Por Ronaldo Faria
Tragicomédia. Efeméride banal.
Uniforme disforme e colegial. Coisa imaterial como se diria hoje às manchetes vespertinas
de jornal. “Parem as máquinas! A verdade voltou!” Ou será que ela nunca chegou?
José está perdido no infindo infinito de onde ninguém chega ou sai. Acabara de levar uma dedada que lhe disse que um câncer talvez inexista. Felicidade? Só os próximos exames irão confirmar. Mas a praia, cheia de areia e ondas, brisas e coxas e peitos ao vento, está logo ali. E o sol brilha amarelo e eterno no céu. Quando a Terra acabar, por conta e documento sem alento dos homens, ele ainda estará ali a rir da imbecilidade de seres ditos humanos. Tivesse sido os outros animais, irracionais, ou a própria natureza a comandarem a peça teatral, tudo estaria igual como a milênios.
-- E aí, José, vai a saideira?
Derradeira? Claro que não! Que venham muitas mais. Ele mal havia começado sua estrada estradeira. Sua ida e loucura mal começaram a trilhar letras e sílabas, frases e parágrafos, sentimentos ágrafos que não terminam nunca. Agora, solitário, lobo e cordeiro de si mesmo, o importante era crer que a vida pode ainda resistir um tempo, mesmo a esmo.
-- Viu o resultado do Botafogo ontem? Tenho dó de quem torce para um passado distante, tão equidistante como a Terra de Plutão.
-- É, botafoguense só se fode. Ou seja, é um brasileiro padrão.
No copo a cerveja teima em esquentar. Na cabeça as lembranças entram em torpor.
-- Se Garrincha estivesse vivo ele talvez chorasse de dor de ver o que restou...
-- Talvez. Mas quem não tem um choro guardado por alguma merda que no passado fez? Soubéssemos do futuro estaríamos assim no presente?
-- Manoel, traz mais umas tantas porque o Zé aloprou de vez!
O português obedece feliz e mete o dedo na comanda. Ao redor, em derredor e dor, o vento de ventilador de teto não lembra mais dos afetos de meio afeto que fez nas mesas abaixo.
-- Cléber, você por aqui?
-- Com certeza. De novo, renovado.
-- Beleza, mano. Então vamos para as entradeiras.
-- Claro. Que desçam e cheguem cada vez mais...
Cléber, carioca da gema, da Zona Norte, onde a cidade se formou e depois migrou para o mar, acreditava que viver o momento, fosse ele em alegria ou tormento na mesa de bar, já valia ter visto as horas parcas correrem em 24 num insano respirar. Na praia, aprisionada nos corpos morenos e efêmeros, libidinosos e fogosos, tantos uns e tantas outras viajavam no mundo etéreo que o verão dá. Na areia quente e requentada na paródia que é viver, a viagem na derrocada letal.
-- E aí, Cléber, como está Marilena? Gostosa e peituda como sempre?
-- Não sei mais. Aliás, da última vez que a vi estava meio caída. Como dizia a propaganda: o tempo passa, o tempo voa.
-- Verdade. E é cruel. Chega rápido. E corrói tudo sem pedir permissão. De repente, estamos nós a desatarmos nós que nenhum de nós achou que tinha feito.
-- É. E são nós de marinheiro, que nem que já foi escoteiro sabe desatar.
No céu, devagar surge o luar. A brisa muda de odor, o mundo antevê outra cor. A luz que se vê é do Arpoador.
-- Mas tudo vale, não é?
-- Se a alma não for pequena, sim. Como disse o poeta. Mas e se não houver alma? Pra quê fingir que há um depois?
-- Moços, querem um amendoim? – a voz do garoto quase roto, retinto, soa como destino que pede para toda conversa desconversar.
-- Não, obrigado. Mas boa sorte pra você.
-- Porra, Gilberto, deixa de ser mão-de-vaca e dá cinco contos pro moleque!
-- Tá bom, deixa um aí!
-- Obrigado, doutor. Boa biritagem pra vocês! – responde o menino que sai a correr de mesa em mesa: “Quer um amendoim?”
Na rua, rotunda e moribunda, os carros passam viajandeiros. Os ônibus, atolados de pessoas cansadas e arfadas depois de mais um dia de trabalho árduo, parecem apenas brotar das esquinas em sinas sinuosas. O mundo é foda, parceiro.
-- Que bom que o mundo ainda existe, não é?
-- Para alguns, para alguns...
-- E se eu for morto por um
louco e insano que não sabe sequer o que é ser lânguido?
-- E o que é ser lânguido?
