sábado, 25 de junho de 2022

Coleman Hawkins fazendo bossa nova e jazz samba

Por Edmilson Siqueira

O último artigo foi sobre um disco gravado logo após a bossa nova estourar nos EUA, o que fez muitos músicos de jazz - vários deles presentes no famoso concerto do Carnegie Hall em novembro de 1962 - correrem para os estúdios e tentar entender o que era aquela música e fazer um disco com as pérolas que vinham de um estranho e desconhecido país chamado Brasil.  

Juntar um grupo de músicos brasileiros mais um jazzista famoso foi uma das fórmulas encontradas, como vimos no artigo anterior: o saxofonista Cannonbal Adderley se junta a vários e grandes músicos brasileiros e produz um disco que, se não é dos melhores que os gringos produziram com a bossa nova, não pode ser ignorado, já que tem muitas qualidades.  


Outros músicos, talvez já mais enturmados com a bossa nova, arriscaram mais e foram ensaiar só com músicos norte-americanos. Foi assim que Colemann Hawkins e seu sax, se juntou a Barry Hawkins e Howard Collin nos violões, a Major Holley no baixo e a Eddie Locke, Tommy Flanagan e Willie Rodrigues na percussão para gravar "Desafinado", entre os dias 12 e 17 de setembro de 1962, ou seja, dois meses antes do famoso concerto.  

O texto do CD, que manteve os originais, afirma que a bossa nova "é uma mistura do samba afro-brasileiro com o jazz afro-americano. No que parece um tempo surpreendentemente curto, a bossa nova tornou-se uma tendência dominante no jazz - ou assim parece pela quantidade de atividade da bossa nova predominante no outono de 1962." 


Pois é, em curto espaço de tempo, a bossa nova começou a influenciar o jazz e se tornou uma espécie de novidade a que muita gente aquiesceu. Havia, a partir de 1962, escolas de dança abertas com o chamariz de ensinar a dançar bossa nova. Para quem conhece um pouco da história dos EUA, sabe que raramente aquele povo adere a algo cultural vindo de fora.  


O disco, para não deixar dúvida do que viria, começa com "Desafinado" que Dan Mopngernstern, comentando as músicas do CD classifica como "provavelmente o mais popular e certamente o mais bonito dos standards de bossa nova, é interpretado com um apropriado toque de romantismo por Hawkins e Co." Evidentemente Dan não sabia que a música, composta por Jobim e Newton Mendonça (música e letra dos dois), era uma gozação aos cantores desafinados que amigos tinham de acompanhar nas noites do Rio.  


A segunda música, "I'm Looking Over a Four Leaf Clover" (Dixon Woods) poderia parecer fora do foco do disco à época, mas Dan explica: "À primeira vista uma escolha improvável para este álbum, é um marco no repertório de João Gilberto, cantor-guitarrista que é um dos maiores expoentes da bossa nova no Brasil". Trata-se, pra quem não sabe, de "Trevo de 4 Folhas" na tradução para o português de Nilo Santos Pinto.  


"Samba para Bean" foi uma homenagem de Many Albam a Hawkins, que era conhecido por "Bean" no meio musical. É realmente um "sambinha" bossa nova, resultado já da influência no jazz norte-americano.  


A música seguinte, "I Remember You" (Johnny Mercer e Victor Schertzinger), também segue no mesmo tom: feita por americanos tentando fazer bossa nova. E, claro, se saem bem: a levada no violão e na bateria lembra muito criações brasileiras escritas ao pôr do sol em Copacabana. 

"One Note Samba", o nosso Samba de Uma Nota Só", é saudado por Dan como o vice-campeão em preferências da bossa nova nos EUA, logo após Desafinado. Diga-se que em 1962, "Garota de Ipanema" não tinha estourado no EUA, o que só foi acontecer dois anos depois, na gravação de Astrud Gilberto, com o marido João Gilberto, no disco de Stan Getz. Ela seria a obra bossanovista mais gravada do planeta, com mais de 500 gravações pelo mundo, só perdendo, dizem, para Yesterday, de Paul McCartney.  


