quinta-feira, 26 de junho de 2025

Por quê?

 Por Ronaldo Faria


-- Aonde ir? Ir por quê? Seguir estradas com suas pedras, seus pós, suas distâncias, sóis e chuvas. Pra quê? De que poderá valer tanto esforço tosco se logo depois o fim é o mesmo, sigamos ou não? Haverá braços estendidos, mãos repletas de carinhos e aninhos, perplexas a enxergarem o fim da trilha? Existirão perdões para os erros, consertos para os tropeços, olhos a sorrirem às lágrimas derramadas? Cálidas faces serão aquilo que de último veremos, plenos de dúvidas e dívidas consigo mesmo?
Carmelo, verdadeiro flagelo em si nos devaneios e receios abissais que invadem seu mundo entre o acordar trôpego e um dormir embriagado de saudades e veleidades, está parado na esquina a soprar as pétalas que caem das árvores desnudas de galhos. Aos orvalhos incontidos deixa o rosto para que sua face possa ruborescer de frio e toscas nuvens entre cinzas da queimada tardia e aves paradas no ar. Ao longe, num canto qualquer, o seu lar.
-- Valeu tudo o que já foi escrito e feito? E para onde foram os enfeites e confeitos de Natais e aniversários passados, deserdados e em degredo feito os porcos que serviram de assado e sorveram bocas e dentes ávidos de cheiros e temperos? Quando o barco, tragado em tragos de vinho e vagas de ondas e suas correntezas, deixou o rumo e foi no prumo errado desandar sua fé? Os amores, seus mil atores e detratores, suas intermináveis dores, Marias e Dolores, estarão hoje ainda vivos em cores vivas da aquarela jogada no asfalto em esparrela?
Carmelo, prosaico viajante de sua própria existência, na querência diuturna da carência soturna, senta no banco defronte do mar e vê a lua brincar de espumas que desembocam em dunas que as marés destruíram em lamúrias. Seus sonhos e pesadelos, desmazelos, jusantes que nunca desembocaram nos istmos da alegria da avó que cerzia as calças rasgadas entre palavras e risadas, sob a luz de uma lamparina vítrea, são objetos atirados num baú abjeto que o casal do país distante deixou para seu futuro mudar. Ao som dos minutos que ainda lhe restam, mísero candidato no sufrágio que nunca existirá para conquistar o pleito da plenitude, apenas escreve, reescreve e descreve a paisagem da janela... cavaleiro marginal.
 
(A Milton Nascimento)

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