Por Ronaldo Faria

Branco no preto ou preto no branco? Tanto faz! Na efeméride das cores apenas
o amor se faz. E se algo se perfaz no infinito painel de cores que percorrem
quem vive entre a sanidade e o Pinel, faça-se ou foda-se!
Gerúndio (esse foi o nome que
o pai colocou na criança por achar bonito) acordou na madrugada se perfazendo
de acolhimento e sentimento. “Quem sonha com jumento joga no burro?” – pensou. Na
rua – o apartamento (apertamento para a realidade) ficava no primeiro andar de
uma avenida barulhenta e poluída – os carros voavam colados no asfalto. Volta e
meia, meia na volta, um ônibus parava no ponto para despejar trabalhadores
cansados e suados na busca de tentar reviver. Entre seres de luzes ofuscados na
fumaça do cigarro e falácias que o profano enaltece nas sentenças efêmeras da
vida, Gerúndio vai tentar esquentar o arroz de três dias passados com um ovo
sabe-se lá de quando. “Como diria o poeta, não põe no meu. Coloca no do Abreu”.
A fome há de passar, mas e a saudade? A maldade da outra, louca, a desvanecer
seu amor numa esquina qualquer como toda e qualquer mulher? A quimera que vira via
transversal e letal para quem só sabe amar à beira-mar, onde irá? Gerúndio,
estupefato e banal, no jazigo ainda vivo que não tem nem sete palmos acima das
pedras portuguesas, faz o prenúncio do prepúcio rasgado e refeito de amor. A ouvir
Karnak, vira senhor da língua russa e escreve em cirílico que o lírio é o
surgir de vida na mais morta terra escavada. Veste um escafandro e desce
milhares de metros no mar do próprio desejo. Seu ensejo é viver nos olhos
verdes que a sina joga aos seus sonhos encerrados. Num canto, esquecida, a
enceradeira quer apenas voltar aos anos 50/60 do século passado para se sentir
parte do todo e não pedaço do acaso.
II
O camelô garante que o produto
tem procedência e decência. Se
habla
paraguaio ou diz que “china é podutro garantido”, saber-se-á. Também, pelo preço
que está, tanto faz. Logo juntou uma ruma de pobres de grana, mas ricos de
espírito, para comprar as imagens dos santos de umbanda. Logo ali uma banda de
forró forra de sons e barulho o lugar. Na tevê passa o jogo que serve de
preliminar para o Flamengo jogar. Felisberto, aberto a tudo que perto puder
chegar, grita alto que se não comprar agora só no Natal. “Freguês, ainda
estamos em abril. Se abrir o bolso agora você garante que não irá se levantar
da cama em novembro! Só não aproveita quem for funcionário público com décimo-quarto
salário na conta!” De raiva, homens e mulheres jogados às traças da vida, como
jornais velhos e amarelados, fadados ao lixo, correm para a banca. Às portas
das poluídas e brancas águas turvas da Baía da Guanabara, a sofrida realidade
passeia em subterfúgios que os refúgios da tristeza fazem surgir. Assim, de centavos em centavos que não mais existem no mercado, os minutos vão passando deveras em
esferas longevas. Talvez um poeta perdido, um ébrio calcinado, um ser fugido de
algum hospício ainda entendam as ínfimas vendas. Sob vendas que escondem um
centímetro além da escuridão, o vento faz voar as pétalas que a roseira já
morta despeja no chão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário