Por Edmilson Siqueira
domingo, 1 de dezembro de 2024
George Benson, no tempo do jazz
sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Manchetando com Celso Fonseca
Por Ronaldo Faria
José está perdido no infindo infinito de onde ninguém chega ou sai. Acabara de levar uma dedada que lhe disse que um câncer talvez inexista. Felicidade? Só os próximos exames irão confirmar. Mas a praia, cheia de areia e ondas, brisas e coxas e peitos ao vento, está logo ali. E o sol brilha amarelo e eterno no céu. Quando a Terra acabar, por conta e documento sem alento dos homens, ele ainda estará ali a rir da imbecilidade de seres ditos humanos. Tivesse sido os outros animais, irracionais, ou a própria natureza a comandarem a peça teatral, tudo estaria igual como a milênios.
-- E aí, José, vai a saideira?
Derradeira? Claro que não! Que venham muitas mais. Ele mal havia começado sua estrada estradeira. Sua ida e loucura mal começaram a trilhar letras e sílabas, frases e parágrafos, sentimentos ágrafos que não terminam nunca. Agora, solitário, lobo e cordeiro de si mesmo, o importante era crer que a vida pode ainda resistir um tempo, mesmo a esmo.
-- Viu o resultado do Botafogo ontem? Tenho dó de quem torce para um passado distante, tão equidistante como a Terra de Plutão.
-- É, botafoguense só se fode. Ou seja, é um brasileiro padrão.
No copo a cerveja teima em esquentar. Na cabeça as lembranças entram em torpor.
-- Se Garrincha estivesse vivo ele talvez chorasse de dor de ver o que restou...
-- Talvez. Mas quem não tem um choro guardado por alguma merda que no passado fez? Soubéssemos do futuro estaríamos assim no presente?
-- Manoel, traz mais umas tantas porque o Zé aloprou de vez!
O português obedece feliz e mete o dedo na comanda. Ao redor, em derredor e dor, o vento de ventilador de teto não lembra mais dos afetos de meio afeto que fez nas mesas abaixo.
-- Com certeza. De novo, renovado.
-- Beleza, mano. Então vamos para as entradeiras.
-- Claro. Que desçam e cheguem cada vez mais...
Cléber, carioca da gema, da Zona Norte, onde a cidade se formou e depois migrou para o mar, acreditava que viver o momento, fosse ele em alegria ou tormento na mesa de bar, já valia ter visto as horas parcas correrem em 24 num insano respirar. Na praia, aprisionada nos corpos morenos e efêmeros, libidinosos e fogosos, tantos uns e tantas outras viajavam no mundo etéreo que o verão dá. Na areia quente e requentada na paródia que é viver, a viagem na derrocada letal.
-- E aí, Cléber, como está Marilena? Gostosa e peituda como sempre?
-- Não sei mais. Aliás, da última vez que a vi estava meio caída. Como dizia a propaganda: o tempo passa, o tempo voa.
-- Verdade. E é cruel. Chega rápido. E corrói tudo sem pedir permissão. De repente, estamos nós a desatarmos nós que nenhum de nós achou que tinha feito.
-- É. E são nós de marinheiro, que nem que já foi escoteiro sabe desatar.
No céu, devagar surge o luar. A brisa muda de odor, o mundo antevê outra cor. A luz que se vê é do Arpoador.
-- Mas tudo vale, não é?
-- Se a alma não for pequena, sim. Como disse o poeta. Mas e se não houver alma? Pra quê fingir que há um depois?
-- Moços, querem um amendoim? – a voz do garoto quase roto, retinto, soa como destino que pede para toda conversa desconversar.
-- Não, obrigado. Mas boa sorte pra você.
-- Porra, Gilberto, deixa de ser mão-de-vaca e dá cinco contos pro moleque!
-- Tá bom, deixa um aí!
-- Obrigado, doutor. Boa biritagem pra vocês! – responde o menino que sai a correr de mesa em mesa: “Quer um amendoim?”
Na rua, rotunda e moribunda, os carros passam viajandeiros. Os ônibus, atolados de pessoas cansadas e arfadas depois de mais um dia de trabalho árduo, parecem apenas brotar das esquinas em sinas sinuosas. O mundo é foda, parceiro.
-- Que bom que o mundo ainda existe, não é?
-- Para alguns, para alguns...
-- E o que é ser lânguido?
No meio desse papo louco de botequim, mais um dia estranho...
quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Papo de dois viventes do século há muito passado
Por Ronaldo Faria
terça-feira, 26 de novembro de 2024
O melhor de Nina Simone
segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Cadeiras na calçada a ouvir Amelinha
Por Ronaldo Faria
-- Você lembra quando Astrogildo foi lá em casa pedir minha mão em namoro a papai?
