"Day and Night" (Rudy Stevenson)
"In the Dark" (Lil Green) "Real Real" (Nina Simone)
"My Man's Gone Now" (George Gershwin e DuBose Heyward)
"Backlash Blues" (Langston Hughes e Nina Simone)
"I Want a Little Sugar in My Bowl" (Nina Simone)
"Buck" (Andy Stroud)
"Since I Fell for You" (Buddy Johnson)
"The House of the Rising Sun" (Traditional)
"Blues for Mama" (Nina Simone e Abbey Lincoln)
"Do I Move You?" (Nina Simone)
"Whatever I Am" (Willie Dixon)
"The Pusher" (Hoyt Axton)
"Turn Me On" (John D. Loudermilk)
"It's Nobody's Fault But Mine" (Blind Willie Johnson)
"Go to Hell" (Morris Bailey, Jr.)
"I Shall Be Released" (Bob Dylan)
"Gin House Blues" (Fletcher Henderson e Henry Troy)
A primera versão, com 12 músicas, dá para ouvir no YouTube (https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_n8bGWcGfrh8tucEFPShPjhbgOfVau19kQ ) e o disco ainda dá pra ser encontrado nos bons sites de venda por aí.

sexta-feira, 14 de março de 2025

Sem segredo e degredo

 Por Ronaldo Faria

Simone, homônima sem nome, passeia no seu passo pequeno como fosse aneurisma desses que a gente não espera e cega nosso fim feito fera. E derrama no enlevo dos segredos o degredo que nem o coração consegue ter. Mulher de enigmas, nascida em manjedoura em pleno cataclismo, está sempre entre amor e cismo, ensimesmada de tanto torpor e dor. 

Mulher na fé e no dissabor, parturiente de um ente que espera a paz, sublime na vastidão que o fim traz, escapa por um triz do fotógrafo que busca a foto que bate entre a realidade e os esmeris. No seu corpo, riso tosco, o fosco que ofusca o capô do velho Fusca. Decerto e na certa no próximo sinal ou semáforo haverá um amor para lhe pedir perdão e acasalamento.
Simone, clone de falácias e velozes sonhos que eclodem, segue entre livros e louvores a tracejar traços e troças àqueles que a amam em vão. Desvão de mil e milhares palavreados e rimas, sinas e sinais, desses que não se finda ou se funda nem no Monte Sinai, deixa seus olhos de amêndoa a romper bastiões e bandeiras. Nalgum momento, em desalento, o tormento irá virar brisa leve na tormenta.
E como fosse um fóssil encravado no coração dos homens que visitam a Paulista numa Paulicéia nunca destravada ou desvairada, Simone, essa insone lamúria que pousa feito pomba na plúmbea janela, se esmera na férrea linha que os trilhos de aço não dão ao chegar. E vai a jogar sua fumaça cinza e colorida na vida fragilizada daqueles que a esperam no hangar. 
Na mesmice que volatiliza a brisa da noite, fratricida no dia que o amanhã fará despertar, o largar de infaustos desejos e palavras tresloucadas e que surgem inalteradas de algum lugar. Em todas, blasfêmias que nem mesmo as fêmeas mais fragilizadas irão repetir. Ao fim de tudo, no submundo da perfídia inconsequente e ciente, sentimentos voláteis têm seu fim.

(Se alguém ainda lembrar de fitas K7, essa eu tive)

quarta-feira, 12 de março de 2025

Com Paulo César Pinheiro

 Por Ronaldo Faria

 


