sexta-feira, 25 de abril de 2025

Destino em desatino

 Por Ronaldo Faria


 
-- Passei defronte da casinha de sapé no alto da serra hoje. Foi difícil ficar em pé. Tem dia que até os santos conspiram.
-- Não sei. Acho que eles inspiram. E expurgam nossos pecados. Se é que eles existem no amor. Pra mim, não há nada a se arrepender quando o destino junta dois e decide nunca deixar largar de mão a estrada desconjurada que segue lado a lado, mesmo que em direção oposta.
-- Tudo como uma aposta da vida?
-- Acho que não. A posta do peixe que nada na correnteza contrária e pega uma calmaria ou tempestade está na mesa de qualquer jeito. Destino em desatino... não aposta.
-- Parece fácil falando assim.
-- Mas quem falou que seria fácil? Os grandes romances, os épicos, os que valeram história, livros e peças, são um enrosco só. Quase uma tragédia, não terminassem bem. Pode demorar o tempo que for, mas a coisa se ajeita. De um jeito ou de outro, tudo se ajeita. Difícil, talvez. Impossível, nunca. Feito beijo na nuca.
-- Torço por isso.
-- Não precisa torcer. Sabe aquele ditado de o que é do homem o bicho não come? Pois é a mais pura verdade. Ele vence tempo, ausência e saudade. Mas finda em chegar no lugar.
-- Espero, de coração aberto, que sim.
-- Pois será...
O casal, no seu castelo de sonhos e realidade, desses que se constrói com cada pedra de beijos longos, longas noites, longínquas falácias que a vida dá, amores de camas e sofás, pés na areia e no asfalto, entre entremeios de vozes e meios escritos de tinta em rotativas que escorrem histórias e histriônicas crônicas que só quem ama sabe contar está, a saber. Na solidão que põe os dois em portos opostos, a solicitude da atitude que deixa o tempo, em ampulhetas, sorver o que tiver de ser, até a hora chegar.
-- Quer outro vinho?
-- Prefiro um beijo, com gosto de vida...
No apartamento pequeno, largado entre outros tantos apartamentos igualmente diminutos, vivem seus minutos em fim de tormento. A paz se transborda de carícias e gozos, num unir que se mastiga feito pimenta ardida, coisa urdida para sempre ficar. De mãos dadas e entrelaçadas, na caçada de entrega ao outro, dois rostos se entreolham em olhos sedentos pelos dentes que as línguas lambem sem fim. Do lado de fora, no aforismo final, outros tantos casais tateiam as ruas escuras na esperança de que um pedaço do amor dos dois tenha escorrido pelo ralo para onde escorrem canções e unções que habitam seus corações.

(Ao som de Elis Regina)

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