Por Ronaldo Faria
Sono no interregno da
sobriedade e da costumeira loucura que há muito habita o corpo entre a noite e
o novo lumiar. “Dormir pra quê? Para descobrir qual pesadelo vai aportar com seus
enredos e degredos no escuro do sono de pipocar feito milho na panela?” Bernardo,
fardo de si mesmo, simplório no inglório desanuviar, rio que emerge do mar,
estava prostrado diante do espelho, nu em pelo, a apelar aos santos que podem de
algum lugar ainda brotar. Na floreira da sacada, rosas esperam para florir e se
deixarem cheirar.
Andares abaixo, corpos andam
num périplo fugaz. Entreolham-se, passam perto uns dos outros, até sentem o
cheiro dos perfumes caros ou baratos, enxergam as gotas de suor que se despejam
dos poros, até pensam em se cumprimentar. “Oxalá possamos todos dessa pantomima
acreditar que esse mundo pode ainda ser um lar”, pensou Bernardo. Na criação do
Criador, talvez ele tivesse esquecido de que o mundo é um efêmero local de
esperanças cegas, realidades entregues, regado em pedaços entre outros regatos
de dor.
Mas na sala que se espreme na
cozinha, quarto e banheiro diminutos, desses que se gasta um minuto pra se ver
e cagar, Bernardo se bronzeia de lâmpadas de LED na escuridão que o universo
dá. O verso agora diz da brevidade do tempo a passar sem perdão. Os olhares,
alhures tenham existido, são de desejo e remissão. O som que perpassa ouvido e
tímpanos é somente um torpor que espera pelo mínimo de gratidão. “Ao menos
podia ter dito algo como beleza ou força aí.” Mas, qual que nada. Só ser ouvida
quer ser a amada.
Uma ambulância reverbera
sonora os gemidos que alguém, deitado na sua maca, solta em ganidos. O cheiro
de mato a queimar adentra os poucos metros de planta de concreto e ferro. Nas
paredes nuas pintadas de branco fosco e tosco, quadros amarelados em descalabro
dão o tom. Na frigideira, um ovo está a frigir no óleo de milho. Nos olhos do
filho nunca tido, a espera da fera que logo chegará. A olhar o mar de prédios
em tédio e escondidos pelo luar, Bernardo espera a hora do ansiolítico tomar. No apartamento ao lado a vizinha resolve ligar a tevê e ouvir que o melhor da vida
é viajar. Na mesa de centro descansa a propaganda que promete um resort esotérico
no Iraque.
(A ouvir Ângela Ro Ro)
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