-- E aí, Galderio, vamos pro samba?
-- Como assim? Já estou nele.
-- De que forma?
-- Não está ouvindo?
-- Não. Ou devo estar surdo...
Ao som da alma do samba, com incenso de arruda a queimar e cerveja no copo, os amigos, na magia da vida, vão na resenha prenha a se desmanchar.
-- E aí, já esqueceu a Maria?
-- Não. Mas a apaguei dos meus dias. Trilha que vai só numa direção sem resposta, vira bosta.
-- Fez bem. Já dizia Vovó Maria Conga há 50 anos: esquece, deixa de procurar, se ela quiser algo vai sentir falta e te buscar. Senão, não era pra ser. Saravá!
-- Saravá! Eu sei. Deu certo lá atrás. Aliás, sempre dá certo. É só lembrar e seguir o coração.
-- Faça isso, meu amigo. O que a vida separa, a história redime.
Perto do lugar, rola um crime. O assalto não virou e a pipoca pipocou. Dois mortos no local e um terceiro no rumo do hospital.
-- E como está Marivalda?
-- Tal e qual a Pastilha Valda: a queimar a garganta para tentar curar.
-- Como assim?
-- Driblando os trancos nos barrancos da nostalgia e da rotina...
-- É, eu sei. Na mesmice que o sofrimento traz.
-- Ferida não fecha depois que o cristal quebrou. Só blábláblá. Nem com loteria fechada no primeiro prêmio com número cravado na milhar traz de volta a paz.
-- É foda. Quer dizer, é a foda que já não há...
-- Vacilão, traz outra garrafa trincando que essa já foi!
Na rua passa o rabecão para buscar os corpos deitados em poças de sangue e buracos de bala a vazar sem parar.
-- E aproveita traz também um lanche de presunto pra homenagear quem não terá mais o que homenagear! Logo mais vai baixar a cova rasa sem riso pra dar.
A lua, no seu vagar inusitado a ver a terra se acabar como planeta que tem que seguir, já joga olhares cheios de malícia e luz para marte. Tudo está perto de dar um match.
-- Daqui vamos pra onde?
-- Como assim? Não está bom pra você?
-- Pra mim, está. Mas não sei se pro vacilão do Zé Meleca.
-- Foda-se ele! Quem tem birosca, tem enrosco. Se não aguenta, pede pra sair e vai vender leite.
-- Tem razão. Vamos chutar o balde e a desilusão!
E assim ficaram até a luminosidade da cidade deixar de brilhar no morro. Talvez um insano e insone aqui ou outro por acolá mantêm a luz de um quarto acesa. Quiçá, um banheiro onde o bêbado ou cagão busca remissão. Talvez a reminiscência que a essência do sofrimento derrama em lamento sem fim. Mas isso só a ciência dirá.
-- Como é bom não ter o que fazer no dia de amanhã. E seja o que tiver de ser, no ensejo de ser apenas um em si.
-- Sempre. No sopro próximo, o ócio.
-- E a birita. Essa que nos deixa birutas. Para completar, só umas mil putas!
-- Putas não, moças dispostas a dividir a troça que a vida nos dá. Meio a meio, onde todos somos e podemos. E nos fodemos. No bom sentido remido.
-- Com certeza. Não está aqui quem falou! Em falsete, que venha o beijo de amor ou a perna no torniquete que o sangrar da separação deixou.
-- E línguas entrelaçadas, libidos de homens e fadas, falsas palavras que ecoam na ventania que se foi e se esvai.
-- Vacilão, vê a última que a saudade quer ultimar no corpo que um dia perto vai morrer...
Zé Meleca traz aquela branca de gelo do lado de fora e logo põe a conta na mesa pra findar.
-- Vai cobrar? Mas nem que a vaca tussa. Pendura na conta do Abreu ou fecha o bar!