-- E não lembro... O Seu Arcanjo ficou uma vara, queria colocar o rapaz pra fora a varas de marmelo no lombo.
-- Foi. Ele dizia: “filha minha só sai de casa aos 15 anos”. Eu nem menstruado tinha.
-- É, mas os tempos eram outros. Que bom seria se o outrora tivesse se perpetuado...
Na rua que teima em dividir o quadro em lado direito e esquerdo, esquinas, um rapaz passa com sua bicicleta elétrica e grita alto: “ E aí, vovós, tudo beleza?”
-- O que esse moleque depravado quer dizer com beleza?
-- Sei lá. Beleza pra mim era o entardecer na fazenda, com os bezerros a mugirem, o lampião a iluminar o escuro em meia-luz com aquele cheiro gostoso de querosene. Um ou outro morcego a voar nas telhas do quarto. Era de botar medo, mas nenhum nunca veio o nosso sangue chupar.
-- Cruz credo, ainda bem! Minha mãe dizia que eles só comiam frutas. Eram do bem.
-- E as procissões pra pedir chuva, você lembra?
-- Como não. Eram lindas. Todo mundo de branco cantando incelências para ver se os santos davam uma ajuda pra terra não ficar esturricada além do que já estava. O padre suado na frente a excomungar o fato de ser padre e ter de orar aos céus quando melhor era ficar na sacristia a beber vinho e contar tostões.
-- Mais bonito do que elas só as noites de lua cheia com o sanfoneiro chamando a roda de ciranda. Todo mundo em volta a fogueira a rir e brincar de viver feliz.
-- E tão lindo quanto triste era o enterro dos anjinhos que nasciam mortos ou não vingavam. A ruma de gente a seguir o caixãozinho até um campo santo qualquer.
-- Por que tudo isso acabou?
-- Sei lá. Acho que foi o tempo que passou. E voou rápido como se quisesse desaparecer de propósito pra provar que as nossas vidas são só uma vela a queimar.
-- Que mal doloroso...
-- Fazer o quê...
Ao longe o som do sino da igreja badala para a hora da oração a Nossa Senhora. Mas essa realidade ainda existe? Ou será simples chiste de um padre esquerdista na bandalheira que virou a fé?
-- Acho que está na hora de irmos entrar pra rezar, jantar e depois dormir.
-- Será? Posso dizer uma coisa feia, mas bem feia?
-- Pode, né...
-- Então, vai lá: puta que pariu, que se foda a hora da missa! Eu tenho um licor de jabuticaba aqui em casa. Quer entrar e tomar?
-- Não é pecado?
-- Pecado, eu cheguei à conclusão, é morrer. Afinal, ao fim de tudo, vivemos pra quê?
-- Quer saber, tem razão. Vamos encher o pote com seu licor.
Elas riram em seus dentes restantes e resistentes e foram para a sala degustar o tal licor que de tão velho já viu há muito o álcool evaporar. Mas, para Juju e Celinha pouco importava. Atávicas, para elas o drama era estupor. E ligaram a vitrola, colocaram os discos que quiseram, relembraram seus maridos mortos e enterrados. Solertes e brejeiras se embrenharam nas lembranças do tempo em que ainda tinham tranças. Riram muito mais e um tanto ainda mais e dormiram feito duas crianças no sofá coberto com a manta encardida de fios do Egito. O tempo para elas voltara afinal. E agora sem tempo, sem agonia, sem final.
sábado, 23 de novembro de 2024
Fantasia de passado
Por Ronaldo Faria
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Alceu em vacância na falência
Por Ronaldo Faria
Vesúvio derrama rios de fogo sobre as ruas imaginárias do tempo que o vento traz no fim da tarde. Em alarde, Bethânia faz rotunda a bunda que desfila nas ladeiras de Olinda. A brincar de vastidão na imensidão que desagua nas águas do oceano que se faz atlântico e atlético pelas ondas que arrebentam com força descomunal, ela revoa longínqua no coração do amado. Este, como um fardo da vida à espera do famigerado fim, permeia nos lençóis que há muito não veem o sol o tempo do primogênito nunca vindo. Heterônimo de si mesmo, a esmo, vagueia entre factoides e opioides pela estrada onde a direção é uma fada enfastiada. Fatiada de emoções e desejo em unções. Castro era ele. Castrado de esperanças e até menos casto. Na cena da praia havia um urubu.
