terça-feira, 29 de abril de 2025

Sim e não

 Por Ronaldo Faria

 


-- Vale a pena a ressaca do amanhã?
-- Sim e não. É foda, mas quem disse em sã consciência que foda é ruim? Além disso, quem foge do seu destino, dizem, é um fraco. Logo, que possamos cair lutando.
-- Tem razão. Deoclécio, manda mais uma, daquelas de canela de pedreiro...
Os amigos, triviais seres fortuitos, se jogam à resenha feito mulher prenha de primeira vez a tirar as dúvidas com o obstetra. Na destrambelhada avenida que corre na noite que permeia o lugar, gente trafega e se esfrega na retreta ofegante de um lumiar.
-- Dizem que o dia amanhã vai nascer mais cedo.
-- Não creio. Por quê?
-- Só pra dizer que mais um dia soube raiar. Nos raios de sol ou fim do luar...
-- Desde quando você virou poeta?
Fabrício tinha virado escriba do amor desde a chegada de Maria na sua vida. Morena de olhos com cor de marrom claro feito barro lavado de chuva matinal, dessas que mata a sede das árvores sedentas de vida, ela tinha refeito seu desejo de viver.
-- Sabe, Porfírio, a rima e a poesia surgem assim: botam pra foder a cabeça da gente, de repente, num rompante ou num repente, e brotam feito planta invasora de vaso, pilantra da botânica.
-- Sei. Coisa de nordestino perdido em São Paulo.
-- Pode ser. Pau de arara também encontra o galho onde botar o seu ninho.
-- Com certeza. Afinal, ovos têm que se colocar nos cestos...
-- Se bem que eu prefiro os cor de rosa. Deoclécio, manda ver dois ovos coloridos que vão apodrecer aí!
Numa mesa logo perto, um desafeto da vida espera que a chuva desabe torrencial, feito juízo final. A felicidade dos outros é limiar sob um fio. A esse, até mulheres que se vendem teimam em chamar de tio. Fim de carreira. Como solução da cisão, carreiras batizadas de gesso ou farinha na farinha pura são a solução nos soluços solitários da falsa orgia.
-- Me diz, de verdade, tem coisa melhor do que um amor?
-- Tem. Dois!
-- Aí não tem coração que aguente...
-- Mas não é quando o coração para que a gente morre? Então que se morra de paixão.
Os dois, calejados na vida, com seus cajados quase gastos de tanto buscar o lado certo da metade de uma laranja lima, agora só divagam e vagam nas vagas que levam as caravelas com suas velas rasgadas na busca de um porto que nunca se revela.
-- Acho que já deu...
-- Sério?
-- Amanhã tem trampo. Hora de pegar o trem lotado, virar sardinha sem óleo, que esse está custando caro.
-- Então valeu. Deoclécio, fecha a comanda!
Ao comando da voz, o ensimesmado dono do bar traz a dolorosa.
-- Tem certeza de que a coisa de servir duas e marcar três não virou?
Deoclécio nem responde. Recoloca o pano de prato no ombro e vai em direção ao balcão.
-- Se tiver dúvida da minha honestidade, não pague. E vá se juntar à sua mãezinha...
Conta paga, os amigos caminham trôpegos e voláteis pela rua encruada na metrópole atropelada pelo tempo. Quando o novo dia chegar, quando o cartão bater no som da fábrica que fabrica luxo para o patrão, eles seguirão seu destino como a dúvida entre o sim e o não. Mas, quem foge do seu destino, diria o senhor da eternidade, no depois e após das nuvens claras, puto da vida de nada ter ensinado: “Não fode!”

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