terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Ano em final

 Por Ronaldo Faria



E o ano se esvai. E corre amiúde entre dedos, olhos, sinais. Vai crente nos rastros que foram marcados, centelhas mil, saudades despedaçadas, calçadas andadas, rios que tornaram as águas límpidas, mares desbravados, portos chegados. Corpos recriados. Entre copos e cornucópias, cópias de palavras e notas, corpo a doer. Olhares trocados, copos lavados, copos entornados, cores mil. Uns dias, céu de anil. Noutros, a tempestade que chega entornada das nuvens nem sempre plácidas. Carícias proscritas e escritas, coisas esquisitas, moscas dentro do olho a voarem desbragadas. Três óculos num troca-troca que se faz quase sacanagem. À margem, cerveja benfazeja. Cogumelo azul. No interior a sonhar com a Zona Sul. Dinheiro no bolso e reembolso para qualquer louco. Sorriso promíscuo e surreal. Coisa e tal e tal e coisa então. Como pavio e lampião.

Mas o ano tem poucas horas apenas para entrar nas páginas do passado. Virar lembrança de uma dança que o par deixou de rebolar no salão em que as luzes se escondiam na penumbra da noite escura. Loucura? Só quando os olhos fecham para o sono insone. A seguir nos segundos frágeis que tentam ser minutos e horas para virarem dias e meses, o ano amuado se perde para o calendário de um tal Gregório, a que chamem de gregoriano. Carcomido e devorado, tragado e lavrado em cartório, introdutório de algo logo mais na frente, passeia ente Cartola e Candeia. Permeia a primeira ilusão que nasce da escuridão e pede para a folhinha de papel ser mel e não fel. Findo na felicidade que angustia quem não a tem, se vê perplexo a rimar música e sina.

Num atalho que ata e desata traduções e unções mil, o tempo segue milimétrico nas métricas que o tempo lhe dá. O ano, sabedor da finitude, voa de galho em galho à busca de um atalho. Na churrasqueira, pão com alho. O enxovalho que ficou para trás já procrastinou o abecedário. Poucas letras poderão medir o que ficou no passado recente. O destino agora mira o derradeiro presente. O futuro, proletário e atávico, se prepara, de branco, para caminhar na sua rota. Na gruta que chamam de grotão as palavras se perdem em negror na luz do computador. No mar as ondas se preparam para pulos de crenças e discrepâncias. Anchas, as vozes gritam que “agora vai”! Fogos espocam longe-perto, feito luzes coloridas em presto. Na janela aberta ao horizonte incólume que se vê vindouro, até diáspora se torna ouro. Num canto, quieto, 2024 se põe a chorar. 

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