Por Ronaldo Faria
Abestado, Januário, parido na
dor da mãe Zifinha, depois de horas de placenta jogada em água amniótica na
terra seca do sertão, hoje se pergunta por que nasceu. “A trepada do pai cheio
de vontade de gozar valeu o intento do dia encruado e sem vento?” Na dúvida
endoidada que a vida sempre dá, ele não detinha a resposta. Fosse ela posta em
postas jogadas no breu da feira circunscrita aos pesadelos e desmazelos de
antemão. Januário era somente um anuário no calendário de milhares de anos. Talvez
um cachorro desses que se encosta e se prostra debaixo da banca de carnes pra
ver se um pedaço de sebo cai. No meio de barracas e barcas atoladas na secura
de até tristeza alumiar, ele brinca de poder ser feliz. E bebe, derrama goles e
ouve foles de sanfona. Quem sabe nalgum canto um canto de louvor há de recebê-lo
sem querer cobrar. Se assim, porém, acontecer será milagre desses que nem mesmo
Jesus Cristo consegue assinar embaixo e prescrever.
Encruada na mesmice
encalacrada que a vida destina e dá, Januária segue com seus terços e novenas a
pisar em trilhas poeirentas e de pedras pequenas. Véu na cabeça que um dia já
foi branco e vistoso, hoje escurecido pelo pó que sobe do chão, ela vai na
busca dos santos que descansam no altar cagado pelos morcegos que descobriram
no local o descanso dominical. Cheia de rugas que à face mostram que o tempo
eterniza as veredas e sutilezas do mundo, ela busca apenas um tempo
extemporâneo que nem o passado sabe ter existido. Na chuva que não bate em
Sergipe e nem nas Alagoas, as lagoas jogam líquido insípido aos retirantes que
passam na busca de outra vida sobreviver. Na sofrência do ultimato que dentro
da gente dá que nem mato, Januária segue feito os bois que carregam o carro a ranger
na servidão. Afinal, na taciturna falácia de ser feliz, vale de tudo: a mentira
bendita, a certeza inaudita, a crença renhida de saber que nunca chegará.
(No som de Seu Luiz Gonzaga)
Nenhum comentário:
Postar um comentário