Por Ronaldo Faria
A noite se embrenha nas luzes
dos carros que dobram as esquinas, se esquivam dos meios em fios e redobram o
cuidado para os semáforos que piscam um tal de verde e outro de vermelho ou
amarelo que viram farelo aos olhos marejados. No escuro impuro e nos
sortilégios da vida, Valmir proseia a esmo. Sua passageira felicidade, tardia,
lhe traz um galo em sonho que avança ensandecido sobre cães e espaços. Mas que
aceita seus carinhos.
-- Vai dar galo na Federal.
Tenho certeza.
Ao seu lado, a caminhar na
calçada de pedras portuguesas, Jeremias ouve o amigo.
-- Você não acha que é sonho
pra dar na cabeça da Federal?
-- Acho.
-- Não tive dúvida: comprei
dois bilhetes fechados, pra quarta e sábado.
-- Fez bem. A gente nunca sabe
o que o sonho quer dizer.
-- Não sabe mesmo. Um dia, um
prefeito que já morreu veio em sonho me dar a milhar. Só que eu não consegui
gravar o número. E ao invés de jogar nos dois que imaginava, joguei só num. Deu
o outro, seco, na cabeça.
-- Aí é ruim.
-- Ruim? Péssimo. Nunca mais o
tal prefeito veio falar comigo no sonho. Deve até ter me exonerado no céu. Mas,
tudo bem. Ele tem a sua razão.
-- Sou obrigado a concordar
com ele.
-- Garçom, tem mesa livre?
Tinha. Sentaram e pediram a
primeira leva, essa que canela de pedreiro parece ser.
-- Mas, e se não der? Morri em
quase dois galos...
-- Ou quase uma perna.
-- É. É foda essa meleca de
sonho.
-- Mas, fazer o quê? Você ia
ver o resultado depois e descobrir que se fodeu?
-- Tem razão. Melhor arriscar
e se foder do que se foder por não arriscar.
-- Bem pensado.
-- Garçom, meu parceiro, desce
mais uma.
E assim ficaram os dois, a
tentarem descobrir se vale a pena acreditar no sonhar. O fim da história? Nem eu
sei. Isso só os bilhetes dirão...
(Com Maysa ainda a deixar a noite cheia de cheiro de nostalgia, cigarro,
drinques e doses)
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