Por Ronaldo Faria
Na roda de samba o Papai Noel
dança com passos loucos a dobrar os joelhos. Após os festejos com copos mil de
cerveja, cachaça e até anis, mesa farta, batuque e cabrochas seminuas, o
importante é esquecer que Jesus pediu a Deus de presente torrar os habitantes
da Terra ao Sul e congelar aqueles do Norte. A todos, a morte, de insolação ou
hipotermia. Para ele, tanto fazia... Por isso, o Papai Noel cover daquele que
se esquece das crianças mesmo em prece queria apenas rodopiar e brincar de
sonhar.
Sonhar com o aumento do
salário que não vem, a condução refrigerada que não tem, as contas que caem aos
borbotões deixando de chegar. Para Noelton Ramos da Silva, nascido durante a
procissão de Ramos, quando sua mãe foi levada com urgência à casa da parteira
mais próxima, o mínimo necessário era deixar de ser operário. No calvário
matinal, porém, tudo isso parecia somente delírio casual. O importante agora é
dançar, suar, derramar um gole pro santo e esquecer a pindura no boteco do João.
Uma ou outra criança privilegiada
brinca com carrinho, bola ou boneca doados por um vereador que espera no
próximo ano se reeleger. Outras que chegaram atrasadas à distribuição olham com
inveja ou choram por mais um Natal de mãos vazias e dor. O som que sai do repenique,
do cavaquinho e do pandeiro, da caixa de fósforo que, volta e meia, para de acompanhar
e um cigarro acender, é o que dá o tom. Depois das Tordesilhas vencidas, vem o
som de Palmares na esperança do sorriso mesmo que breve.
Do céu, o sol declina em
centígrados aos milhares acima da média o drama que já virou comédia. Na trama
que existe nas ruelas das favelas e comunidades, a chama desprovida de vida,
ávida de mais outra vida. “Jéssica, traz mais umas várias!” Com o Natal
antevendo logo depois o Ano Novo e um Carnaval que não vai demorar, o
importante é vadiar. Não esquecer de fechar a tranca do lar e ter a esperança
de que a pança não vai murchar. “Jéssica, manda o Ednaldo botar sem dó mais
espetinhos na churrasqueira!”
Para Noelton, Papai Noel por
poucos dias no shopping que normalmente não entra, o que vale agora é cantar
alto, sambar de bota de salto, encher de esperança o saco vazio que descansa na
escadaria da laje. Uma ou outra pomba faz barulho e arrulho perto das caixas
acústicas e Zezinho tem liberação do dono do morro pra meter-lhes estilingada.
Lá embaixo, onde o som é de jingle bell,
tudo parece diferente, ausente, intermitente. Graças à geografia, do alto vê-se
mais de perto o trenó que a tracejada derruba sem dó.
(Ao som do pagode ao vivo)
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