"O Pato" (Jayme Silva e Neiva Teixeira) vem a seguir e o sóbrio sax de Hawkins poderia até tirar um pouco do brilho da música, que é divertida nas versões brasileiras. Mas o tom de sobriedade acaba sendo motivo para um ótimo improviso mais à vontade, tanto do sax quando do violão.  


A música seguinte é de João Gilberto, um tributo que ele prestou ao compositor e amigo Luiz Bonfá, uma música com uma estrutura complexa que a turma de gringos toca muito bem.  


Encerrando o álbum, uma música de autoria do próprio Coleman, "Stumpy Bossa Nova". "Stumpy" quer dizer "Atarracado" e talvez Hawkins, ao se aventurar pela bossa nova, julgou o resultado meio preso aos seus concentos musicais e botou esse nome com já a se desculpar. Mas, se foi isso mesmo, nem precisava. É muito gostosa de ouvir essa bossa nova "atarracada".  


Há algumas músicas do disco no YouTube, mas não encontrei o disco inteiro. Ele pode ser comprado ainda nos bons sites do ramo. 

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Ao Flavio Venturini

 Por Ronaldo Faria


Coisa de dedilhar e ficar no pandemônio que existe entre o início e o fim. Talvez um tempo extemporâneo ou coisa volátil qualquer. Segundos de ver alguém a fumar e depois vê-la morrer. E tudo segue normal como se nada fosse frigir. No ribeirão da iniquidade de ser, a premente canção do porvir. O descrer de uma chaminé que já não há. Volúpias de voltar a ser. Parcimônias de um ser franzino onde a paisagem parece não crer. Brincadeira de acalantos e prantos tão demasiados que o mundo parece não lhes dar cânticos. Nos cantos de um escuro qualquer haverá um Papai Noel a tentar, sem conseguir, descer. E fuligens cairão da chaminé como fossem um grão de pó. Narizes irão cheirar féculas brancas de loucura. Ares de maresia irão margear impróprios falsetes que tornearão o tempo que ainda se vai viver. No calor de cada corpo, o trocar de paixões em tudo. Ao clímax de algo, o ultrajante querer daquilo que se sonhou.   

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Um jazzista e uma turma da bossa nova em 1962

 Por Edmilson Siqueira 

O disco foi gravado em 1962, na esteira do sucesso da bossa nova nos Estados Unidos, ou seja, é um dos primeiros trabalhos a unir um grande jazzista norte-americano com músicos brasileiros. O grande jazzista é ninguém menos que o saxofonista Cannonbal Adderley e se o nome não é tão conhecido assim por essas plagas, basta dizer que, quando gravou esse disco, em 1962, ele já havia tocado com grandes nomes do jazz como Miles Davis, John Coltrane, Art Blakey. Sua biografia na Wikipedia diz que ele era conhecido pelo seu suingue e pelas improvisações de sax-alto e foi uma figura central do jazz moderno, seja participando dos históricos combos de Miles Davis, seja nos grupos que ele coliderou com seu irmão, o trompetista Nat Adderley.  


Pois para realizar esse "Bossa Nova" ele se juntou a um "Bossa Rio Sextet of Rio". Claro que o nome do grupo brasileiro foi só para o disco, pois dele faziam parte grandes músicos brasileiros que tiveram carreiras solos de sucesso, por aqui ou no exterior. Ao saxofone alto de Cannonbal se juntaram Sergio Mendes ao piano, Durval Ferreira no violão, Dom Um Romano na bateria, Octavio Bailly no contrabaixo, além de participações em algumas faixas de Pedro Paulo no trompete e Paulo Moura no saxofone alto. 


Como se vê trata-se de um time dos mais respeitáveis. E o resultado que, aliás, não agradou muito à crítica norte-americana da época, foi ótimo. Ficou parecendo mais um disco brasileiro do que um trabalho de um jazzista dos EUA e, talvez por isso, críticos da terra do Tio Sam tenham entortado o nariz. Deve-se ainda levar em conta que, em 1962, a assimilação da bossa nova pelos instrumentistas norte-americanos estava engatinhando e era normal que o caminho ainda não estivesse completamente conhecido.  