terça-feira, 11 de março de 2025

Um quarteto que é uma referência do jazz

Por Edmilson Siqueira


O CD se chama "Gone With The Wind" que vem a ser a música tema do famoso filme (E O Vento Levou, no Brasil) e nele o Quarteto de Dave Brubeck mostra porque é uma das referências quando se fala do jazz moderno dos Estados Unidos. 
Gravado em 22 e 22 de abril de 1959 (Uau! Vai fazer 66 anos em dois meses), "Gone With The Wind" tem, além de Dave ao piano, o grande Paul Desmond no sax alto, Joseph (Joe) Morello na bateria e Eugene Wright no contrabaixo. Um time do maior respeito, não fossem eles que, dali a quatro meses, estariam novamente no estúdio para gravar o lendário "Take Five" (https://osmusicoolatras.blogspot.com/2022/10/o-fabuloso-time-out.html), um disco que é citado, junto com "Kind Of Blue", de Miles Davis (https://osmusicoolatras.blogspot.com/2022/10/um-disco-que-entrou-para-historia.html), como um dos mais importantes da história do jazz. 
Já escrevei sobre os dois, como se percebe pelos links acoplados, mas esse "Gone With The Wind", além de toda qualidade intrínseca, revela algo mais: era um quarteto de gênios fazendo uma espécie de ensaio soft para o que viria a seguir.
Digo soft porque as músicas maravilhosamente interpretadas, mostram uma suavidade impressionante. Não têm a exuberância que veríamos alguns meses depois em "Take Five", mas, nem por isso, deixam de encantar pela leveza, precisão e sonoridade que o conjunto de cordas, percussão e sopro, sonoramente casados, proporcionam.
Dave Brubeck teve um início como pianista digno do que se chama de gênio. Vindo de uma família musical, começou a aprender piano aos 4 anos de idade com sua mãe e violoncelo aos 9. Ele tinha uma personalidade muito forte, não era muito interessado em aprender por métodos e simplesmente queria compor suas próprias melodias. Por iss nunca aprendeu a ler partituras. Na faculdade, quase foi expulso quando um de seus professores descobriu que ele não sabia ler partituras. Muitos outros professores o defenderam apontando seu talento em contraponto e harmonia, mas a escola continuou com medo de que isso pudesse causar um escândalo, e só concordou em lhe dar o diploma se ele concordasse em nunca dar aulas de piano.
Não, ele não ia dar aulas de piano, pelo menos aulas tradicionais. Só que cada disco que gravou, ou cada apresentação que fez, foi sempre uma aula, reverenciada até hoje como o melhor que um pianista de jazz poderia fazer. 
"Gone With The Wind" abre com "Swanee River" S. Foster), uma canção que sempre esteve entre as favoritas de Dave, mas que só neste disco ele conseguiu gravar. É também o caso de "Georgia On My Mind" (S. Gorrel e H. Carmichael), a terceira faixa. Em ambas, segundo o autor do texto do encarte, Teo Macero, a gravação pode ter sido a primeira vez que tocavam essa música juntos, o que só prova a genialidade do quarteto. 



A segunda faixa, "The Lonesome Road" (G. Austin e N. Shilkret), segundo o próprio Dave, é um drama contando a história de um homem sozinho no início e que acaba tendo uma vida plena para depois voltar à solidão.
"Camptown Races" (S. Foster) é a quarta e a quinta música. Sim, o grupo gravou duas versões diferentes. A primeira com 1 minutos e 53 segundos, parece ser um ensaio para a segunda gravação, que é apenas 14 segundos mais extensa. 
A sexta música é "Short'nin' Bread" (do folclore americano, sem autor definido) e começa com um grande solo de bateria de Joe Morello que consome quase toda a faixa, com um pequeno solo de piano ao final. 
"Basin Street Blues" (S. Williams) a sétima faixa é jazz clássico apresentado por um quarteto que sabe muito bem o que faz. O sax alto e o piano conversam quase o tempo todo como velhos companheiros.
Um standard do jazz do sul dos Estados Unidos, "Ol" Man River" (O. Hammerstein II e J. Kern) é a oitava faixa. É praticamente interpretada pelo contrabaixo de Eugene Wright, com a companhia do piano e da bateria.
Por fim, a faixa título, "Gone With The Wind" (H. Magidson e A. Wrubel) que, desde que serviu de trilha sonora ao famoso filme, se tornou uma das mais gravadas por jazzistas de todos os tipos. 
Segundo Teo Macero, a ideia desse álbum, evocando memorias de Dave do Sul dos Estados Unidos, surgiu quando ele estava fazendo um tour por aquela região. Ele decidiu que gostaria de fazer um álbum com as velhas e familiares músicas do Sul, mas que pudesse agradar todas as outras regiões do país. E conseguiu, claro. 
"Gone With Teh Wind" pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=qCXxfF6znGI&list=OLAK5uy_l4sPwOu9f7TQe5Na5xZkUqfyst84dYlpo e pode ser comprado nos bons sites do ramo.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Com o Tim Bernardes

