terça-feira, 13 de maio de 2025

Nome composto pra abastecer no posto ou bater no poste

 Por Ronaldo Faria

 

Na dimensão entre a loucura e a razão, como camaleão que se equilibra para não despencar do galho fragilizado no chão, Diogo Baltazar, que creditava ao seu nome composto todo o azar, caminhava ao lado de Beatriz, sua nova fada. Linda, sensual, mulher dessas que depois do primeiro beijo tem que se levar sem pensar para o altar, ela completava e locupletava cada trama alternada do seu jeito bipolar. Diogo Baltazar sabia que agora, se chovesse canivete, ele pegaria cada um e usaria como gilete no barbear. Beatriz tinha gosto de anis, seus olhos brilhavam como luar cris, seu corpo não precisava nunca que se passasse um mero esmeril. Era perfeito. Cada curva, cada pedaço, cada minúsculo detalhe, todos eram aquilo que o escultor mandava sua estátua de mármore falar. Impossível melhorar.
“Meu nome que rima com azar, depois de Beatriz, nunca mais me incomodará. Posso me chamar Cagalhão Dramalhão, Lupércio do Trapézio Cortado, Joselito Piroca Murcha, tanto faz. Nada mais me faz deteriorar”, pensou no seu métrico pensar. Estar ao lado daquela deusa era tudo que poderia sonhar. Afinal, ele sabia que se Vinicius e Tom estivessem vivos a garota trocaria de Ipanema sem pagar aluguel ou mesmo seguir além-mar. Beatriz seria a musa difusa de todos poetas, profetas, pragmáticos estetas. Nela, nas suas curvas nunca turvas mesmo sob a escuridão de um eclipse lunar, a vida depositaria todo sonhar. E ele, logo ele, era quem tocava o violino principal na orquestra temporal das coxas que levavam ao lumiar.
E assim, de forma assimétrica e similar, Diogo Baltazar e Beatriz juntaram pernas e espermas, bocas e comédias, salivas e clamídias, sevícias perfumadas e dragadas nas drogas que a paixão dá. Serviram-se de afagos e fátuos clamores, cheiraram pós e flores, viveram paixões e amores. Dores? Tiveram dores. E tomaram remédios e chás alucinógenos para tratá-las. Táteis, se tocaram por inteiro, com esmero e tiro certeiro. Conheceram cada milimétrico e tétrico lugar que aos guias, compêndios, tratados e catálogos de anatomia passariam despercebidos. Foram, se furtaram e foram-se. Se foderam e fornicaram como mandam os dez ou doze mandamentos da felicidade. Fizeram pós-graduação na faculdade da carência finda e se doutoraram em escatologia. No todo, doutrinaram as mais carolas beatas da frigidez feminina e os mais estúpidos machos em seus púlpitos de garanhões. Foram mestres e aprendizes. Em restaurantes de estrelas até comeram perdizes.
Um dia, porém, Beatriz cansou de viver feito abelha, a voar e sugar flor murcha e carente de mel, em pleno fel. Decidiu que era hora de recomeçar, de brotar em terra seca, carcomida de comida e prazer fugaz. Queria somente rever o suor que escorria apenas por rever aquilo que logo poderia ser: o toque certeiro, o beijo feito centeio a embebedar a cerveja de álcool e loucura às bicas e bocas cheias de sede e sedentas de querer sorver. O tocar dos seios pelas mãos trêmulas do amante primeiro, o anseio do gozo vadio e derradeiro, no carro a romper estradas e quadras que se deixam para trás. O parar no gole de gim, da tônica que o novo amante bebe feito Coca-Cola. Pois Cuba ainda será livre!
Sem Beatriz, Diogo Baltazar voltou a ser o mero ser de azar. Nada mais lhe servia. A esquina ou a rua logo ali, ele não via. Nem sequer antevia a ressaca que batia mais forte do que a mesma das ondas no mar. Litros e litros, postes eletrificados e santificados a lhe segurar da queda certa, limites entre a loucura e a lucidez, nada se comparava a perder a tez de Beatriz diante de seu rosto. Torto, cambaleante, infante de si mesmo, pecador de um confessionário ordinário que era o banheiro do bar mais fétido de qualquer lugar, Diogo Baltazar seguia na tragicômica e icônica estrada que traçou para si. Picardia tardia de uma efeméride que fez realidade da vida, não pensava em mais nada. Melhor logo morrer. Até que numa madrugada, dessas tragada na desilusão de asfalto infausto onde se cai bêbado em bênção, ele viu Violeta, nome de flor, crente de cabelos longos e ensebados que saía da igreja “O Senhor é Primeiro”. Foi amor à primeira vista estrábica em cataratas fluídas esbranquiçadas, senão. Logo chegou na frente dela e disse, resoluto e vendilhão: “Quer casar comigo?” Ela, com sua Bíblia encardida e nunca lida, disse logo sim.
Hoje, Diogo Baltazar é funcionário público, evangélico e famélico de viver. Volta e meia, no meio da inócua volta, lembra de Beatriz, atriz principal de um musical sensacional na Broadway dos EUA. Ela se casou com um produtor norte-americano de talento. Teve um filho de rebento e ligou as trompas para não atrapalhar mais a carreira. É pop star internacional. Seu nome artístico é Beatrix do Mix. Mas Diogo Baltazar não tem tempo para ouvir ou ver isso. Seus oito filhos, vindos graças ao bom Deus e a fertilidade de Violeta, esperam que ele possa lhes prover de alimentos reais, substratos da falência total. Na volta da feira dominical, ele deixa na mesa da cozinha um tanto de verduras, legumes e lágrimas a sobrar. Do quarto, a sua nova e velha flor marital diz apenas “Dô, estou fértil! Deus disse crescei-vos e multiplicai-vos!” Ao ser fulminado de si só resta ao Criador obedecer. Dos seus solhos caem gotas de sangue. E milagre não há. Outro rebento logo irá arrebentar.

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