No meio desse papo louco de botequim, mais um dia estranho...
José está perdido no infindo infinito de onde ninguém chega ou sai. Acabara de levar uma dedada que lhe disse que um câncer talvez inexista. Felicidade? Só os próximos exames irão confirmar. Mas a praia, cheia de areia e ondas, brisas e coxas e peitos ao vento, está logo ali. E o sol brilha amarelo e eterno no céu. Quando a Terra acabar, por conta e documento sem alento dos homens, ele ainda estará ali a rir da imbecilidade de seres ditos humanos. Tivesse sido os outros animais, irracionais, ou a própria natureza a comandarem a peça teatral, tudo estaria igual como a milênios.
-- E aí, José, vai a saideira?
Derradeira? Claro que não! Que venham muitas mais. Ele mal havia começado sua estrada estradeira. Sua ida e loucura mal começaram a trilhar letras e sílabas, frases e parágrafos, sentimentos ágrafos que não terminam nunca. Agora, solitário, lobo e cordeiro de si mesmo, o importante era crer que a vida pode ainda resistir um tempo, mesmo a esmo.
-- Viu o resultado do Botafogo ontem? Tenho dó de quem torce para um passado distante, tão equidistante como a Terra de Plutão.
-- É, botafoguense só se fode. Ou seja, é um brasileiro padrão.
No copo a cerveja teima em esquentar. Na cabeça as lembranças entram em torpor.
-- Se Garrincha estivesse vivo ele talvez chorasse de dor de ver o que restou...
-- Talvez. Mas quem não tem um choro guardado por alguma merda que no passado fez? Soubéssemos do futuro estaríamos assim no presente?
-- Manoel, traz mais umas tantas porque o Zé aloprou de vez!
O português obedece feliz e mete o dedo na comanda. Ao redor, em derredor e dor, o vento de ventilador de teto não lembra mais dos afetos de meio afeto que fez nas mesas abaixo.
II
-- Com certeza. De novo, renovado.
-- Beleza, mano. Então vamos para as entradeiras.
-- Claro. Que desçam e cheguem cada vez mais...
Cléber, carioca da gema, da Zona Norte, onde a cidade se formou e depois migrou para o mar, acreditava que viver o momento, fosse ele em alegria ou tormento na mesa de bar, já valia ter visto as horas parcas correrem em 24 num insano respirar. Na praia, aprisionada nos corpos morenos e efêmeros, libidinosos e fogosos, tantos uns e tantas outras viajavam no mundo etéreo que o verão dá. Na areia quente e requentada na paródia que é viver, a viagem na derrocada letal.
-- E aí, Cléber, como está Marilena? Gostosa e peituda como sempre?
-- Não sei mais. Aliás, da última vez que a vi estava meio caída. Como dizia a propaganda: o tempo passa, o tempo voa.
-- Verdade. E é cruel. Chega rápido. E corrói tudo sem pedir permissão. De repente, estamos nós a desatarmos nós que nenhum de nós achou que tinha feito.
-- É. E são nós de marinheiro, que nem que já foi escoteiro sabe desatar.
No céu, devagar surge o luar. A brisa muda de odor, o mundo antevê outra cor. A luz que se vê é do Arpoador.
-- Mas tudo vale, não é?
-- Se a alma não for pequena, sim. Como disse o poeta. Mas e se não houver alma? Pra quê fingir que há um depois?
-- Moços, querem um amendoim? – a voz do garoto quase roto, retinto, soa como destino que pede para toda conversa desconversar.
-- Não, obrigado. Mas boa sorte pra você.
-- Porra, Gilberto, deixa de ser mão-de-vaca e dá cinco contos pro moleque!
-- Tá bom, deixa um aí!
-- Obrigado, doutor. Boa biritagem pra vocês! – responde o menino que sai a correr de mesa em mesa: “Quer um amendoim?”
Na rua, rotunda e moribunda, os carros passam viajandeiros. Os ônibus, atolados de pessoas cansadas e arfadas depois de mais um dia de trabalho árduo, parecem apenas brotar das esquinas em sinas sinuosas. O mundo é foda, parceiro.
-- Que bom que o mundo ainda existe, não é?
-- Para alguns, para alguns...
III
-- E o que é ser lânguido?
(Lânguido - adjetivo
1. que se encontra em estado
de abatimento, de grande fraqueza física e psicológica; sem forças, sem
energia.
2. característico do que é
doente; mórbido, doentio.)
-- É verdade, vai ser foda!No meio desse papo louco de botequim, mais um dia estranho...
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