 Por Ronaldo Faria

 


No alvitre que o absurdo dá, passos desnaturados e destratados pelo ademais. Sem mais, ou menos, no ameno tempo que lá fora faz, versejemos os toscos e limítrofes momentos entre a felicidade e o compasso que mede nada a lugar nenhum. Na trena de milímetros, a trama do drama viciado em querer trepar na cama, a dois. No casuísmo que a vida fantasia, cores de amanhecer e anoitecer, todas misturadas e malfadadas na inóspita revelia. A se revelar, a certeza de que o silêncio reverbera na gérbera que cresce no quintal calcinado de dor.

sábado, 8 de março de 2025

Bastião

 Por Ronaldo Faria


Bastião pueril dessa terra atávica e trágica, feito cólica banal e carnal, que se basta feito haste de bandeira rasgada a tremular de teimosia como mula na feira sertaneja.
Na lonjura que os olhos dão a cada um de nós, nós de marinheiro para que se desatem dores que impedem flores de brotar na terra esturricada que o sol faz desabrochar.
Bastião, diminutivo de Sebastião, homem trôpego e troncho, trumbicado e andrajo, leva a boiada magra na estrada. A ele, a elegia de seguir a poeira da derradeira folia.
No estupor da finitude, entre a latitude e a longitudinal realidade, parelhas de bois em seus carros de madeira que rangem sons de saudade dão o tom voraz da imensidão.
Bastião, plausível a quem crer que a fé não falhará, pisa firme nos pedregulhos pontiagudos que separam o sertão do mar. No suor que desce, a prece ecoa a toa à chuva que cai.
Na devassa e cândida razão daqueles que se deitam para juntar corpos em cópulas e gozos, o infiel fel que a abelha não traz nas pernas para entregar o mel da sua única vez.
Bastião, plenipotenciário do anuário há muito já escrito e descrito, se desmancha na canja que Eufrásio dá no violão de catorze cordas, se é que tal instrumento possa existir.
Na madrugada devassada e transformada em fim de dor, o brilho que perpassa a luz da lua e bate no vidro sujo mostra, brilhante, que o ausente pode estar presente a sumir.

(Ainda com Gil e Caetano)

quinta-feira, 6 de março de 2025

O poeta profeta

 Por Ronaldo Faria

 


O poeta, profeta enfático e tácito de si, clama pelo coração vagabundo. No fundo, das profundezas onde as torpezas envolvem a certeza de ser a própria presa, há somente a mente que mente a si mesma de ser feliz enfim. No equinócio do princípio ínfimo que a finitude dá, eufórico prazer, a clareza de que a claridade dos faróis nada trará. Na voz da vida, entreouvida nas vozes que o som traz e agita, a agonia do desejo no ensejo de outro dia, qualquer que venha a ser ou seja, bocas e brumas de beira-mar.
O poeta, patético e feérico, frágil ser a caminhar nas estradas do que há por vir no próximo porvir, se volatiliza na palavra que o imaginário faz de extraordinário imprevisível e atávico. Nas rimas arrítmicas e lúdicas, em seus subterfúgios fugidios e trágicos, a prolixa asfixia que mata a poesia a cada dia. Talvez um resto de apoplexia, pedaço de vírgula malfadada, ignóbil maestria de viver na plena morte vazia. À sorte, nostalgia. Semente que cai num vaso qualquer e faz surgir a planta que cresce mais a cada dia.
O poeta, apóstata e profeta, estafeta que não consegue entregar a própria encomenda que nunca chegará, passeia em passos homéricos no tênis que, rasgado, sentencia que nem tudo é profilaxia, diamante ou jasmim. A enxergar o glamour que não existe e nem vem, segue horas e minutos, segundos argutos e plurais, a saber que portos no interior não aportam navios. Se muito, evocam odes plenas de frases com cheiro de alfazema, dessas que rasgam o primeiro amor nos beijos que os lábios transgridem em ser.
O poeta, clausula pétrea que a clausura da amarga servidão dá, sabe apenas que não há de ter pena em viver. Sonhar, talvez... Esperar, quem dera... Ter, ao Deus dará. Nas esquinas escondidas e lívidas, mágicas e maestrinas da insofismável sina, o rumo que outro prumo traz. Mas, em golfadas da nova realidade, diferente desse mundo, no cataclismo que o desconhecido traz, far-se-ia melhor ou igual? Entre perguntas, dúvidas e dívidas consigo mesmo, ele dedilha e encilha a fera que habita em si.
 