E onde Bethânia e Castro se encontrariam e se envolveriam em trâmites nunca descritos ou escritos? No meio da trama, traumática e ávida de toques e sinais, certamente os corpos irão se confrontar e se envolver num vir e vir, volver. Como roupas a voarem em revoadas de maritacas que cobrem de barulho o silêncio da querência, os corpos estarão em ladeiras e eiras e beiras a beirar a felicidade e a liberdade. E se contorcerão em atabaques e baques que nunca serão esquecidos, aquecidos por corpos nus e misturados. Em fardos de beijos e toques, lânguidas lambidas e fornicações, ambos farão de quase nada um mundo de fado. Assim, numa metáfora infinda se unirão na distância intrínseca à felicidade e permearão aquilo que o coração, bobo, bombeia para viver.
terça-feira, 19 de novembro de 2024
A florir as flores mortas
Por Ronaldo Faria
Num bairro próximo, entre a mesa do bar e monóxido de carbono, Artur Castro, casto em seu desejo de ser poeta, vê o tempo passar. Sem passaporte diplomático ou primeira classe, ele é somente miragem na vida. Mas não desiste de poder singrar longas marés em galés cheias de rum, marujos a buscarem tesouros nas pernas das mulheres de cada porto, um capitão cego e com ambas as pernas de pau a gritar contra a retidão do mar. Na certidão de nascimento, feita após o tormento de um parir a fórceps, o sentido inato da exagerada dose de solidão.
Entre os dois, a dor junta louvor e torpor. Na desdita certeza de se viver, o destino corre como Quasimodo, torto e devagar, a tragar sorrisos, carinhos curvilíneos, beijos de línguas desencontradas e atadas no forjar. Ana e Artur, dois seres ungidos e carcomidos no seguir de meses feito reses no pasto, vão no vasto seguir a rodar ciranda no terreiro. Como colibris sugam o mel das flores que sobreviveram ao cheiro da vida e se se tornam incólumes vozes no lumiar do verão. Arautos do amor se tornam a gota que vem com as ondas do mar.
A ouvir e ver tudo, o grilo atônito com o fim das árvores e afônico sem poder sequer cantar em voz grilar, se prende no vidro talvez para dizer que a sorte ainda virá. Quem sabe Artur e Ana não se cruzarão numa esquina finda, dessas que surgem no ápice da história... Ou talvez apenas tenha passado de passagem feito miragem letárgica e pragmática para servir de fotografia fria e literal. Ao casal, marginal e fetal, a folia da foda passada, a cansada marginália, a inóspita hóstia que o bispo do juntar nega àqueles que descobrem ser seu próprio mundo. Tudo junto e misturado.
Mas como tudo que o sentido do sensitivo vê ou crê que enxerga, na cega lâmina da felicidade, os segundos seguem sem sentido. Assim, Ana e Artur, como grão de areia que tem cheiro de água e mar, vão a seguir os limites que se transbordam de corpo e alma, farpas de fálicas vidas. Em dado momento da história, porém, vão à janela e enxergam a rua logo abaixo feito astro que orbita em torno dos prédios e do tédio. Sem saber, dão adeus de narciso à vida. No etéreo, suas almas rompem os corpos e se encontram tântricas no rarefeito luar da quimera. E aí a paz do sublimar se faz tela à pintura em aquarela.
domingo, 17 de novembro de 2024
Rosa Passos, compositora
Por Edmilson Siqueira
sexta-feira, 15 de novembro de 2024
Acabou...
Por Ronaldo Faria
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Na inconstância de Constância
Por Ronaldo Faria
terça-feira, 12 de novembro de 2024
Thomas Walbum Trio, from Denmark
Por Edmilson Siqueira
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Vai ou não vai?
Por Ronaldo Faria
sábado, 9 de novembro de 2024
Mosquito proscrito ao som de Leny Andrade e César Camargo
Por Ronaldo Faria
- Puta que te pariu, vou te matar, lazarento!
-- Remédio, remédio, que tédio!
Felisberto era esse ser a descrer da loucura que é viver.
-- Pra quê essa merda se no fim dá tudo em bosta?
O mosquito esquisito buscava o copo de cerveja insistentemente.
-- Será esse morfético, ser insignificante, não frequentou o AA mosquital?
Sem saber se o tinha engolido ou não num gole a mais ou se o ventilador a mil o tinha impedido de continuar a voar, Felisberto por fim se acalma.
-- Agora vou poder pensar em Lavínia.
Recoloca o papel na máquina, vê se o rolo de tinta, já meio gasto, aguentará até o fim da proeza e volta a datilografar.
