Por Ronaldo Faria
Perácio procrastina o prefácio
da festa inexistente que ainda resta. Sabe que o casamento, em lamento, há
muito foi para o saco e só espera o lixeiro passar para buscar. Mal sabe onde catar
papelões e engradados para colocar os fardos que o acompanham há décadas. Nas
peripécias e inércias que a vida dá, faz e apraz, não adianta ser loquaz. Se
muito, irá correr os metros finais que a idade traz.
Juventina, eterna menina que não
faz a mínima menção de querer viver a vida do outro e vive a pisar em nuvens que
são apenas reflexos do medo de saber que o fim chegará por fim, pede a si para
ter razão. No coreto, um minueto varre o som silencioso do lugar. Cioso, o
maestro rege a banda infanta na busca de alegrar o sumir do sol que antecipa um
luar cheio de luz e prata ao seu ficar.
Ambos, Perácio e Juventina,
Perá e Tina, nas suas surdas rotinas há muito não têm a sudorese que emana dos
corpos a se entranharem num roçar e se estranharem tão juntos no efêmero
postergar. Para eles, o toque na pele, o respirar que exala do vilipêndio pleno
que nenhum compêndio traz, parece fugidio e ineficaz. Tudo na rotina de uma
tina que, furada, nunca mais se enche de água, a vida liquefaz.
A sonhar envolto na brisa que
sai de cigarros verdes e sedas, incongruentes catarros e escarros, o homem
sentado diante do morro que vê as ondas baterem num repetir assimétrico e assintomático
contra as rochas, ri da cena. Ele sabe que o bode e a larica que virão depois
são blasfêmias que as fêmeas da sua imaginação irão parir como sentenças em si.
De pouco adiantará brilhar ou estar. O jeito é rezar...
Na avenida, na premeditada ermida
que a ilusão teima em manter viva, casais e famílias, filhos e filhas,
afilhadas e até as mais solteironas frígidas, afilhados e kamikazes de seus
trágicos poemas findos, todos se juntarão na canção para levitar. Irão além dos
corpos, como tortos e voláteis, voluptuosos e anchos achados, para local
qualquer. No reencontro consigo mesmos, nos ermos vazios do silêncio e da ausência,
far-se-ão tesão solitário. Do alto do prédio de onde se antevê a tevê ligada no
programa que busca a fama, um casal irreal despoja suas vestes para vestir de
madrugada a noite virginal. Nos créditos que sobem na tela, a bucólica e
angelical promessa...
(Sob a inspiração e o som de Silvério Pontes)
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