Por Ronaldo Faria
Gestos prestos e afetos que
aos desafetos, nascidos também fetos, parecem somente restos. Canções que se
embrenham e se fazem prenhas de uma imaginação sem ação. Que se deixa levar a
entoar sílabas, palavras, versos, sesmarias. Na estrada do amor, dezenas de
Marias. A José bastasse o nome como sina, todas sairiam formatadas e moldadas
de uma mesma oficina. Feitas nos primórdios da revolução industrial, seriam
morenas, olhos negros, corpo esguio, bocas ávidas de beijos, corpos largados,
entregues e tragados na mesa de um bar. Mas, filhas da pós-revolução de
costumes, nunca se deram a curtumes. Cada uma foi feita sob a forja de um
destino incomum a todas. Lobas, devoraram à imensidão suas presas e se esgueiraram
em esquinas e estradas para seu mundo traçar. Ainda bem. De vagão igual basta
trem.
-- E aí, o frio chegou?
-- Sei lá, mas um conhaque já
está bom de tomar.
Milton, aquele que todos
chamavam de rouxinol pelos mil tons que sabia soprar, viajava nas suas
entranhas e artimanhas. Nas manhãs, de ressaca, buscava a receita mágica para voltar
à realidade. Na verdade, nunca a viu ou a teve. Sua nuca e cabeça doíam de
forma involuntária. Nas tardes, tardiamente tentava lembrar daquilo que havia
feito antes. Em vão. À noite, se envolvia em si mesmo e, ensimesmado, ouvia samba
e fado, fodia parcas e frágeis lembranças, dormia acordado na fé. Na madrugada,
tragada e ultrajada de coisas feitas, refeitas, temerosas do dia a raiar, viajava
para o universo próprio cheio de versos a remar rumo ao porto esquecido de Trafalgar.
No todo, um tanto de loucura, outro de crer e outro de brilhar.
-- Agora esquentou geral...
-- Te falei. Conhaque a
dezenas de graus é animal...
Milton, menestrel que
transforma fel em mel (ou vice-versa no verso), segue seu rumo até o fim. E
redescobre a simetria entre a loucura e a sanidade, a diferença entre a chegada
à vida e a verdadeira idade. Surge e emerge na voracidade de tragar rios e mares,
vulgares e sagazes. Tanto faz. Tanto fazia. No fim é tudo orgia vernácula e verborrágica.
Coisa atávica ou trágica. Cheia de gozos ou flechas cravadas no coração. Antes
de viver na porta aberta pelos decibéis e débeis graus, não há como se saber. Nesse
momento, no tormento que se desfaz e se refaz em lamento e amor, que venham
todos. Como já disse Milton à amada, ele, eu, você, todos nós estamos facinhos
que nem focinho de cachorro no passeio do lazer.
(Ainda com Bituca)
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