Mas o disco é bom, tão bom que, lançado no ano seguinte ao da gravação, pela Riverside, ele foi relançado pela Capitol Records diversas vezes com diferentes capas e títulos. Uma gravadora norte-americana do porte da Capital Records não lançaria um disco de jazz se não soubesse de sua qualidade e possibilidades de venda. 


Enfim, a reunião do gringo com o time brasileiro resultou num disco suave, com a batida certa tanto da própria bateria quanto do violão e por intervenções criativas dos sopros e do piano de um jovem Sergio Mendes que, anos depois, conquistaria a América, chegando ao topo das paradas de sucesso com sua fórmula de misturar jazz e bossa nova. Tanto que ficou por lá até hoje, onde é um artista famoso e respeitadíssimo. 


Das dez faixas que compõem o disco, cinco são parcerias do violonista Durval Ferreira e do gaitista Maurício Einhorn:  "Cloud", "Batida Diferente", "Joyce's Samba", "Sambop" e uma versão single de "Cloud". As outras são "Minha Saudade", de João Donato, "Corcovado", de Jobim, "Groovy Samba" de Sérgio Mendes, "O Amor em Paz", de Jobim e Vinicius e um take alternativo de "Corcovado". 

O CD que tenho é importado, foi editado em 1999 e manteve, no encarte, o texto original do LP, escrito por Orrin Keepnews. Nele, Keepnews assinala que o disco “que combina unicamente o talento de uma excepcional estrela do jazz com um excitante grupo de jovens brasileiros, não é apenas a mais fascinante apresentação desta irresistível música latina conhecida como bossa nova, é também algo verdadeiramente incomum". É isso aí! 

O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube Music: https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_nQDQCCKc_xcLbN3uD9nlg1RrVjRUd9qH0 e também há LPs ainda à venda nos bons sites do ramo. 

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Ao Chet Baker

 Por Ronaldo Faria

Imagine você num hotel em Paris, louco além da conta: pulo ou não à vida tragicômica?

Cá estou. Curto ou não a minha dor? Solto sons ou não à cidade que me dá a luz? Quantos sopros de vida já dei. Noutros tantos, desandei. Se sou, não sei. Dessa vida, nada levarei. Mil gravações, sermões, senões, feridas em Mater Dei. Pouco importa. Loucura dá na horta? Não sei. Entre silenciosas e ociosas vésperas de nada, num trago venha a mim, me tragas. Afinal, mulher derradeira e brejeira, descoberta só após o último suspirar, deixo-te me tragar. Faz de mim teu melhor lar. Na canção insólita, sinto-me ao luar. Teu serei, me anuviarei no que ainda sobrar...

terça-feira, 21 de junho de 2022

No tempo dos Mutantes

Por Edmilson Siqueira 

Poucos jovens no Brasil, na segunda metade dos anos 1960, poderiam imaginar que, ainda naquela década, presenciariam o surgimento de um grupo que poderia competir com o som dos grupos que vinha da Europa e dos Estados Unidos. A revolução musical dos Beatles, Rolling Stones e The Who na Europa e mais Bob Dylan, Mamas and Papas, The Doors e Jimmy Hendrix nos EUA preencheram com sobras a mais exigente imaginação musical jovem e nem tão jovem assim naqueles anos.  


O Brasil também tinha sua "revolução" (não a dos milicos, claro), mas, como sempre, copiando o que vinha de fora, com o rock meio juvenil da Jovem Guarda e o Tropicalismo que era inovador nas posturas estéticas, mas aceitava e invadia todas as tendências. E, claro, não tinha um grupo ou um cantor/compositor que, a exemplo daqueles europeus e norte-americanos, estivesse iniciando um novo modelo musical.  


Foi nesse cenário que surgiram Os Mutantes e, de repente, os jovens que amavam os Beatles, os Rolling Stones, e Caetano e Gil, arregalaram olhos e ouvidos para aqueles dois rapazes e aquela moça - os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista e Rita Lee - cantando em português, mas como se fossem de outro continente. Pronto! Também tínhamos nossos "revolucionários" do rock. 