(Com Caetano e Gil)

terça-feira, 4 de março de 2025

Anjos em queda

 Por Ronaldo Faria


-- Há anjos decaídos?
-- Com certeza. Eles são os anjos que, ao cobiçarem um poder que está acima daquilo que podem ter se entregam às trevas e ao pecado. Por isso mesmo são expulsos do Paraíso.
-- E o que acontece com eles?
-- Sei lá. Estou longe de ser um anjo. E nem nasci para sê-lo. Vivo em total desmazelo. Não me cabe profetizar sobre anjos. Talvez, quem sabe, falar de demônios. Esses atônitos seres que vivem aos prazeres carnais e fatais.
João e José, debruçados sobre a vida e a mesa de um bar, falavam de Antenor, amigo querido que deu adeus à vida há centenas e centelhas de dias antes.
-- Você acha que o Antenor foi pro céu?
-- O que é o céu?
-- Não sei dizer direito. Mas acho que deve ser algo bom. Desses lugares que vale a pena estar. Como aqui. Eu enxergo o céu como uma grande e fraterna mesa de bar. Onde pecadores, querubins, santos e nós possamos nos reunir e contar todas as mazelas e quimeras vividas. E entre um gole e outro nos entregamos à derradeira luxúria, sem tristezas ou lamúria.
-- Até que seria bom se fosse assim.
-- Mas deve ser. Ou esperemos que o seja. Afinal, há que se pensar o melhor para, quando encontrarmos a foice do fim, sabermos que nem tudo foi tão ruim.
-- Bem pensado.
-- Mas esqueçamos da morte e pensemos na vida. Amanhã, tal que foi hoje, será outro dia. Aves acordarão logo cedo para cantar ou piar, gente estará nas conduções lotadas para enfrentar duras horas de trabalho, mais bebês explodirão ao primeiro suspiro e outros tantos seres se perderão ao derradeiro respiro. Enfim, a roda da vida a seguir o rumo no seu prumo, desde que o mundo é mundo.
-- É verdade. Um brinde, portanto, à vida!
-- Um brinde!
-- Que o próximo minuto seja o início contínuo de tantos outros muitos e os vários outros tantos muitos.
Numa casa próxima soa Tocata e Fuga em Ré Menor, BWV 565. Johan Sebastian Bach, do alto da eternidade, além de onde podemos crer ou imaginar, rege o órgão missal e um cravo. Logo mais o sol virá aplaudir a música das nuvens e, a se espreguiçar, verá que bonança chegará.

