Por Ronaldo Faria
-- Tá pensando que o vento é fresco,
malandragem? O vento é foda!
Clemêncio, demente e clemente
da realidade, transitava entre os tantos e tântricos carros no trânsito da
cidade que fervilhava e afunilava no túnel que juntava zonas e lugares a
chegar. Ser só, solidário na sua dor, apropriado para estudos psiquiátricos, ia
na fuga de camisas de força e flores mortas graças a fungicidas. Era um ser a
mais, desses que a gente esbarra na orla ou nas comunidades do dia. Nem melhor
ou pior. Apenas um a mais na mais premente sangria.
Clemêncio, inclemente profeta
do mundo, proxeneta de sua solidão, há muito morava numa ou noutra marquise,
dessas que ao menos escondem os corpos da chuva que teima chegar. Mas tinha
suas vantagens: nada de imposto de inexistente renda, celular a consumir horas
de vida, obrigações que surgem com um CPF qualquer. Ele era apenas ele. Sem
pena de ninguém sequer precisava entrar em igrejas para orar em alto amém. Deus
dele nem sabia crer.
Clemêncio, desses seres que
cruzamos encruados no universo onde poesia e verso não têm vez, era somente
número social. “O próximo prefeito deles irá lembrar”, dizia Carolina, carola e
filha de Maria. Assim, no escuro obscuro que meia dúzia de postes traz, ele
desaparecia. Sua azia diária e bêbada sequer tinha sal de fruta. Na estrada de
quem se atrasa do mundo, ele somente acreditava, em mente, que seu futuro
soturno um dia seria sem luto.
(Ainda ao novo frescor da MPB)
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