domingo, 8 de junho de 2025

O excêntrico som do Manhattann Transfer *

Por Edmilson Siqueira

 

Eles começaram a jornada em 1969 e ficaram na estrada até 2023, mais precisamente, 15 de dezembro de 2023, quando, num show no Walt Disney Concert Hall, foi anunciado o fim do grupo.
Nesse mais de meio século de carreira, o grupo vocal Manhattann Transfer gravou dezenas de discos, ganhou dezenas de prêmios (vários Grammys, inclusive um com um disco só com músicas de compositores brasileiros), teve várias formações, se dedicou a vários tipos de música e marcou a música pop e o jazz do mundo com suas espetaculares vocalizações, sensacionais arranjos e uma empatia com plateias de todo o mundo.
Em 1969, Tim Hauser formou um grupo vocal em Nova York chamado The Manhattan Transfer, inspirado no romance de John Dos Passos. O grupo era composto por Hauser, Erin Dickins, Marty Nelson, Pat Rosalia e Gene Pistilli. O grupo lançou um álbum, Jukin' (Capitol, 1971), que abordava o jazz do passado, bem como os gêneros rock e country, diferentemente das versões posteriores do grupo. A Capitol Records não renovou o contrato do grupo para um segundo álbum, e o grupo se separou em 1973.
Com o correr dos anos, o grupo foi mudando sua formação por vários motivos. A segunda versão do grupo, formada em 1972, já mais ligada no jazz, era composta por Hauser, Alan Paul, Janis Siegel e Laurel Massé.
A terceira e mais comercialmente reconhecida formação do grupo ocorreu em 1979, quando Massé teve que deixar o grupo após se ferir gravemente em um acidente de carro e foi substituída por Cheryl Bentyne. Esta edição do Manhattan Transfer apresentou pop eletrônico, soul, funk e música rítmica, obtendo sucesso na década de 1980.
A quarta edição do grupo, desde a década de 1990, era originalmente composta por Hauser, Paul, Siegel e Bentyne, e tocava principalmente jazz cool e smooth. Também contava com vários membros rotativos em turnê, e o pianista veterano Yaron Gershovsky acompanhou o grupo em turnês e atuou como diretor musical. Trist Curless, originário do grupo a cappella de Los Angeles "m-pact", tornou-se membro permanente em outubro de 2014, após a morte de Hauser.
Tenho dois discos do grupo. Um é uma coletânea e o outro, motivo desse artigo, é "The Offbeat of Avenues", lançado em 1991.
Trata-se de um marco na discografia do Manhattan Transfer, cheio de sofisticação e ousadia. Neste álbum, o quarteto mergulha fundo na experimentação, incorporando elementos contemporâneos do jazz, pop, funk e música urbana, sem abandonar a assinatura harmônica que os consagrou.



Estão presentes aqui os elementos todos que fizeram o sucesso do grupo: vocalizações intricadas, fusão de estilos e um espírito de reinvenção constante. Com "The Offbeat of Avenues", dá pra dizer que eles chegaram a um novo patamar artístico, não apenas interpretando canções, mas também participando ativamente da composição — algo relativamente raro em álbuns anteriores. De fato, este foi o primeiro disco em que os quatro integrantes contribuíram significativamente para o repertório autoral, oferecendo uma visão mais pessoal e contemporânea do grupo.
A faixa de abertura, “The Offbeat of Avenues”, já revela a intenção do álbum: ritmos quebrados, vocais sincopados e uma letra que pinta um retrato urbano da vida moderna. A cidade pulsa no andamento irregular da música, refletindo as tensões e possibilidades do cotidiano. Essa abordagem também se estende para faixas como “Sassy”, que mistura swing com um groove quase hip-hop, e “Ten Minutes Till the Savages Come”, cuja crítica social sutil é embalada por uma levada quase cinematográfica.
Mas o álbum não deixa de lado a sofisticação vocal. “Gentleman with a Family” e “Women in Love” trazem arranjos intrincados que revelam o domínio técnico do grupo. A harmonia vocal é impecável, com linhas melódicas entrelaçadas como instrumentos de uma orquestra. O uso de técnicas como o vocalese — gênero em que letras são criadas para solos instrumentais de jazz — segue presente, embora com roupagem mais moderna.
A produção, assinada em boa parte por Tim Hauser e colaboradores como Jeff Lorber e Ian Prince, é marcada por um som polido, com sintetizadores, baterias eletrônicas e efeitos digitais que situam o disco nos anos 90, mas sem soar datado. O equilíbrio entre elementos acústicos e eletrônicos é bem dosado, e o resultado é um jazz-pop urbano, sofisticado e radiofônico.
Um dos grandes destaques do álbum é a faixa “Soul Food to Go (Sina)”, co-escrita com Djavan. A canção, com letra em inglês e português, traz uma batida brasileira vibrante e vocais exuberantes. É um exemplo claro da habilidade do Manhattan Transfer de dialogar com culturas musicais diversas e transformar essas influências em algo genuinamente seu. A colaboração com Djavan foi especialmente elogiada e rendeu à banda reconhecimento internacional, incluindo uma indicação ao Grammy.
De fato, "The Offbeat of Avenues" levou o prêmio Grammy de Melhor Arranjo Vocal por “Sassy”, consolidando a excelência técnica e criativa do grupo. Foi também um álbum que abriu portas para novos públicos, especialmente os interessados em uma fusão mais moderna do jazz com pop e R&B.
Apesar de menos comercial do que álbuns anteriores como "Extensions" ou "Vocalese", "The Offbeat of Avenues" é uma obra madura, ousada e artisticamente coesa. Ele captura um momento em que o Manhattan Transfer resolveu sair da zona de conforto, explorando “avenidas fora do comum” — como sugere o título — para renovar sua identidade artística.
Trinta anos após seu lançamento, o álbum continua atual em sua proposta de integração entre estilos e sua abordagem vocal inovadora. Para fãs do grupo ou para quem deseja conhecer uma das facetas mais criativas do vocal jazz contemporâneo, "The Offbeat of Avenues" é uma viagem sonora que vale cada compasso fora do lugar.
O disco pode ser comprado por aí, nos bons sites do ramo e ouvido na íntegra no Youtube em https://www.youtube.com/watch?v=MjyWnz4qJqM&list=OLAK5uy_my3sunDtYVxtibGT_wH_XJji9DaCqwpi8&index=2
 
*A pesquisa para este artigo foi auxiliada pela IA do Chat GPT.

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