domingo, 2 de março de 2025

Stacey Kent já era ótima em 1998

Por Edmilson Siqueira


 
Nos dias 1 e 2 de fevereiro do longínquo 1998 foram feitas as gravações de um disco delicioso de ouvir, no Curtis Schwartz Studios, em Ardingly, Inglaterra. Trata-se de "Love Is... The Tender Trap" com a voz suave e delicada de Stacey Kent.
Já comentei discos dela aqui, principalmente por causa de seu amor pela música brasileira. Ela já gravou clássicos da bossa nova e tem disco com músicos brasileiros, principalmente Marcos Valle.  
Mas esse disco, apesar das inúmeras semelhanças entre a bossa nova e o jazz, é só de jazz nas 12 faixas.
Stacey Kent, à época com 33 anos (ela é de março de 1965) estava cantando muito bem e já com a devida experiência para não titubear diante de alguns clássicos do jazz norte-americano. Tanto que Jay Livingston - um compositor e letrista norte-americano, parceiro de Ray Evans mais conhecido pelas canções compostas para filmes com as quais chegou a ganhar 3 Oscars - escreveu no encarte que acompanha o disco: "É muito excitante encontrar uma jovem cantora que tem todas as qualidades das grandes do passado, qualidades às quais acrescenta seu próprio e individual estilo. Eu a ouvi pela primeira vez quando estava jantando no Hotel Landmark em Londres. Ela estava cantando com um grupo instrumental e eu me senti atraído por seu grande som no meio do jantar. E quando ela cantou a minha canção favorita entre todas que escrevi, 'Never Let Me Go', eu me levantei e fui falar com ela. Ela me deu um CD e quando eu o coloquei para tocar em casa sem o barulho dos talheres e das conversas eu percebi que ela era alguma coisa especial. Quando eu coloquei o CD para tocar, minha esposa saiu do quarto após os oito primeiros compassos e disse: 'Quem no mundo é essa cantora?' É isso que Stacey Kent faz: ela agarra você".

 
"The Tender Trap" foi apenas seu segundo disco, que já começava a cimentar uma carreira de sucesso. Nascida em South Orange (New Jersey), Stacey Kent graduou-se em literatura comparada no Sarah Lawrence College em Nova Iorque, e mudou-se para Inglaterra após sua graduação para estudar na Guildhall School of Music and Drama, em Londres. Nesta cidade conheceu o saxofonista Jim Tomlinson, com quem se casou em agosto de 1991. 
Sua qualidade artística lhe rendeu prêmios e grandes vendas: recebeu o prêmio de álbum do ano no BBC Jazz Awards, 2006, o prêmio de melhor vocalista no British Jazz Award (2001) e BBC Jazz Award (2002). Seu álbum "The Boy Next Door" foi disco de ouro na França em setembro de 2006. O álbum "Breakfast On The Morning Tram", conquistou o disco de ouro três meses após seu lançamento na França. E na França ainda, recebeu o título de "Chevalier des Arts et Lettres", condecoração do governo conferida pela ministra da cultura Christine Albanel, em março, 2009. 
No disco, Stacey é acompanhada por Jim Tomlinson (sax tenor), Colin Oxley (violão), David Newton (piano), Dave Green (baixo) e Jeff Hamilton (bateria). E o repertório, magnificamente interpretado, é o seguinte: 
- "The Tender Trap" (Sammy Cahn, Jimmy Van Heusen)
- "I Didn't Know About You" (Duke Ellington, Bob Russell)
- "Comes Love" (Lew Brown, Sam H. Stept, Charles Tobias)
- "In the Still of the Night" (Cole Porter) 
- "Fools Rush In (Where Angels Fear to Tread)" (Rube Bloom, Johnny Mercer) 
- "East of the Sun" (Brooks Bowman) 
- "Zing! Went the Strings of My Heart" (James F. Hanley) 
- "They Say It's Wonderful" (Irving Berlin) 
- "Don't Be That Way" (Benny Goodman, Mitchell Parish, Edgar Sampson) 
- "They All Laughed" (George Gershwin, Ira Gershwin)
- "In the Wee Small Hours of the Morning" (Bob Hilliard, David Mann) 
- "It's a Wonderful World" (Harold Adamson, Jan Savitt, Johnny Watson)

Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito

 Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...