Por Ronaldo Faria
Chegou o negror doidivanas da noite, mortificado por poucas estrelas, espraiadas águas do mar a baterem na rocha eterna, copos erguidos e cheios de solidão e senões. Transversas vidas, vagas emoções e desilusões largadas feito nada. Um bar cheio de fumaça, cubas libres e gins com tônica. Atônita, a vida se vê catatônica diante do fim. Ávida, a mulher beija o amado com o corpo largado sobre a mesa. Sobremaneira, o Leblon se descobre às margens de uma Lagoa qualquer que se dá a quem vier.
O garçom transita entre as mesas de caderno na mão. Entre um anotar e outro, descreve rodopios de augúrios mil. Escreve desejos e arpejos de instrumentos que soam às vísceras dos amantes. Está em cada respiração ofegante, cada ausência reinante, cada descalabro daquele que se dá. Nos cantos e desencantos distantes ouve-se um atabaque aos orixás. São corpos a girarem inauditos e sonoros. Nos cadafalsos que se criam a cada sentimento, enforcados se afogam de alcoólicos devaneios.
Ao lado, no asfalto mais negro do que nunca, questiúnculas parecem tempestades em copos d’água. Um carro freia de repente, na voz de um louco surge um repente. Repentinamente, dois corpos se juntam e suam juntos, lambem suas próprias feridas e se entregam ao universo imerso de nostalgia e orgia plenas. Numa planície qualquer, ver-se-á o corpo de um homem e outro de uma mulher. Talvez um hímen deflorado como fosse sobremesa de colher. No som do piano, pessoas nas calçadas são só sombras encarquilhadas.
E assim a noite vai a sumir, trôpega e fátua. A ver seus personagens como selvagens numa antropofagia em viés. Alguns saberão o que aconteceu. Outros, inertes a si mesmos, nada terão visto. Se viveram, deus saberá. Feito crianças, todos seguirão para suas camas. Nelas, abraçarão travesseiros, lençóis esbranquiçados, corpos em conchas, fronhas retintas de cetim. Depois, até que o primeiro raio de sol se sobressaia no céu, nada mais serão. Talvez um guardanapo jogado no chão ou um sentimento esquecido, ao léu, no coração.