-- E agora, digo que a amo ou que a venero? Venerar parece coisa venérea. Melhor não. A amo. É isso! Amo-te, por começar parágrafo.
Ser solitário, catártico, prosaico, metamórfico, sabe-se lá mais o que, ele decide fazer um poema que pareça ode à elegia apaixonada.
“Daqui, nessa noite inesperada, sangrada, espero minha amada.
Será ela coisa forjada, arrebatada, enamorada, ávida? Saber-se-á.
Sei apenas que ela é noturna e soturna, taciturna...”
-- Puta que me pariu, a porra do mosquito voltou?
No meio de um pensamento, Felisberto atenta que o pequeno ser retoma seu voar.
-- Como esse infeliz ainda está aqui?
Sem saber ler pensamento ou voz de um ser humano, o ser de asas pequenas e assimétricas permanece em verve a perturbar o coitado do escritor atemporal.
-- Vai tomar no cu! Agora é guerra!
Colérico, Felisberto levanta da cadeira de madeira maciça e corre até a cozinha onde guardava um inseticida que trazia escrito “cuidado na sua utilização”.
-- Se prepare para morrer, famigerado...
Enlouquecido, despeja jatos por todo o lugar E inala tudo ao redor com voracidade de quem quer o tempo parar. Para ele, agora não tem tempo ou lugar.
-- Morre, desgraçado, morre!
Após o frasco secar, a casa parece um campo de batalha biológica entre a lógica e o esvanecer. Tonto, sem conseguir sequer dizer a quem queria escrever, Felisberto cai no chão. Intoxicado, com o coração a querer parar, vê o ridículo inseto, mosquito em presto, voar até o copo de cerveja quente. Interligados na cena, ambos morreram em poucos minutos. Se Felisberto tivesse lido a forma de aplicação teria visto que era preciso deixar o ar circular. Se o mosquito tivesse lido o rótulo da cerveja teria sabido que o produto não era recomendado a insetos e congêneres. O enterro dos dois, cadavérico e letal, teve hora e local iguais. E ninguém, de asas ou pernas compareceu...Mas, no horário marcado, as doses obrigatórias de remédio foram cumpridas.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Chuva, vento, Leny e César Camargo
Por Ronaldo Faria
A sexta-feira é de Carnaval, festa carnal por essência naquilo que ao desejo se faz essencial. Mas, para o casal bíblico, fálico, tragicômico na sua epopeia, a festa de Momo já tem décadas de existência e nunca acabou. Quarta-feira de cinzas? No calendário deles inexiste. Todos os dias são dias de vestir fantasias, beber nostalgias, tragar doses de alegorias em saliva e paixão. No bloco que desfilam, não há bateria que peça para parar, foliões que desistam de desfilar seja onde for, no asfalto ou no mar. Para eles, a piedade não vem de bênçãos mundanas, profanas fantasias, dionisíacas orgias. A comissão de frente, que afronta jurados e notas, loucuras e artroses, passos e vozes, não precisa de coreografia. Basta um sorriso, uma fina brisa que bordeia o derredor e um antídoto pra dor: o juntar corpos, saciar cópulas, sorrir juntos num sorriso que os olhos veem.
E assim, como botões de rosa que decoram o fim do decoro de corpos, continuam a se tocar e vislumbrar que um dia, em inclemente sangria, verão seus copos entornarem emoções nas fálicas e inertes unções do querer ser feliz. Por isso não se importam com a chuva que inunda e destrói, com o vendaval que derruba e corrói, com a previsão que se diz factível e atroz. No quarto, catacumba que macumba nenhuma desfaz, se fazem únicos e invisíveis ao mundo. Na rua, após o dilúvio sobrenatural, que chamam de menino ou menina espanhóis, alguns voltam a sambar em som de atabaques e bumbos molhados e desafinados. Num beijo molhado e escandalizado, como diria o compositor, Maria e José, José e Maria, continuam sua estrada de ribalta e espera. Nos dois, descansa a fera...
Com os Paralamas do Sucesso e a porra de uns óculos que não dão pra ver a tela direito
Por Ronaldo Faria Óculos trocado porque o outro estava embaçado. Na caça da catraca de continuar a viver ou da contradança do crer vai ag...

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Por Edmilson Siqueira Sergio Mendes é, sem dúvida, o mais bem sucedido artista brasileiro no exterior. E não só nos Estados Unidos. Seus di...
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Por Ronaldo Faria O CD Cazas de Cazuza – A Ópera-Rock é de 2000. Dez anos após a sua morte, vítima da Aids. Dos discos que homenagearam d...