quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Ele e ela, no forró

Por Ronaldo Faria


Ele e ela, Marivaldo e Lisbela, dançam agarrados e atarracados no pouco salão. Um xote descompassado se arrasta no chão que recebe as notas do sanfoneiro e no batuque do triângulo e zabumba. Longe da terra da rumba, parecem dois dançarinos de qualquer tragédia grega a se rir da flor que cai do pé de tangerina.
Ele e ela, dois a brincarem de doar o dízimo do amor, entregue a qualquer maledicente pastor, viviam seus passos a se cruzarem e revirarem pernas e desejos. No ensejo que tem mote até na onça mais ferina, subiam e desciam no céu que vive diante da retina. No rosto dele, no rosto dela, metamorfose de uma incoerente quimera.
Ele e ela, Marivaldo e Lisbela, mistura de mar e Oswaldo, Elisabeth e coisa bela, nem se lembravam de que a vida é só passagem e logo ali, noutra paragem, outra paisagem far-se-á. Com certeza, o forró não existirá, o trio que toca agora será apenas tempo frio e a melodia, ao contrário de uma orgia, pedirá fim e muita agonia.
Ele e ela, a verem jorrar água de moringa nos corpos suados, aguados nas ondas de um amor distante, equidistante ao traçado planejado do destino, vão ao desatino na rima de um chororô. Mas agora, nessa hora, o que conta é rodopiar e se atirar no mundo da ilusão. Se já são, o serão. Corpos colados, agarrados e atarracados no salão. O que virá depois? Nesse momento, unguento do amor, pouco importa o que a porta da casa de forró lhes dará. Outra vida, decerto, se tudo der certo, mesmo nessa vida finda um dia virá.
Do palco o sanfoneiro pede uma pausa para fazer xixi...
 
(Aos grupos de forró)


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