terça-feira, 15 de abril de 2025

No arco-íris irado

 Por Ronaldo Faria

 


Branco no preto ou preto no branco? Tanto faz! Na efeméride das cores apenas o amor se faz. E se algo se perfaz no infinito painel de cores que percorrem quem vive entre a sanidade e o Pinel, faça-se ou foda-se!
 
Gerúndio (esse foi o nome que o pai colocou na criança por achar bonito) acordou na madrugada se perfazendo de acolhimento e sentimento. “Quem sonha com jumento joga no burro?” – pensou. Na rua – o apartamento (apertamento para a realidade) ficava no primeiro andar de uma avenida barulhenta e poluída – os carros voavam colados no asfalto. Volta e meia, meia na volta, um ônibus parava no ponto para despejar trabalhadores cansados e suados na busca de tentar reviver. Entre seres de luzes ofuscados na fumaça do cigarro e falácias que o profano enaltece nas sentenças efêmeras da vida, Gerúndio vai tentar esquentar o arroz de três dias passados com um ovo sabe-se lá de quando. “Como diria o poeta, não põe no meu. Coloca no do Abreu”. A fome há de passar, mas e a saudade? A maldade da outra, louca, a desvanecer seu amor numa esquina qualquer como toda e qualquer mulher? A quimera que vira via transversal e letal para quem só sabe amar à beira-mar, onde irá? Gerúndio, estupefato e banal, no jazigo ainda vivo que não tem nem sete palmos acima das pedras portuguesas, faz o prenúncio do prepúcio rasgado e refeito de amor. A ouvir Karnak, vira senhor da língua russa e escreve em cirílico que o lírio é o surgir de vida na mais morta terra escavada. Veste um escafandro e desce milhares de metros no mar do próprio desejo. Seu ensejo é viver nos olhos verdes que a sina joga aos seus sonhos encerrados. Num canto, esquecida, a enceradeira quer apenas voltar aos anos 50/60 do século passado para se sentir parte do todo e não pedaço do acaso.
 
II
 
O camelô garante que o produto tem procedência e decência. Se habla paraguaio ou diz que “china é podutro garantido”, saber-se-á. Também, pelo preço que está, tanto faz. Logo juntou uma ruma de pobres de grana, mas ricos de espírito, para comprar as imagens dos santos de umbanda. Logo ali uma banda de forró forra de sons e barulho o lugar. Na tevê passa o jogo que serve de preliminar para o Flamengo jogar. Felisberto, aberto a tudo que perto puder chegar, grita alto que se não comprar agora só no Natal. “Freguês, ainda estamos em abril. Se abrir o bolso agora você garante que não irá se levantar da cama em novembro! Só não aproveita quem for funcionário público com décimo-quarto salário na conta!” De raiva, homens e mulheres jogados às traças da vida, como jornais velhos e amarelados, fadados ao lixo, correm para a banca. Às portas das poluídas e brancas águas turvas da Baía da Guanabara, a sofrida realidade passeia em subterfúgios que os refúgios da tristeza fazem surgir. Assim, de centavos em centavos que não mais existem no mercado, os minutos vão passando deveras em esferas longevas. Talvez um poeta perdido, um ébrio calcinado, um ser fugido de algum hospício ainda entendam as ínfimas vendas. Sob vendas que escondem um centímetro além da escuridão, o vento faz voar as pétalas que a roseira já morta despeja no chão.

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