Por Ronaldo Faria
-- Bate mais forte esse
repenique! O bumbo, quero ver o bumbo marcar a bateria! E essa porra dessa cuíca,
não vai aparecer? A caixa! Cadê a caixa que eu não ouço? Vocês não são sambistas!
São um bando de maricas! Não tocam nem pandeiro!
Mestre Pafúncio, no furdúncio
do Carnaval quase a chegar, pede a nota dez para seus comandados fardados de
amores de corcéis. O presidente da escola não irá aceitar outro nove ponto
nove. E se ele deixar o comando da bateria, que fará?
Descompensado no compasso marcado
dos instrumentos de percussão, lembra do primeiro gato que matou para seu
primeiro tamborim. O bicho até que não gemeu ou miou muito. A pancada na cabeça
foi certeira. Depois foi só desfilar feliz e sonhador.
Mas e agora? Na garganta dos
componentes da escola o samba está afinado, mas falta à harmonia juntar samba e
melodia. Falta a bateria. Sem ela no recuo, a bater com força e som de
primazia, o patrono da agremiação vai ter é tão somente uma maldita azia.
-- Está bom! Está bom por hoje!
E caralho, vocês são da comunidade! Cadê a identidade? Vão pra casa dormir e
amanhã logo cedo quero todo mundo aqui!
Debandada feita, Mestre
Pafúncio desce o morro, pega o trem e vai parar no cabaré da Firmina.
-- Pafúncio, acabou o ensaio
cedo?
-- Se tivesse sido ensaio,
estaria tudo bem. Foi a maior merda que já vivi. Do jeito que foi, ser
rebaixado vai ser o mínimo que acontecerá.
-- Calma, Wilma vai te dar o
melhor...
Wilma, dessas mulheres que
qualquer homem daria a própria vida para se emoldurar na eternidade de um Toulouse
Lautrec, era o amor maior do mestre de batucadas e ritmos afros. Houvesse
aforismos, ela seria como aquilo que sobreviverá imortal. No seu corpo, em
curvas turvas e imagens vívidas e vividas, Pafúncio já tinha se entregue mais
de mil vezes. Em sedes, emoções e revezes mil. Ela era o tal porto seguro que
as marés travestidas de rebentações largavam às pedras para o naufrágio final. Ele,
porém, sempre voltava ao cais das pernas que anteviam lábios e se atreviam a
roçar coxas e seios de mamilos cheios de amor.
-- Pá, você voltou?
-- Voltei. Quer dizer, pelo que
sei eu nunca fui.
Ao som de uma vitrola
genérica, feérica e desprovida de vida, os dois rolam na cama, sobem e descem
em seus corpos, trocam gozos e ósculos, lambem cada pedaço de pelo que no outro
houvesse. Vivem na sofreguidão. Germinam em terras calcinadas, povoam porções
de palavras esgarçadas e esmiuçadas, levitam além do colchão sujo de sêmens mil.
Dormiram depois entre corpos fúteis, copos úteis à sede carnal, cópulas vazias
e tardias para o nunca mais. Quando o sol resolve salpicar de calor e cor de
novo o lumiar do quase Carnaval, Mestre Pafúncio se levanta e volta à quadra da
escola para comandar o maior ensaio que o morro já assistiu. No desfile de
domingo a nota, antes mesmo que qualquer jurado escrevesse seu papel, foi
aquilo que se denota na fé. Na apuração, com a bateria nota dez, o presidente e
patrono, que fazia bichos sonharem os pesadelos de apostadores tristes com a
perda de seus parcos dinheiros, pedia, emocionado, que Mestre Pafúncio não
deixasse a comunidade. Na quadra, todos comemoravam o título inédito. Num
quarto pequeno, deitada com outro homem, Wilma sabia que era ela a verdadeira
vencedora. Na rua, no fio de eletricidade, uma pomba é eletrocutada na loucura
da cidade.
(Ainda com Eduardo Gudin)
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