O primeiro disco dos Mutantes foi lançado em 1968 e estourou nas paradas, mas as músicas compostas pelo grupo não foram as que mais tocaram nas rádios e sim "Panis et Circenses" (Gilberto Gil, Caetano Veloso) e "Minha Menina" (Jorge Ben). A novidade nessas músicas ficava por conta da interpretação, um vocal que contagiava e que trazia um novo som de vozes para cena musical brasileira. 

Um ano depois surge o novo disco que consolida o talento de compositores dos três. É esse segundo disco que ouço aqui em casa quando bate um banzo da minha juventude - em 1969 eu fiz 18 anos - e me lembro daqueles anos loucos, com ditadura militar comendo solta, o AI-5 recém enfiado goela abaixo do país, a censura nos sufocando e nos EUA e Europa os jovens vivendo total liberdade e revoluções nos costumes que marcariam para sempre a vida no planeta.  


O CD que tenho manteve as letras no encarte, o texto de Nelson Motta sobre a publicidade que o grupo fez para a Shell e lançou como uma das músicas e acrescentou um ótimo texto de Fábio Rodrigues que junta informações sobre o disco e conta um pouco da história daquele que foi e, sem dúvida, continua sendo, o mais importante grupo de rock do Brasil. 

Eu posso dizer que todas as músicas deste segundo disco dos Mutantes são ótimas e surpreendentes. A operística "Dom Quixote", a balada "Não Vá Se Perder Por Aí", a enigmática "Dia 36", a divertida e profética "Dois Mil E Um", o comercial da Shell "Algo Mais", a divertida "Banho de Lula", aquela mesma que Celly Campello gravou, a autobiográfica e também divertida "Rita Lee", a gostosa "Mágica", a surrealista "Qualquer Bobagem" provavelmente inspirada em Serge Gainsbourg, autor de "Je T'aime Mois Non Plus" e "Caminhante Noturno", que foi apresentada num festival e depois tocou muito no rádio.  


A maioria das músicas foi composta pelos três, mas há uma parceria importante com Tom Zé, que é “2001”. 


É um disco que, embora seja datado e represente uma tendência, tem muita qualidade musical e interpretativa desse grupo que, infelizmente, durou pouco e acabou se perdendo, como muitos talentos se perderam naqueles anos loucos.  


Dá pra ouvir inteiro no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=XyYAQHCnRu4&list=PL2R1HJ6BBn93Nb5ylNd9Q65fXzWV75sna e também pode ser comprado por aí, nos bons sites do gênero. 

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Ao Cazuza forever

 Por Ronaldo Faria


Quirelas de paixões transmutadas em suores e odores calcinados na chama do fim. Pedaço de luares vazios e diminutos, longe da luz cheia de um corpo celeste que morre ou nasce ao leste. Quem saberá? No frigir de óvulos no asfalto em salto alto, canta o solitário sabiá.

Pedaços de esperanças nas ancas que se vestem e se despem na ausência ou na anuência do amante. Canibais de si mesmos, dois corpos volatilizam num espaço inexistente e premente. Quem ouvirá? Na inexatidão do tesão, voam amores sem nunca pisar num avião.

Minúsculas vertentes de entes queridos, profícuas laqueaduras que se romperam à primeira covardia que pediu piedade. Um tanto de escuridão, outro tanto de dores que se dobram na madrugada. Daqui, arde a dor que se esmera inócua e perdida pelos inúteis cantos e cânticos.

sábado, 18 de junho de 2022

Ao Boca Livre

 Por Ronaldo Faria

Ao Boca Livre, a boca oca a desvirginar presenças e ausências, carências e insolvências de sabores e cheiros, no esmero que vive em crer que tudo poderá ser. Quase um suspiro entremeado de versos e calafrios. Canseira de se entrever no frio. Certeza de desvirginar o cio. Na boca livre, mistérios a se entreverem raros num século passado e inaudito. Fica, portanto, o dito pelo não dito, aflito e afoito, desdito. Na alma que se desgarra, em falas e falências, falácias múltiplas, o antever de um tempo qualquer ao esmero do que for ou vier, a viver...

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...