quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Beijo brejeiro com João Donato

 Por Ronaldo Faria


-- Beijo brejeiro, como deve ser?
-- Sei lá. Isso é pergunta que se faça depois de trepar?
-- Trepar?
-- Tudo bem, Clarice, fazer amor...
-- Gláucio, você está bem rasteiro num relacionamento afetivo.
-- Desculpe. Desculpa dez mil vezes. Tudo bem?
-- Mais ou menos.
-- E de onde você tirou esse beijo brejeiro?
-- De lugar nenhum especificamente. Surgiu assim, da cabeça.
-- Assim, da cabeça?
-- É! Foi!
-- Calma. Tudo bem. Pensemos sobre, pois. Não deve ser de língua. Porque língua é uma coisa arrebatadora, invasiva, onde se entrega o próprio interior, o âmago, ao outro. Segundo o dicionário, brejeiro diz-se do indivíduo dado a fazer brincadeiras ou gracejos, brincalhão, folgazão, trocista”. E se o amor é um pouco de brincadeira ou troça, pode ser um beijo rápido, desses em que o amante dá seus lábios, cola na boca do outro e foge rápido. Ou seja, só pra brincar de amor. Dizer que beijou.
-- É, pode ser. Ou não...
-- Mas se não há definição, pode ser tudo, inclusive isso.
-- Tudo bem, não tiro a sua razão. Mas vejo o beijo brejeiro como algo tranquilo, fugaz, que some numa tarde bonita de calor entre mil cores de céu e fica gravado e cravado nas sensações e nas emoções. Coisa que perdura. Entende?
-- Entendo. Quer dizer, aceito a definição. Afinal, as palavras têm um significado, mas nós podemos ressignificar a sua essência. Se você quer que assim o seja, assim o será. Afinal, quem usa a língua pátria no dia a dia, os dicionários ou nós?
-- Nós, claro! Então beijo brejeiro vai ser aquilo que quisermos que seja.
-- Isso. Aliás, falando nele, quer dar vários e dezenas agora?
A resposta de Clarice foi jogar o seu corpo sobre o do amado e lamber cada pedaço dos lábios, descobrir espaços novos da língua alheia tão já recebida e dada, sentir novos gostos, morder e mordiscar o que pode sê-lo, selar vácuos por minutos num espaço agora único dos dois. E assim ficaram horas e impassíveis minutos entregues à história. Ao final, cansados, lavados de líquidos mil, se entregaram ao sono com os corpos entrelaçados, não sem antes Clarice fazer uma nova pergunta.
-- Dormir de conchinha é o mesmo que acordar caramujo morto com pérola a brilhar?
-- Sei lá. Vamos descobrir amanhã?
O vizinho do oitavo andar agradece o fim de tanto questionar. “Afinal esses insaciáveis vão hibernar. Mas, igual aos ursos, o ser humano consegue se por numa caverna para o tempo frio e inóspito esquecer?”
Do céu o pseudo criador de tudo volta a ter o desejo de fazer a Bíblia ter razão. Mas apocalipse é o fim ou o início?

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