Por Ronaldo Faria
-- Quisera e, ai quem de dera,
estar na madrugada tresloucada, tragada de corpos e coisas afins. Ou quem sabe
um começo de outro fim ou o fim de outro recomeçar. Gostaria, talvez, de ter
uma tez de barba a roçar minha nuca e descer as mãos nos meus seios que anseiam
por toques e lambidas, mordidas e um fim. Estou cansada de coisas banais e
vozes caladas por detrás dos ladrilhos que cobrem a casa ao acaso do arquiteto
que grita enlouquecido com o pedreiro que mal sabe falar.
-- Quisera, falsa quimera, a
fazer a amada dormir. E, do nada, acordá-la na madrugada cheia de prédios e carros
afins, vizinhos que não têm mais ninhos e ligam para o porteiro a reclamar do
barulho que os pombos, em arrulhos, fazem a amar. Tocaria tuas coxas que sempre
toco a cada viajar para amar e falaria de mim, de ti, do nada que um nadador
sabe que chegará à morte depois da rebentação. Seria o macho da sereia a cantar
para as mulheres que esperam seus amores na ponta do porto.
-- Quisera, antes mesmo do
querer, voltar às areias que correm entre os dedos dos pés e brincar de despejar
garrafas de vodca e gelos no degelo que faz a gente descobrir que a vida nada
mais é do que deixar os peitos nus nas falésias e ouvir do amado que alguém
pode ver aquilo que, coitado, pensa que é seu. Aos ventos da maresia, a maré se
joga ao longe a levar as velas que trarão saudade enfim. Em mim, ensimesmada
como toda amada, me atenho à trova da perfídia destronada ao nada.
-- Quisera, nesse presente
ausente de lucidez e temente de logo perder o direito de falar e pensar, apenas
rever todas penas a voarem nas gaivotas que trazem seus peixes e feixes para criarem
novos outros voares perenes. Na embriagada forja dos poetas, que precisam se lançar
à loucura para a poesia encontrar, vou a ver segundos e minutos, diminutos, para
quem numa escada de um prédio secular beijou. Ao fim de tudo, em luto, enterrarei
confetes e serpentinas no inexistente e ausente salão.
-- Quisera ter ouvido outra
resposta posta na esquina que a quina da vida dá e ter ficado no lugar onde
outra história far-se-ia. Fosse nova farsa ou não. A quem cabe o futuro? O
fortuito entremear de tempos e têmporas, um acaso a acasalar seja o que for.
Mas, hoje, histórias contadas e tratadas em tratados, há como mudar? A ouvir
Gal, com nome de Gal, deixo-me entregar ao interregno que não virá. Num momento
de tormento, prefiro o silêncio que me corrói numa ínfima imensidão.
-- Quisera ter tido botas de setecentas
mil léguas que me dessem no passado o futuro que nunca soube prever. Em
arroubos e roubos de letras, iletrados como sou saberiam ter escrito o descrédito
de achar que a felicidade está logo ali. Sapientes ou dementes, forjariam na
escuridão a certeza incerta da solidão. Daí, a perdição tomaria conta da realidade
que agora não sabe o que dizer e nem mesmo se estar vivo é poder gozar. Sigo,
daqui, a sequência que a dor deixar antes do mero alvorecer.
Ambos, mulher e homem, homem e
mulher, decidem se jogar em camas vazias para suas vidas vadias e deixar o
tempo a declamar, em métricas tardias, que nada agora responderá o senão. Nos
ouvidos um som sombreia aquilo que as letras deixam surgir.
(Para Gal Costa)
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